Imprimir acórdão
Processo Penal, o que constitui nulidade;
4ª - porém, se vier a entender-se que estas normas permitem o novo julgamento pelo mesmo tribunal, as mesmas são inconstitucionais, por violarem o disposto no artigo 32º, n.ºs 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa;
5ª - igual inconstitucionalidade decorre do facto de se terem aplicado as normas dos artigos 432º, alínea c) e 433º, ambos do Código de Processo penal, que vedam ao arguido uma Segunda jurisdição em matéria de facto, por isso também violadoras dos preceitos constitucionais mais acabados de invocar;'
O STJ, por acórdão de 25 de Março de 1999, decidiu voltar a anular o acórdão proferido na 1ª instância, pois entendeu que, embora não tivesse ocorrido uma alteração substancial dos factos descritos na pronúncia, 'porém, a referida alteração teve relevo na decisão da causa, uma vez que na mesma foram tidas em conta, para determinação da medida concreta da pena, as consequências dos factos praticados. Assim, porque o recorrente não apresentou contestação escrita e porque da acta de audiência de julgamento não resulta que a alteração tenha provindo de factos alegados pela defesa nem que o tribunal recorrido a tenha comunicado ao recorrente ou a outra pessoa, o acórdão, ora sob recurso, é nulo por força do disposto no artº 379º, al. b) do C.P.P.'(sublinhado no original).
Na sequência da anulação do acórdão, o STJ ordenou 'a repetição do julgamento pelo tribunal «a quo»'
2. – A... notificado do teor deste acórdão veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
O recorrente pretende que o Tribunal aprecie a constitucionalidade dos artigo 40º e 436º do Código de Processo Penal (CPP), interpretadas no sentido de permitirem a repetição de um julgamento pelo mesmo tribunal que procedeu ao julgamento anulado.
O Relator no STJ, depois de um convite ao recorrente para indicar a alínea do preceito ao abrigo da qual interpunha o recurso e a peça processual em que tinha suscitada a questão de constitucionalidade – o que foi cumprido – exarou um despacho pelo qual não admitiu o recurso interposto por entender que o acórdão em recurso não tinha aplicado as normas questionadas, como expressamente se afirma a fls. 465 e verso dos autos, o que inviabilizava o recebimento do recurso.
3. – Notificado desta decisão, A... apresentou, nos termos do artigo 76º, n.º4 da Lei do Tribunal Constitucional, reclamação para este Tribunal. Fundamentou esta reclamação no facto de ter suscitado nas suas alegações a questão da constitucionalidade das normas dos artigo 40º e 436º do CPP, se interpretadas como permitindo a realização da repetição do julgamento pelo mesmo tribunal, o que constituía uma interpretação restritiva e inconstitucional de tais normas, em violação das garantias de defesa do processo constitucional e especificamente do artigo 32º, nºs 2 e 5 da Constituição.
No requerimento de reclamação, o reclamante vem referir que nas suas alegações de recurso para o STJ 'cometeu um erro de escrita de que só agora se apercebeu. Na verdade, nas suas alegações e na interposição de recurso refere a norma do artigo 436º do Código de Processo Penal, mas a norma que pretendia referir é a do artigo 426º do Código de Processo Penal.'
3. – O Ministério Público teve vista dos autos aí tendo exarado o seguinte parecer:
'Inconformado com o acórdão proferido pelo STJ, que - pela segunda vez - determinou a anulação do julgamento, em 1ª instância, do arguido, pretendeu este interpor recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, que tratou de reportar, no extenso requerimento que apresentou, à 'interpretação dos arts. 40º e 436º no sentido de das mesmas permitirem a realização da repetição do julgamento pelo mesmo Tribunal' (cfr. fls. 28 dos autos). Convidado a aperfeiçoar o requerimento de interposição do recurso, veio fazê-lo através da peça de fls. 30, na qual afirma que pretende 'ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 40º e 436º do CPC com a interpretação com que foram aplicadas na decisão recorrida' - e isto apesar de bem conhecer o acórdão proferido pelo STJ, no qual expressamente se afirmou
(fls. 15v/16) que tais preceitos legais 'são inaplicáveis ao presente caso', por nada terem a ver com a realização de novo julgamento pelo mesmo tribunal. No âmbito da presente reclamação, pretende o arguido alterar o objecto do recurso, com a delimitação que, no processo principal sempre lhe havia dado, pugnando (com a justificação de que teria existido 'erro de escrita') pela convolação para a norma constante do art. 426º do CPP. Cabe inquestionavelmente ao recorrente, nos recursos de fiscalização concreta, o
ónus da exacta e precisa delimitação do respectivo objecto, não sendo naturalmente admissível a convolação de normas ou preceitos legais, ficando tal objecto - e os consequentes poderes de cognição deste Tribunal - irremediavelmente definidos na sequência do requerimento de interposição. No caso dos autos, teve o ora reclamante plena oportunidade para - se agisse com a diligência devida - rectificar o pretendido (e reiterado, ao longo do processo) 'erro ou lapso de escrita' no que toca à especificação da norma arguida de inconstitucional; não curou, porém, de aproveitar tal oportunidade, reiterando - no requerimento de fls. 30 - a referência às normas, apesar de ser patente que a própria decisão impugnada afirmara que as mesmas eram
'inaplicáveis' ao caso. E, em tal peça processual, não tratou de especificar minimamente qual a interpretação de tais preceitos legais que reputava de inconstitucional, limitando-se a afirmar vagamente que tais 'normas', com a interpretação com que foram aplicadas na decisão recorrida' (que como se viu afirmou expressamente que elas eram inaplicáveis ao caso 'sub judicio' !)violariam o princípio constitucional das garantias de defesa. Perante este quadro - traduzido no reiterado incumprimento dos ónus que impendem sobre o recorrente e no continuado desaproveitamento das oportunidades processuais que lhe foram facultadas para suprir o alegado erro na indicação da norma objecto do recurso - é evidentemente inadmissível a realização, no âmbito desta reclamação, da pretendida modificação do objecto da fiscalização da constitucionalidade, desencadeada pelo reclamante - o que, sem mais, determina a improcedência da presente reclamação.'
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
4. – A presente reclamação tem como fundamento o facto de não se ter admitido o recurso para o Tribunal Constitucional interposto do acórdão do STJ para apreciação da constitucionalidade dos artigos 40º e 426º do CPP (e não 436º, como escreveu anteriormente o reclamante), por tal aresto não ter aplicado tais normas, já que as mesmas 'são inaplicáveis ao caso'.
Vejamos.
O artigo 426º do CPP/95 estabelece que: 'Sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do n.º2 do artigo 410º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio'.
Pelo seu lado, o artigo 40º, do mesmo Código estabelece que: 'Nenhum juiz pode intervir em recurso ou pedido de revisão relativos a uma decisão que tiver proferido ou em que tiver participado, ou no julgamento de um processo a cujo debate instrutório tiver presidido'.
Quanto ao artigo 426º do CPP/95, que se refere especificamente ao reenvio do processo para novo julgamento, é manifesto que a decisão recorrida não aplicou tal norma.
Com efeito, a decisão recorrida não detectou no acórdão do tribunal colectivo nem insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nem contradição insanável da fundamentação, nem erro notório na apreciação da prova – os únicos fundamentos que o Código prevê para ordenar o reenvio do processo para novo julgamento por outro tribunal. Efectivamente, o
«reenvio» processual a que se reporta o artigo 426º e, bem assim, os artigos
431º e 436º, todos do CPP, tem, neste diploma, um sentido técnico-jurídico bem definido: sempre que a lei restringir os poderes de cognição do tribunal de recurso à matéria de direito, o recurso pode, em tais casos, ter como fundamentos os vícios referidos no artigo 410º e, então, os poderes de cognição do tribunal de recurso alcançam, nas condições estabelecidas no preceito, a apreciação da prova.
Em tais hipóteses, o tribunal de recurso pode entender que, face ao vício detectado, o tribunal recorrido não dispõe mais de condições para proceder a um novo julgamento, pelo que se determina o reenvio do processo para outro tribunal que, no caso da Relação será o tribunal colectivo com jurisdição na área do tribunal recorrido (artigo 431º), e, no caso do STJ, será o tribunal de categoria e composição idênticas ao que proferiu a decisão recorrida e que se encontrar mais próximo (artigo 436º).
No caso, o STJ detectou na decisão do tribunal colectivo uma alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia, com relevo para a decisão da causa, 'uma vez que na mesma foram tidas em conta, para determinação da medida concreta da pena, as consequências dos factos praticados'. Ora, não tendo sido comunicada ao arguido tal alteração dos factos e não lhe tendo sido dada oportunidade de organizar a sua defesa face a esses factos novos, o acórdão em recurso é nulo por força do artigo 379º, alínea b) do CPP.
Tendo chegado a esta conclusão, o acórdão do STJ determina a anulação do acórdão recorrido, ordenando a repetição do julgamento pelo tribunal «a quo».
Ou seja, como não se verifica nenhum dos vício que concretamente determina o reenvio do processo, mas sendo caso de anulação do acórdão e reforma do mesmo por se verificar outro vício, o tribunal seguiu o regime geral constante do artigo 718º do Código de Processo Civil, aplicável em processo penal ex-vi do artigo 4º do CPP.
Não sendo um caso de reenvio, tem de se concluir que o acórdão do STJ não aplicou a norma do artigo 426º do CPP.
5. – Quanto à norma do artigo 40º do CPP, entende o reclamante que o recurso interposto devia ser recebido para apreciação da constitucionalidade de tal norma interpretada como permitindo que um tribunal proceda à repetição de um julgamento anulado em recurso.
A norma em questão regula o impedimento dos juizes por participação em processo. As hipótese directamente previstas na norma referem-se ao impedimento que afecta o juiz que intervier num recurso ou pedido de revisão relativos a uma decisão que tiver proferido ou em que tiver participado, e, bem assim, ao impedimento de juiz que vier a intervir num julgamento de um processo quando tiver presidido ao debate instrutório.
A estas hipóteses legais, há que acrescentar a criada pelo Acórdão n.º186/98 (publicado no 'Diário da República', Iª Série – A, de 20 de Março de 1998), em que se declarou com força obrigatória geral a inconstitucionalidade do norma constante do artigo 40º do Código de Processo Penal, na parte em que permite a intervenção no julgamento do juiz que, na fase de inquérito, decretou e posteriormente manteve a prisão preventiva do arguido.
Estes impedimentos têm na sua base a necessidade de observar o respeito pelas regras de independência e imparcialidade no processo penal, o que é uma exigência do direito de acesso aos tribunais (artigo 20º da Constituição) e constitui uma relevante dimensão do princípio das garantias de defesa (artigo 32º, n.º1, da Constituição).
Embora a garantia de imparcialidade e isenção do julgador esteja ligada à estrutura acusatória do processo criminal, justifica-se a existência de um mecanismo processual de recusa do juiz que vai proceder ao julgamento, por forma a assegurar a imparcialidade e a isenção do julgador, perante situações ponderosas.
Estes impedimentos reportam-se, por conseguinte, aos casos em que o juiz que vai proceder ao julgamento tenha tido 'uma intensa participação no inquérito ou na instrução do processo ou em outros processos, havendo motivo sério e grave para se considerar que nele se formou uma profunda convicção de culpabilidade'. Em tais hipóteses é legitimo suscitar o seu impedimento ou pedir a recusa da sua intervenção.
Esta norma não pode, porém, considerar-se como aplicada por uma decisão de recurso que julgou verificada uma nulidade não sanada e, em consequência, determinou a nulidade do acórdão que julgou o caso, ordenando a repetição do julgamento.
A questão terá que colocar-se tão somente perante o tribunal que deverá julgar de novo o caso. Tanto mais que se é certo que tem de ser o mesmo tribunal, os juizes que terão de intervir no julgamento podem não ser os mesmos, pelo que, em tal hipótese, nem sequer se colocaria tal questão.
De todo o modo, é manifesto que a decisão recorrida não aplicou a norma do artigo 40º do CPP, na dimensão que o reclamante considera inconstitucional, pelo que falta um dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade e, consequentemente, a reclamação tem de ser indeferida.
Assim, não tendo sido aplicadas pela decisão recorrida as normas questionadas, não poderia conhecer-se do recurso de constitucionalidade por falta de um dos requisitos de admissibilidade, o que leva ao indeferimento da reclamação.
Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, com a taxa de justiça que se fixa em 15 UC’s.
Lisboa, 23 de Novembro de 1999 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Artur Maurício Luís Nunes de Almeida (vencido, nos termos da declaração de voto junta) Declaração de voto
Votei vencido, por entender que a reclamação deveria ter sido parcialmente deferida, porquanto a norma constante do artigo 40º do Código de Processo Penal foi aplicada nos autos, considerando o sentido interpretativo que o recorrente, ora reclamante, argui de inconstitucional.
Com efeito, o que se entendeu na decisão de que se pretendia recorrer é que o caso a que se reportam os autos se não enquadra no âmbito da previsão normativa do mencionado artigo 40º do CPP – e, nesse sentido, a norma não foi aplicada. Contudo, o que o ora reclamante contesta exactamente é que essa norma não abranja situações como a configurada nos autos, sendo que, com tal interpretação, ela resultaria inconstitucional.
Ora, tal significa que foi relativamente à norma em causa, com a delimitação negativa que lhe foi atribuída, que o reclamante suscitou uma questão de inconstitucionalidade. E a decisão recorrida, ao proceder a essa delimitação negativa do âmbito de aplicação da norma questionada, teve necessariamente de a aplicar, nessa estrita dimensão. Luís Nunes de Almeida