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Proc. nº 673/99
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. N. L., cidadão alemão, recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Setembro de 1999 (de fls. 248 e segs.), que confirmou a concessão de extradição para a Alemanha decretada pelo Tribunal da Relação do Porto.
2. O acórdão do Tribunal da Relação do Porto foi tirado na sequência de pedido formulado pelas competentes autoridades alemãs (fls. 6 e segs.), de autorização dada pelo Ministro da Justiça para o prosseguimento do processo de extradição (fls. 5), e de requerimento apresentado pelo Procurador-Geral Adjunto em funções naquele Tribunal da Relação (fls. 2 e segs.).
N. L. deduziu oposição à extradição (fls. 55 e segs.), nos termos do artigo 57º do Decreto Lei nº 43/91, de 22 de Janeiro (cooperação judiciária internacional em matéria penal), mas o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 14 de Julho de 1999 (fls. 191 e segs.), não julgou procedentes os fundamentos invocados pelo extraditando. O acórdão, na parte que aqui mais releva, transcreve o teor do nº 3 do artigo 49º e o nº 2 do artigo 57º do Decreto-lei nº
43/91, afirmando que 'nem o extraditando nem ninguém põe em causa que aquele é a pessoa reclamada, pelo que dúvidas não existem quanto a tal facto'. A propósito da afirmação do extraditando de que no pedido de extradição não se faz prova de ser 'sócio ou director de várias sociedades na área da construção civil com sede quer em Portugal quer na Alemanha', o Tribunal da Relação do Porto afirmou não lhe assistir razão, porque, entre outros argumentos (fls.198-199), 'se trata de um facto imputado ao extraditando sobre o qual, nos termos do art. 49º, nº 3 do mesmo diploma legal, não é admitida prova alguma, o que bem se compreende, uma vez que constitui um facto constante da acusação cuja prova só em sede de julgamento é que deve ser feita'.
No recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, o extraditando concluiu, para o que agora interessa, o seguinte:
'1.Verifica-se inconstitucionalidade orgânica e formal do Decreto-Lei nº 43/91, por violação do artigo 165º nº 2 da Constituição, porquanto o presente Decreto-Lei extravasa da lei de autorização 17/90.
2. Também existe inconstitucionalidade material do artigo 49º do Decreto-Lei em mérito por violação do art. 165º, nº 1, alíneas b) e c), do art. 32º, 13º, 15º e
18º da Constituição da República Portuguesa.
3. De igual forma, há inconstitucionalidade do art. 57º do Decreto-Lei, por violação do art. 165º, nº 1, alínea p), do art. 32º, 13º, 15º e 18º da Constituição.
4. Ao arguido não foi permitido usar todos os direitos de defesa, não lhe sendo dada possibilidade de nomear um perito da sua confiança, para a realização da perícia,
5. Não existindo assim possibilidade de contraditório eficaz, o que constitui violação do art. 32º da C.R.P. (...)' Nas contra-alegações apresentadas, o Ministério Público refutou a tese da inconstitucionalidade orgânica e negou a existência de inconstitucionalidade material. Quanto a esta última, afirmou, nomeadamente, que 'o processo de extradição é um processo formal, com particularidades que o afastam do processo penal', acrescentando o seguinte:
'Para o recorrente, porém, quer o art. 49º nº 3, quer o art. 57º nº 2 do Decreto-Lei nº 43/91 violam o art. 32º nº 1 da Constituição, segundo o qual o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. Defende que não estão asseguradas todas as garantias de defessa porque não é possível no processo de extradição ‘ contraditar os factos que são imputados’, só podendo a oposição ‘fundamentar-se em não ser o detido a pessoa reclamada ou em não se verificarem os pressupostos da extradição’. Tais asserções desprezam a essência do instituto da extradição. Esta, nas palavras dos constitucionalistas que vimos citando, é a transferência de um indivíduo que se encontra no território de um Estado para as autoridades de outro Estado, a solicitação deste, por aí se encontrar arguido ou condenado pela prática dum crime. Ou seja, o extraditado é transferido para o Estado requerente ou para cumprir uma pena ou para ser julgado pela prática dum crime. Será, pois, perante o Estado requerente que ele há-de apresentar a sua defesa, sendo essa a razão por que, no Estado requerido, não é admitida prova alguma sobre os factos que lhe são imputados'.
3. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (fls. 248 e segs.) veio, como já se disse, confirmar a concessão de extradição. Pelo que toca às inconstitucionalidades invocadas, o acórdão ora recorrido remeteu, no essencial, para as alegações e contra-alegações do Ministério Público e negou a existência de qualquer violação da Constituição. Pode ler-se na parte final do acórdão, após a verificação das condições legalmente estabelecidas para a extradição:
'Importa concluir com a reafirmação de que, como resulta do Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de Janeiro, nada impõe que, para se decidir positivamente uma extradição requerida, se deva obter prova conducente a apurar da existência ou suficiência de indícios ou da ocorrência de crime; para a lei portuguesa basta, para desencadear a cooperação internacional, a indicação da factualidade delituosa, com dispensa de juízo sobre a força indiciária ou de comprovação dos factos descritos, o que decorre dos artigos 21º e 30º., n.º 1, do aludido Decreto-Lei.
Nada se visiona então, no caso em apreço, a interferir na perfectibilidade da tramitação processual desenvolvida, dos fundamentos apresentados em suporte do pedido de extradição formulado e da decisão proferida.
Donde que e em síntese de tudo quanto foi expendido, tem de improceder o recurso interposto em qualquer das vertentes que nele doutamente se focaram.
Deixar-se-á ainda assinalado em apontamento terminal que 'ex vi' do n.º 2 do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de Janeiro não perde o Supremo Tribunal de Justiça, quando chamado apreciar estas hipóteses, a sua natureza de tribunal de revista, nem se esbate ou elimina o princípio geral consagrado no artigo 434º, do Código de Processo Penal, no sentido de que o recurso que para ele, Supremo, se interponha, visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.
Por isso, na aludida apreciação, sindicada a justeza na aplicação das normas e as existência ou inexistência de obstáculos juridicos a essa aplicação, não se lhe pode pedir intromissão nos segmentos de facto que tenham sido definidos e cuja relevância aliás, pela índole do instituto da extradição e perante a finalidade que visa, se confina, como se disse, a um 'fumus boni juris'.
Desta sorte e pelas expostos fundamentos:
Nega-se provimento no recurso e confirma-se o douto acórdão recorrido'.
4. Interposto o recurso do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (através do requerimento de fls. 272), visando 'a declaração de inconstitucionalidade orgânica do D.L. 43/91 de 22 de Janeiro por violação do art. 165º nº 1 e 2 da Constituição; inconstitucionalidade material do art. 49º e 57 do mesmo Decreto-Lei por violação do art. 165º, 32º, 13º, 15º, e 18º da Constituição; violação do art. 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem; violação do art. 5 nº 2 da Convenção Europeia para evitar a dupla tributação', foi o recorrente notificado para apresentar alegações, o que fez nos termos seguintes:
'O Decreto-Lei n° 43/91 de 22 de Janeiro, enferma de diversas inconstitucionalidades . Vícios que foram suscitados atempadamente na motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça e com os quais não pode concordar atentas as manifestas e graves consequências que daí resultam para o ora recorrente, VEJAMOS: DA INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA O Decreto-Lei n° 43/91 foi aprovado pelo Governo ao abrigo da Lei de autorização legislativa n° 17/90 de 20 de Julho. Diz o art. 1º da Lei de autorização: 'Fica o governo autorizado a aprovar um diploma relativo à cooperação judiciária internacional sobre matéria Penal.' Ora, do art. 165° n° 2 da Constituição, decorre que as leis de autorização legislativa devem sempre indicar a matéria sobre a qual o governo fica autorizado a legislar, a amplitude e o alcance com que o deve fazer e os princípios base, as directrizes ou orientações que devem reger à elaboração do diploma a editar.
(…) Na verdade, a autorização legislativa tal como está configurada, foi sem dúvida um ‘cheque em branco’ ao Governo, que a utilizou para regulamentar matérias que extravasam das suas competências, legislando sobre matérias para as quais necessitava de autorização expressa da Assembleia da República De facto, salvo o devido respeito e melhor opinião, a Lei de autorização legislativa deveria concretizar as matérias em que o Governo ficou autorizado a legislar. Senão vejamos: No presente Decreto-Lei são reguladas matérias sobre direitos, liberdades e garantias do cidadão, nomeadamente, os art. 37°, 38°, 49º, 54°. Ora, estas matérias, e salvo melhor opinião, deveriam ser objecto de uma autorização expressa da Assembleia da República, autorização expressa que não foi, inquestionavelmente, concedida! Estamos assim na presença de uma inconstitucionalidade por violação do art.
165°, n° 1, alínea b) da Constituição. Da mesma forma, são definidas no presente Decreto-Lei alterações às regras Processuais Penais, pondo-se em causa toda a orgânica e funcionamento dos tribunais. E não se diga, que, desta forma se verificam maiores garantias para o arguido. Da mesma forma, também aqui seria necessário uma autorização expressa da Assembleia da República Autorização que também não foi concedida. Verifica-se, assim, violação do .art. 165. n° 1, alíneas c) e p) da Constituição da República Portuguesa.
(…) INCONSTITUCIONALIDADES MATERIAIS Da inconstitucionalidade do art. 49, n° 3 do Decreto-Lei n° 43/91. O que atrás se referiu - o governo necessitava de uma autorização expressa da Assembleia da República - serve 'mutatis mutandis' para o que a seguir se refere. De facto, verifica-se neste artigo uma alteração à organização e competência dos tribunais. Ora, nesta matéria o Governo necessitava de uma autorização expressa para legislar . Autorização que também não foi concedida ! Verifica-se assim, violação do art. 165°, n° 1, alínea p) da Constituição. Além do mais, diz o art. 49° n° 3 do Decreto-Lei n° 43/91'... não sendo admitida prova alguma sobre os factos imputados ao extraditando.' Ora, todo o ordenamento jurídico português é baseado no contraditório e na garantia de todos os seus direitos de defesa. sendo certo que, todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. Mesmo os estrangeiros que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português. Aliás, de acordo com o art. 18° da Constituição, os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos liberdades e garantias são directamente aplicáveis. Ora, os direitos de defesa do arguido ficam limitados, porquanto não se pode defender da matéria constante da acusação. E não se diga que o processo de extradição é um processo meramente formal. Na verdade, verifica-se ao longo de todo o Decreto-Lei normas respeitantes a aspectos materiais a ter em conta no processo de extradição. Ora, o arguido apesar de ser estrangeiro tem todos os direitos de defesa consignados na constituição. Verifica-se, pois, inconstitucionalidade do art. 57°, n° 2 do Decreto-Lei n°
43/91, por contradição com os artigos 32°, 13°, 15° e 18° da Constituição. DA DUPLA TRIBUTAÇÃO Verifica-se no caso concreto violação do art. 29° n° 5 da constituição 'Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime'. Aliás, foi ratificada por Portugal uma Convenção para evitar situações de dupla tributação, sendo certo que, a referida convenção de acordo o art. 8° vigora na ordem interna, já que, foi regularmente ratificada e publicada. Ora, atendendo a que o processo de extradição é um processo meramente formal, como pode o arguido provar que efectivamente existe dupla tributação ?
(…) Aliás, atente-se nas próprias alegações do Senhor Procurador Geral Distrital junto da Relação do Porto, fls. 230 e ss. dos autos:
' ....não é admitida prova alguma sobre os factos que lhe são imputados';
'... o instituto da extradição se reconduz à transferência de um indivíduo que se encontra no território de um Estado para as autoridades de outro Estado. a solicitação deste, por aí se encontrar arguido ou condenado pela prática de um crime';
'... o processo de extradição é um processo formal, com particularidades que o afastam do processo penal, pois não visa pronunciar-se sobre os crimes imputados ao extraditando': Ora, face a estes entendimentos, legítimos face ao Decreto-Lei em crise, onde se encontram os direitos de defesa do recorrente? Onde pode ele defender-se, recusar a extradição porque se considera português e tem cá toda a sua vida organizada, pelo menos há dez anos, que sempre aqui pagou todos os seus impostos, que não sonegou o que quer que seja? Sofre assim o diploma de vícios materiais ao não assegurar ao arguido todos os direitos de defesa no sentido de poder efectivamente provar que no caso concreto existe dupla tributação. E em jeito de balanço, sempre diremos, que ao arguido não foram dados todos os direitos de defesa nesta matéria, até porque, o diploma em crise não os permite.
(…) O recorrente encontra-se em prisão preventiva desde Março de 1999. Recusa-se a ser extraditado. Pelo menos há dez anos que vive em Portugal. Aqui constituiu família, aqui tem a sua vida organizada.
(…) Verifica-se, por último violação, do art. 67º da Constituição 'a família como elemento fundamental da sociedade tem direito à protecção da sociedade e do estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.' Ora, o Decreto-Lei n° 43/91 não respeita este direito fundamental. De facto, não se vislumbra em nenhuma disposição do referido Decreto-Lei qualquer norma que acautele este direito.
(…) E, como aliás, consta dos autos, o arguido tem cá, em Portugal, estabelecida, a sua residência efectiva. É cá que tem o seu lar, o seu agregado familiar, é cá que tem a sua vida pessoal e profissional organizada. Tudo isto há 10 anos, ininterruptamente,
(…) Sendo também certo que: '... os estrangeiros que residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres dos cidadãos portugueses'. - cfr. artigo
15° da C.R.P.. Assim, sendo, como é, salvo o devido respeito e melhor opinião, ao arguido deveria ser concedido o direito de ser julgado em Portugal, recusando-se a extradição. CONCLUSÕES
1. Há inconstitucionalidade orgânica e formal do Decreto-Lei n° 43/91, por violação do art. 165° n° 2 da Constituição, porquanto, o mesmo extravasa da lei de autorização legislativa n° 17/90.
2. Na verdade, este Decreto-Lei regula matérias para as quais necessita de autorização expressa da Assembleia da República.
1. Também há inconstitucionalidade material do art. 49° do Decreto-Lei n°
43/91 por violação do art. 165° n° 1. b) e c). do art. 32, 13, 15 e 18 da Constituição.
2. Este artigo mexe na orgânica e competência dos Tribunais, ultrapassando, por falta de autorização expressa da Assembleia. as competências próprias deste
órgão de soberania.
5. Inconstitucionalidade do art. 57° do Decreto-Lei, por violação do art. 165° n° 1 alínea p), do art. 32, 13, 15 e 18 da Constituição.
6. Existe ainda dupla tributação, verificando-se assim violação do art. 29° n° 5 da Constituição.
7. Já que o Decreto-Lei em causa, não permite, não prevê nem sequer assegura os direitos de defesa do arguido,
8. permitindo as mais amplas ilegalidades, designadamente que o mesmo esteja a liquidar os seus impostos em Portugal, onde tem a sua vida e a sede das suas empresas,
9. Sendo também, por força do processo subjacente ao de extradição, obrigado a liquidar os mesmos impostos, referentes aos mesmos factos e obrigações tributárias!....
10. Tudo isto sem que tenha oportunidade de demonstrar que já liquidou em Portugal todos os impostos devidos. nada mais tendo a pagar, já que, face às leis comunitárias nada mais é devido.
1. Verifica-se também violação do art. 67° da Constituição, porquanto o Decreto-Lei não acautela devidamente os interesse da família.
(…) Assim, deve o Decreto-Lei n° 43/91, de 22 de Janeiro, ser declarado inconstitucional por inconstitucionalidade orgânica, formal e material, recusando-se a extradição.' Por seu turno, o Ministério Público contra-alegou (fls. 289 e segs.), afirmando, quanto ao objecto do recurso interposto, que este
'deverá considerar-se circunscrito à apreciação da inconstitucionalidade orgânica ou material das normas conjugadas dos artigos 49º, n.º 3, e 57º, n.º 2, do Decreto-lei n.º 43/91 – já que só estas questões de concreta e especificada inconstitucionalidade normativa foram suscitadas tempestiva e adequadamente pelo recorrente, na sua alegação de fls. 207/208'. Para o Ministério Público, não cabe
'no âmbito do recurso, nem nos poderes cognitivos deste Tribunal, ‘declarar’ a pretendida inconstitucionalidade orgânica de todo o Decreto-lei n.º 43/91, ou avaliar da existência de 'dupla tributação' ou das incidências na extradição da situação familiar do arguido em Portugal'. Pelo que toca à apreciação da questão de constitucionalidade suscitada, são do seguinte teor as acontra-alegações apresentadas:
'No que se refere à pretendida inconstitucionalidade orgânica, há apenas que remeter para a precedente jurisprudência deste Tribunal, expressa nomeadamente nos acórdãos n.ºs 228/97 e 505/97, em que se conclui pela não inconstitucionalidade da Lei de Autorização legislativa – a Lei n° 17/90 – e obviamente pela inexistência da pretendida inconstitucionalidade orgânica do diploma em causa no presente recurso, dada a suficiência da autorização legislativa com base na qual veio a ser editado pelo Governo. A segunda questão suscitada reporta-se à alegada inconstitucionalidade material das disposições conjugadas dos artigos 49º, n° 3, e 57º, n.º 2, que decorreria, na óptica do recorrente, de a lei vedar ao extraditando a impugnação dos factos que lhe são imputados como fundamento do pedido, apenas lhe facultando a possibilidade de se opor à extradição com base em não ser a pessoa reclamada ou não se verificarem os pressupostos de que depende o deferimento da extradição.
É manifesto que a tese do recorrente ignora ostensivamente a funcionalidade típica do processo de extradição, que naturalmente não visa realizar, perante os tribunais do Estado requerido, um pré-julgamento do arguido, mas tão-somente avaliar se concorrem os específicos pressupostos de que depende a transferência do extraditando para o Estado requerente, a fim de aí se poder apurar ou efectivar a respectiva responsabilidade criminal, sob a égide da jurisdição e do ordenamento jurídico deste Estado. Ora, nesta perspectiva, é óbvia a incongruência da tese do recorrente: é que – a existir tal pré-julgamento face ao ordenamento jurídico do Estado requerido, facultando-se ao arguido a plena discussão da matéria de facto e o irrestrito apuramento da sua possível responsabilidade criminal – estaria provavelmente frustrado o fim e a função típica do procedimento de extradição, já que passaria a ser naturalmente lícito ao extraditando, invocando o princípio 'ne bis in idem', subtrair-se a um novo julgamento perante o Estado que requereu a extradição! A natureza própria de tal processo, situado no âmbito da cooperação judiciária internacional, obsta naturalmente a que nele seja proferida decisão de mérito, avaliando a matéria de facto e incidindo sobre a possível responsabilidade criminal imputada do arguido – mas tão só uma decisão, de natureza, em larga medida, procedimental e vinculada à função típica do processo de extradição: a verificação ou não verificação dos requisitos e pressupostos de que depende, perante a Lei Fundamental e os diplomas legais que regem a extradição, a colocação do arguido à disposição do Estado requerente, a cuja jurisdição competirá naturalmente – e em exclusivo – a indagação e averiguação da respectiva responsabilidade criminal'. Assim, o Ministério Público conclui:
'1º - A autorização legislativa, outorgada pela Lei n.º 17/90, com base na qual foi editado o Decreto-lei n.º 43/91, define, em termos bastantes, o objecto, o sentido e a extensão da autorização concedida ao Governo para rever e reformular o regime da cooperação judiciária internacional, pelo que inexiste a apontada inconstitucionalidade orgânica de quaisquer normas deste diploma legal.
2º - As normas constantes dos artigos 49°, n° 3, e 57º, n° 2, do Decreto-lei n°
43/91, ao estabelecerem que não é lícito ao extraditando impugnar e discutir, no
âmbito do processo de extradição, os factos que lhe são imputados pelo Estado requerente – apenas podendo questionar que a sua identidade corresponda à do extraditando ou que se verifiquem os pressupostos e requisitos legais que condicionam a extradição – não violam o princípio das garantias de defesa, já que a função típica do processo de extradição não envolve – e é incompatível – com a realização, no Estado requerido. de um pré-julgamento do arguido pelos factos em que se funda o pedido de extradição.
3°- Termos em que deverá improceder o presente recurso.'
5. O recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional destina-se à apreciação da constitucionalidade de normas aplicadas na decisão recorrida, cuja inconstitucionalidade tenha sido adequadamente suscitada durante o processo. Invoca o recorrente a alegada insuficiência da autorização legislativa para a emissão de todo o Decreto-Lei nº 43/91. Mas não pode este Tribunal apreciar a constitucionalidade orgânica, em bloco, de todo o diploma legal. Ao invés, apenas podem integrar o objecto do recurso aquelas normas, de entre as que foram efectivamente aplicadas, que o recorrente, durante o processo, sustentou violarem a Constituição.
Nas alegações, bem como na motivação apresentada no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente afirma que as matérias reguladas no Decreto-Lei nº 43/91, nomeadamente nos artigos 37º, 38º,
49º e 54º, respeitantes a direitos, liberdades e garantias, 'deveriam ser objecto de uma autorização expressa da Assembleia da República', sendo violada a alínea b) do nº 1 do art. 165º da Constituição. Quanto às normas constantes dos artigos 37º, 38º e 54º, não foram aplicadas no acórdão recorrido, o que impede que o Tribunal Constitucional conheça da sua alegada inconstitucionalidade orgânica. O mesmo se não pode dizer, naturalmente, do artigo 49º, relativo à 'Natureza do processo de extradição', integrando, assim, o objecto do processo a questão da sua eventual inconstitucionalidade orgânica.
6. Não pode também o Tribunal Constitucional tomar conhecimento da alegada infracção do princípio de que 'Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime', consagrado no nº 5 do artigo 29º da Constituição, porque não foi invocada a inconstitucionalidade de qualquer norma (como se refere nas contra-alegações do Ministério Público). E o mesmo se deve dizer relativamente à invocada violação do artigo 67º da Constituição, já que o recorrente não identifica a norma que, em seu entender, não respeita o mencionado preceito constitucional, limitando-se a imputar tal violação genericamente ao Decreto-Lei nº 43/91.
7. Cabe então começar pela análise da questão da invocada inconstitucionalidade orgânica do artigo 49º do Decreto-Lei nº 43/91. Ora a verdade é que, não tendo qualquer carácter inovador relativamente à lei anterior (nº s 1, 2 e 3 do artigo 24º do Decreto-Lei nº 437/75, de 16 de Agosto), não procede a alegação de inconstitucionalidade, cuja declaração, aliás, importaria a repristinação daquela. Note-se que a única alteração de redacção, que se encontra no nº 3, quando esclarece que a competência para a fase judicial pertence ao tribunal da relação, sendo certo que o texto anterior se referia, genericamente, aos tribunais judiciais, se não traduz em qualquer modificação de regime, porque já decorria do disposto no nº 1 do artigo 26º do mesmo Decreto-Lei nº 437/75.
8. O recorrente invoca ainda a inconstitucionalidade material do nº 3 do artigo
49º e do nº 2 do artigo 57º do Decreto-Lei nº 4391, de 22 de Janeiro, por violação de diversas disposições constitucionais.
O Tribunal recorrido, confirmando a decisão do Tribunal da Relação do Porto e a interpretação por este realizada das disposições em apreciação, tomou a regra de que a oposição à extradição 'só pode fundamentar-se em não ser o detido a pessoa reclamada ou em não se verificarem os pressupostos da extradição' (nº 2 do artigo 57º) em subordinação a um entendimento estrito da regra da não admissibilidade de 'prova alguma sobre os factos imputados ao extraditando' (nº 3 do artigo 49º). Aceitou, pois, decididamente, a ideia de que entre os 'pressupostos da extradição' não tem lugar a existência de indícios probatórios. O problema colocado é, no fundo, o de saber se viola a Constituição o regime resultante das normas impugnadas, na interpretação que delas fez o acórdão recorrido, e de acordo com o qual no processo de extradição está vedado ao tribunal conhecer da suficiência de prova indiciária da existência da infracção, e ao extraditando refutar indiciariamente os factos que servem de fundamento ao pedido de extradição.
9. A regulamentação do processo de extradição no Decreto-Lei nº
43/91 é em geral semelhante à resultante do Decreto-Lei nº 437/75 (não tendo também sido alterada, na sua estrutura fundamental, pela Lei nº 144/99, de 31 de Agosto), e alguns dos seus aspectos foram já objecto de apreciação pela jurisprudência deste Tribunal. Assim, cabe aqui recordar que o Tribunal Constitucional foi confrontado com o problema da constitucionalidade da norma do nº 3 do artigo 33º do Decreto-Lei nº
437/95, que, na fase de decisão judicial sobre a extradição, dispunha sobre a ordem de intervenção das partes para alegar, determinando que o defensor do extraditando deveria alegar antes do Ministério Público. O Tribunal, no seu acórdão nº 45/84 (Diário da República, II, de 10/11/84), começou por analisar a natureza do processo de extradição passiva, tendo concluído, a partir da análise da lei, e com o apoio da doutrina (GIOVANNI LEONE, Novissimo Digesto Italiano, vol. XIII, pág. 1170; FURTADO DOS SANTOS, Direito internacional penal e direito penal internacional, B.M.J. nº 92, p. 182) tratar-se de um processo penal 'complementar'. Em consequência, entendeu que tal processo deveria obedecer ao princípio do contraditório. Aí se afirmou: 'o princípio do contraditório – que, por imposição constitucional, deve ser assim respeitado na fase de julgamento do processo de extradição – mais não é do que a explicitação de uma certa vertente, talvez a mais importante, do direito de defesa, afirmado em termos gerais, para todo o processo criminal, no artigo 32º, nº 1, da lei básica'. Assim, por violação do princípio do contraditório, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a norma impugnada, na parte em que definia a ordem das intervenção das partes para alegar.
À mesma decisão chegou também o acórdão nº 192/85 (Diário da República, II, de
10/2/86), ainda que fazendo um percurso não inteiramente coincidente. Com efeito, após ter descrito sumariamente a fase judicial do processo de extradição passiva, afirmou poder concluir-se 'que se está, aí, perante um processo que foi organizado no propósito de assegurar a intervenção do extraditando para defender a sua liberdade, designadamente dando-lhe a oportunidade de contradizer o pedido e de pugnar por que sejam respeitadas as condições de fundo e de forma da extradição. De um processo também, que coloca a entrega do extraditando ao Estado requerente na efectiva dependência de uma decisão judicial. De um processo que, além disso, ‘mexe’ com a liberdade das pessoas: não apenas se ordena, nele, a prisão do extraditando, como ainda, quando culmina com a sua entrega ao Estado que o reclama, isso se faz para que ele cumpra uma pena privativa da liberdade ou para que se submeta a um julgamento por crime a que corresponde pena de prisão superior a um ano (...)'. Mais adiante, o acórdão cita FIGUEIREDO DIAS, quando escreve que 'a fase judicial do processo de extradição fundado num crime é, sem dúvida, tanto formal como substancialmente, processo penal, mesmo no seu sentido mais estrito (...)'
(Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 118º, p. 14, nota 3). E o Tribunal conclui, quanto a este ponto, do seguinte modo: '4 – Os princípios jurídico-constitucionais do processo penal, consagrados no art. 32º da lei fundamental, hão-de, assim, valer para a fase judicial do processo de extradição. (...)'. Quanto ao princípio do contraditório, o Tribunal pronunciou-se, por entre o mais, nos seguintes termos:
'No processo de extradição não há lugar a audiência de discussão e julgamento: as provas, sendo embora produzidas com intervenção do extraditando, do seu advogado ou defensor e do MP – por conseguinte, com observância da regra do contraditório – não o são numa audiência (...). O princípio do contraditório não pode, porém, deixar de valer no julgamento do processo de extradição, pois que nele, ao cabo e ao resto, o que verdadeiramente está em jogo é a liberdade de uma pessoa: o extraditando'. Assim, por a norma do nº 2 do artigo 33º não permitir que o extraditando pudesse alegar em último lugar, assim abrindo a porta à 'possibilidade de defesa do extraditando', o Tribunal, na linha do acórdão nº 45/84, voltou a julgar inconstitucional a norma em apreciação (cf. ainda, no mesmo sentido o acórdão nº
147/86, Diário da República, II, de 31/7/86). A norma em causa veio a ser declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, por violação dos nºs 1 e 5 do artigo 32º da Constituição, pelo acórdão nº
54/87 (Diário da República, I, de 17/3/87). Neste acórdão pode ler-se, acerca da natureza penal do processo de extradição, designadamente o seguinte:
'Por conseguinte, o processo judicial de extradição tem a ver directamente com a liberdade pessoal do extraditando. Não apenas porque em consequência da extradição pode vir a ser condenado, mas também, e desde logo, porque a extradição implica a saída forçada do País e a sua transferência para outro país, o que tudo se traduz em sacrifícios da sua liberdade pessoal. Aliás, o processo de extradição integra como acto necessário a prisão do extraditando
(...)'. Em consonância com tal entendimento, afirmou o citado acórdão que 'tem de entender-se que valem para o processo de extradição os princípios constitucionais em matéria de processo criminal, especialmente enunciados no artigo 32º (‘Garantias de processo criminal’), de tal modo que ao extraditando assistem os direitos e garantias do arguido em processo penal, designadamente os dos nºs 1 e 5 daquele preceito constitucional. (...)'. O Tribunal Constitucional teve ainda oportunidade para se debruçar, nos acórdãos nº 228/97 e nº 505/97, sobre o regime de detenção para extradição decorrente do Decreto-Lei nº 43/91. Escreveu-se no primeiro acórdão (cujo teor foi transcrito no segundo), designadamente:
'É a própria Constituição que reconhece a restrição do direito à liberdade do estrangeiro relativamente ao qual o seu Estado de origem pretende proceder criminalmente ou exige o cumprimento de pena criminal, ao admitir no artigo 27º, nº 3, alínea b) a detenção do extraditando. Este reconhecimento não pode ser desligado dos interesses e valores que estão na base da admissibilidade da extradição, que é uma situação também ela constitucionalmente reconhecida (artigo 33º, nº 4). O que leva a conferir a tais interesses e valores (os quais, como se referiu antes, não podem deixar de ser os que levam à justificação e imposição de cooperação judiciária internacional em matéria penal) uma plena dignidade constitucional. A protecção destes interesses e valores implica a aceitabilidade da restrição ou limitação do referido direito à liberdade. Importa, todavia, averiguar se esta restrição não está desproporcionalmente regulamentada na lei e se ali são respeitados os direitos e garantias que devem revestir as restrições de direitos fundamentais, como é o caso do direito à liberdade'. O resultado da anunciada averiguação consistiu na conclusão de que o regime instituído 'não ultrapassa o necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos', pelo que não existe 'qualquer violação do princípio da proporcionalidade contido no artigo 18º, nº 2 da Constituição'. Chamado a pronunciar-se sobre o prazo de cinco dias para, nos termos do nº 1 do artigo 57º do Decreto-Lei nº 43/91, o extraditando deduzir por escrito a sua oposição, que no entender do recorrente ofenderia as garantias de defesa e o princípio da igualdade de armas, este Tribunal afirmou, no acórdão nº 113/95
(Diário da República, II, 21/4/95):
'O prazo de 5 dias para deduzir oposição – igual aliás ao que o Código de Processo Penal estabelece no artigo 287º, nº 1, para o arguido requerer a instrução a contar da notificação da acusação – mostra-se inteiramente adequado ao tipo de diligência em causa e à especial natureza do processo em que esta se insere, processo que por definição deverá ser tramitado com celeridade e urgência no próprio interesse do arguido. Por outro lado, não se vê minimamente em que medida o princípio da igualdade de armas entre o arguido e o Ministério Público seja afrontado por aquele normativo. Com efeito, este princípio que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem faz derivar da noção mais lata de processo equitativo (fair trial, procès equitable) extrai-se do princípio que assegura todas as garantias de defesa aos arguidos, desde logo as garantias do contraditório. Contraditório, sem igualdade de armas não assegura todas as garantias de defesa, como não assegura quanto o acusado não disponha de oportunidade de tempo e de circunstâncias necessárias à preparação da defesa'. Ora o Tribunal entendeu que, podendo o extraditando pronunciar-se na audiência a que se reporta o artigo 56º, e tendo posteriormente a faculdade de se pronunciar, exercendo através de advogado ou defensor o direito de oposição, sendo 'o pedido que assim venha a ser formulado' 'objecto de desenvolvimento instrutório em termos de rigoroso controlo processual assegurando-se em todas suas as fases um efectivo contraditório sempre sujeito à garantia de um efectivo controlo jurisdicional', não poderia concluir-se no 'sentido da inconstitucionalidade do segmento da norma' impugnada pelo recorrente.
10. Desta exposição sintética de alguma da mais importante jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre matérias ligadas à fase judicial do processo de extradição passiva (e na qual não se referiram os acórdãos onde se analisa a compatibilidade constitucional de certas normas legais relativas a obstáculos à extradição, por aí estar sobretudo em causa a possível aplicação pelo Estado requisitante de certas penas proscritas da ordem constitucional portuguesa: pena de morte e prisão perpétua), podem extrair-se algumas linhas de orientação. Assim, em primeiro lugar, resulta da jurisprudência constante deste tribunal a consideração do processo de extradição passiva como processo penal, não apenas formal, mas também substancialmente. Tratando-se de um processo penal, que, além do mais, afecta directamente a liberdade das pessoas, impõe-se a aplicação das garantias do art. 32º da Constituição. Tutelando a Constituição valores e interesses que fundamentam a cooperação judiciária internacional em matéria penal, pode justificar-se a limitação ou restrição de direitos fundamentais em sede de extradição, desde que dirigida à tutela daqueles interesses ou valores, e com respeito pelo princípio da proporcionalidade (artigo 18º). Ora decorre do exposto que a interpretação dada pelo acórdão recorrido às disposições conjugadas do nº 3 do artigo 49º e do nº 2 do artigo 57º – quando refere que 'para a lei portuguesa basta, para desencadear a cooperação internacional, a indicação da factualidade delituosa, com dispensa de juízo sobre a força indiciária ou de comprovação dos factos descritos (...)' –, limita ou restringe parte das garantias previstas no artigos 32º da Constituição. Um julgamento da questão de constitucionalidade implicaria, pois, apurar se é ou não adequada, necessária e proporcional em sentido estrito – nos termos do nº 2 do artigo 18º da Constituição –, a limitação ou restrição ao disposto no artigo
32º, tendo em conta que o regime impugnado se destina a facilitar a cooperação judiciária internacional em matéria penal.
11. Todavia, a necessidade de realizar tal julgamento pressupõe que as normas impugnadas foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida com o sentido considerado inconstitucional pelo recorrente. Ora, embora o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça tenha incluído uma referência às normas impugnadas entre os fundamentos da decisão, não as aplicou com o sentido impugnado no âmbito em que o recorrente pretendeu, no processo, contrariar a prova produzida. Na verdade, o que o recorrente fez, ao longo do processo, na parte que agora releva, foi invocar, no contexto da apreciação dos pressupostos da extradição, tal como se encontram definidos legalmente, a nulidade da prova pericial alegadamente realizada. Ora, resulta do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que, na sequência de requerimento do Ministério Público, foram ouvidos peritos indicados pela Direcção Distrital de Finanças e pelo Centro Regional de Segurança Social do Norte 'sobre alguns dos documentos apresentados pelo extraditando', 'nos mesmos termos que as demais testemunhas arroladas'. Como refere o acórdão, 'não se tratou, pois, de uma peritagem, no sentido técnico do termo, antes da inquirição de testemunhas com conhecimentos técnicos sobre um determinado assunto. O extraditando foi notificado de tal requerimento e nada opôs ou requereu, tendo apresentado as provas que entendeu pertinentes'. O mesmo resulta do acórdão agora recorrido, que, pronunciando-se sobre a invocada nulidade, decidiu '(...) o aspecto agora questionado não consubstancia qualquer perícia decisiva, relevante ou determinante, conducente à extradição decretada. Tratou-se unicamente de um mero condimento informativo /ou de um simples esclarecimento complementar) que não baseou, por si só, a decisão; nem, em boa verdade, tinha que baseá-la, nem indispensável sequer seria para a basear(...)'. Do exposto resulta que não foi em consequência da aplicação dessas normas, na dimensão impugnada, que foi eventualmente negada ao recorrente a apresentação de qualquer meio de prova através do qual pretendesse demonstrar a insuficiência de indícios da prática dos crimes pelos quais é pedida a extradição.
12. O recorrente alega ainda que as normas anteriormente indicadas (o nº 3 do artigo 49º e o nº 2 do artigo 57º do Decreto-Lei nº 43/91, de 22 de Janeiro) violam o disposto no 'art. 165º da Constituição'.
Já se conheceu desta questão (que o recorrente qualifica de inconstitucionalidade material) no que toca ao nº 3 do artigo 49º; o mesmo julgamento vale para o nº 2 do artigo 57º, cujo texto reproduz o nº 2 do artigo
32º do Decreto-Lei nº 437/75.
Assim, pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide: a) Não conhecer do recurso no que respeita à alegada inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei nº 43/91, de 22 de Janeiro, em bloco; b) Não conhecer do recurso no que respeita à alegada inconstitucionalidade orgânica das normas dos artigos 37º, 38ºe 54º do mesmo Decreto-Lei nº 43/91; c) Não conhecer do recurso no que respeita à alegada inconstitucionalidade material das normas dos nº 3 do artigo 49º e do nº 2 do artigo 57º do mesmo Decreto-Lei nº 43/91, na dimensão em que foram impugnadas; d) Não julgar organicamente inconstitucionais as normas do artigo 49º e do nº 2 do artigo 57º do mesmo Decreto-Lei nº 43/91 e, nessa parte, negar provimento ao recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em _15_ ucs. Lisboa, 18 de Janeiro de 2000 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Messias Bento Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida