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Processo nº 464/2000 Conselheiro Messias Bento
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
Recorrente(s): R., Ldª Recorrido(s): J. C. e sua mulher B. M.
I. Relatório:
1. R., Lda interpôs recurso para este Tribunal do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Junho de 2000, uma vez que – disse – este aresto 'negou provimento ao agravo, mantendo a decisão recorrida, condenando-a em custas, sem prejuízo do apoio judiciário'. Tal recurso foi admitido, mas o respectivo requerimento não cumpria qualquer das exigências do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional. Por isso, foi a recorrente convidada, neste Tribunal, a dar cumprimento ao disposto no referido preceito legal. Veio, então, a recorrente dizer que o recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade do artigo 25º, nº 1, do Decreto-Lei nº 329-A/95
(aditado pelo artigo 6º do Decreto-Lei nº 180/96), pois 'as instâncias com a interpretação que formularam violaram expressamente o direito de recorrer existente no momento da introdução da acção em juízo, atribuindo efeito retroactivo e uma lei restritiva da livre faculdade de alegar no tribunal a quo ou ad quem, violando, assim, o disposto no nº 3 do artigo 18º da Lei Fundamental'.
O relator, por entender que a questão de constitucionalidade a decidir no recurso – ou seja: a questão da constitucionalidade do mencionado artigo 25º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, aditado pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro – era uma questão simples, por ser manifestamente infundada, proferiu decisão sumária a negar provimento ao recurso.
2. É desta decisão sumária que a recorrente, agora, reclama para a conferência, pedindo a revogação da mesma, já que – diz – 'carece do necessário aprofundamento e bondade constitucional, porque permissiva e cúmplice do destempo escandaloso das instâncias e castigadora desnecessária, desproporcional e desadequadamente do conteúdo pleno do direito ao recurso no momento em que a acção nasceu e se foi desenvolvendo'. Acrescentou: 'dois pesos e duas medidas: o destempo das instâncias a reclamar a usual rota do Tribunal Europeu e a antecipação alegatória para a recorrente, ou melhor dizendo: a bondade para as instâncias e a má fé para a recorrente. Este é o habitual cenário teatrializado pelo Venerando TC: Deus e o arbítrio para as instâncias; o diabo e a imperatividade para a recorrente !!!'. Tudo isto diz a reclamante, depois de ter anotado, entre o mais, o seguinte: 'a equidade do processo deve aferir-se, neste caso, quer pelo conteúdo pleno do direito ao recurso, quer pelo conteúdo pleno do direito à cidadania processual, de forma que os autos nasçam, cresçam e morram em tempo útil, em prazo razoável'; o relator neste Tribunal 'desfoca e ofusca a primeira questão e omite a segunda questão, não obstante tratar-se de questão constitucional relevante e infelizmente da maior actualidade'; 'o artigo 25º/1 do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, aditado pelo DL 180/96, de 25 de Setembro, dispõe que ‘é aplicável aos recursos [...]’, o que constitui uma faculdade e não uma obrigatoriedade ou imperatividade desnecessária, desproprocional e desadequada, porque restringe/limita um direito de recurso não previsto quando a acção foi proposta em 23.11.88 – há 12 anos'; 'os venerandos STJ e o TC não fazem venerar a Justiça em tempo útil razoável, permitem esta moleza e incúria na tramitação destes autos e interpretam com rigor farisaico aquilo que é uma simples faculdade alegatória'; 'estes autos nasceram, desenvolveram-se e deviam ter findado com a regulamentação antiga, mais benéfica para a recorrente e não como uma regulamentação nova onerosa'; 'assim, o destempo da tramitação dos autos tornou a regulamentação do direito de recurso onerosa e iníqua, quando sempre devia ter sido, a nível destes autos, de carácter facultativo quanto ao momento e ao local de apresentação das alegações'.
Os recorridos, ouvidos sobre a reclamação, nada disseram.
3. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
4. Na decisão sumária escreveu-se: Nestes autos, está, assim, sub iudicio a norma constante do n.º 1 do artigo 25º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro (aditado pelo Decreto-Lei n.º
180/96, de 25 de Setembro), pois, como vai ver-se, tal norma foi acusada pela recorrente de padecer de inconstitucionalidade e, não obstante isso, foi ela aplicada pelo acórdão recorrido. Vejamos, pois: A aqui recorrente apelou para a Relação de Lisboa da sentença proferida numa acção que propôs, em 23 de Novembro de 1988, contra J. C. e a sua mulher, B. M.. A Relação, por acórdão de 2 de Outubro de 1997, negou provimento ao recurso. Desse acórdão da Relação, recorreu ela de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando logo a respectiva alegação. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 6 de Maio de 1998, anulou aquele aresto da Relação, pelo que esta proferiu novo aresto – o acórdão de 4 de Novembro de 1998 -, em que voltou a negar provimento à apelação. A ora recorrente interpôs, então, novo recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, tendo sido admitido
(despacho de 9 de Fevereiro de 1999, notificado às partes em 19 do mesmo mês e ano), veio, posteriormente, a ser julgado deserto pela Desembargadora relatora
(despacho de 20 de Abril de 1999), em virtude de a recorrente não ter apresentado a respectiva alegação. A recorrente reclamou desse despacho para a conferência, mas a Relação, por acórdão de 24 de Junho de 1999, manteve o despacho da relatora e condenou a reclamante (ora recorrente) em multa, como litigante de má fé. Desse acórdão da Relação, agravou a ora recorrente para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo, para o que aqui importa, dito, na alegação que então apresentou, que a interpretação dada ao artigo 25º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro (aditado pelo Decreto-Lei n.º
180/96, de 25 de Setembro) sofre de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 18º, n.º 3, e 20º, nºs 4 e 5, da Constituição; e que não há litigância de má fé. O Supremo Tribunal de Justiça, pelo acórdão agora sob recurso (o acórdão de 6 de Junho de 2000), negou provimento ao agravo, mantendo a decisão recorrida e condenando a recorrente nas custas, 'sem prejuízo do apoio judiciário'. O Supremo Tribunal de Justiça, para assim decidir, ponderou que, não obstante a acção ter sido proposta em 1988, as alegações da revista, que veio a ser julgada deserta, tinham - por força do que preceitua o mencionado n.º 1 do artigo 25º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro (aditado pelo Decreto-Lei n.º
180/96, de 25 de Setembro), conjugado com os artigos 698º, n.º 2, e 724º, n.º 1, e 690º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil – que ser produzidas no tribunal recorrido (isto é, no Tribunal da Relação de Lisboa), pois o recurso de revista foi interposto de um acórdão dessa Relação proferido numa data (4 de Novembro de 1998) em que já estava em vigor a lei nova, e a recorrente não apresentou a sua alegação no Tribunal da Relação, no prazo legal (30 dias). Segundo o citado artigo 25º, n.º 1, aos recursos, interpostos de decisões proferidas posteriormente a 1 de Janeiro de 1997 em causas pendentes nessa data, aplicam-se, efectivamente, em bloco, as disposições da lei nova sobre recursos
(com excepção apenas, obviamente, daquelas que implicam restrições ou limitações desse direito). Na verdade, tal preceito (dito artigo 25º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, aditado pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro) dispõe que 'é aplicável aos recursos interpostos de decisões proferidas nos processos pendentes após a entrada em vigor do presente diploma o regime estabelecido pelo Código de Processo Civil, na redacção dele emergente, com excepção do preceituado no artigo 725º' e no n.º 2 do artigo 754º, bem como o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 669º e no artigo 670º'. A questão de constitucionalidade a decidir no recurso – ou seja: a questão da constitucionalidade do mencionado artigo 25º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º
329-A/95, de 12 de Dezembro, aditado pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro – é uma questão simples, pois que é manifestamente infundada. Na verdade, o facto de, no recurso de revista, a alegação do recorrente ter que ser apresentada no tribunal recorrido - ou seja, no Tribunal de Relação que proferiu o acórdão impugnado (cf. artigo 699º, aplicável à revista por força do disposto no artigo 724º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil) -, no prazo de trinta dias 'contados da notificação do despacho de recebimento do recurso'
(cf. artigo 698º, n.º 2, aplicável por força do disposto no artigo 724º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil), não o podendo ser no tribunal ad quem (é dizer: no Supremo Tribunal de Justiça), em nada restringe ou limita o direito de acesso aos tribunais - recte, o direito a um processo equitativo. E isso tanto é válido para os recursos de revista interpostos de decisões proferidas em acções propostas depois da entrada em vigor da reforma processual operada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de
25 de Setembro (ou seja, depois de 1 de Janeiro de 1997), como para aqueles em que se impugnam decisões relativas a acções propostas antes dessa data, mas proferidas posteriormente à mesma. Em qualquer dos casos, do que tão-só se trata
é de regular um aspecto da tramitação do recurso - recte, o momento da apresentação da alegação e o tribunal em que essa alegação deve ser apresentada. Ora, uma tal regulamentação em nada diminui ou afecta o conteúdo do direito ao recurso, que os interessados continuam a poder exercer sem qualquer espécie de onerosidade. O processo continua, por isso, a ser um processo equitativo, pois as partes continuam a poder defender-se de eventuais sentenças injustas, impugnando-as perante o Supremo Tribunal de Justiça.
É, assim, manifesto que a norma constante do artigo 25º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, aditado pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro – que manda aplicar as disposições da lei nova (com excepção apenas daquelas que implicam restrições ou limitações do direito ao recurso) aos recursos interpostos de decisões proferidas posteriormente a 1 de Janeiro de
1997 em causas pendentes nessa data - não padece de inconstitucionalidade; designadamente ela não viola o direito a um processo equitativo. Há, por conseguinte, que negar provimento ao recurso.
5. Nada há a acrescentar ao que se escreveu na decisão sumária para concluir como aí se concluiu. Ou seja: que é manifesto que a norma constante do artigo
25º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, aditado pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro – que manda aplicar as disposições da lei nova (com excepção apenas daquelas que implicam restrições ou limitações do direito ao recurso) aos recursos interpostos de decisões proferidas posteriormente a 1 de Janeiro de 1997 em causas pendentes nessa data - não padece de inconstitucionalidade; designadamente, ela não viola o direito a um processo equitativo.
Nada há a acrescentar para concluir do modo apontado, porque a reclamante não aduziu nenhum argumento capaz de convencer da inconstitucionalidade daquele artigo 25º, nº 1. Limitou-se a dizer que, nesse preceito, se consagra 'uma simples faculdade alegatória'; e que, a não se entender assim, se lhe impõe 'uma regulamentação nova onerosa'.
A necessidade de que 'os autos nasçam, cresçam e morram em tempo útil, em prazo razoável' é, de certo, uma questão relevante. Não é, porém, uma questão de constitucionalidade que tenha a ver com a única norma que constitui objecto do recurso: o dito artigo 25º, nº 1, do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro
(aditado pelo Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro). E, por isso, é destituída de sentido a afirmação de que a decisão sumária omitiu o seu tratamento. Anota-se ainda que a ora reclamante, nem no requerimento de interposição do recurso, nem na resposta ao convite de aperfeiçoamento, afirmou que aquela norma, interpretada como foi pela decisão recorrida, viola 'a equidade do processo'. Daí que também careça de sentido a afirmação de que a decisão sumária desfoca e ofusca essa questão.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). confirmar a decisão sumária; e, em consequência, negar provimento ao recurso;
(b). condenar a recorrente nas custas, com quinze unidades de conta de taxa de justiça
Lisboa, 22 de Novembro de 2000 Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida