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Procº nº 113/2000.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. F....,Ldª impugnou judicialmente a liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas relativa ao exercício de 1991 por, em síntese, nessa liquidação e relativamente ao lucro tributável da impugnante, se não ter aceite a dedução do montante de Esc. 2.993.496$00 correspondentes ao pagamento de rendas de um prédio urbano sito no lugar do M..., freguesia de Infias, concelho de Guimarães, prédio esse sobre o qual recaiu um contrato de locação financeira celebrado entre ela, impugnante, e a L....,SA.
Por sentença proferida em 13 de Julho de 1999, o Juiz do Tribunal Tributário de Braga julgou procedente a impugnação.
Para tanto, e no que ora releva, escreveu-se naquela sentença:-
'...............................................................................................................................................................................................................................................................
A única questão a resolver é a de saber se a impugnante, em face do disposto no dito artº 41º.1 f), podia ter apresentado como custo do exercício a totalidade do valor das rendas pagas, ou se, como pretende a FP não podia deduzir uma parte referente ao terreno.
*
À época (a sua redacção foi alterada pelo DL 138/92, de 17.07, dela resultando então não serem dedutíveis para determinação do lucro tributável as rendas de locação financeira relativas a imóveis na parte correspondente à amortização financeira do bem locado que excedesse a reintegração máxima que poderia ser praticada caso o bem de que se tratasse fosse adquirido directamente, sendo esse excesso eventualmente deduzido das diferenças ocorridas nos exercícios em que a amortização financeira fosse inferior àquela reintegração máxima; foi revogada pelo DL 420/93, de 28.12, e tem agora a redacção que lhe deu a lei 87-B/98, de 31.12 e que nada tem a ver com a problemática aqui em causa), a dita alínea f) dizia, basicamente, não serem dedutíveis ao lucro tributável as rendas de locação financeira relativas a imóveis na parte correspondente ao valor dos terrenos.
Quer esta redacção quer a introduzida pelo dito DL 138/92 (esta mais conseguida) mostram a preocupação do legislador em impedir o empolamento de custos através do expediente da aquisição de imóveis por meio de contratos de locação financeira.
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No caso dos autos, a impugnante obrigou-se ao pagamento de rendas no valor de 82 938 800$00, pelo uso de um imóvel vendido à locadora por 40 000
000$00, sem obrigação de quaisquer obras para esta ... .
Se tivesse adquirido a propriedade do imóvel, a impugnante não podia deduzir senão 5% por ano do valor dos edifícios existentes no prédio, segundo o artº 11º e código 2020 do grupo I da Divisão I da Tabela II do Decreto Regulamentar 2/90, de 12.01, ou seja, 20 anos para deduzir, em princípio, 30 000
000$00, vista a regra 3 daquele artº 1.
A aceitar-se a tese da impugnante, só relativamente a 1991 podia ela deduzir 13. 859 660$00 (4 X 3 464 915$00 - renda trimestral das primeiras 20 prestações).
Sendo isto assim, e compreendendo-se, embora, a preocupação do legislador, não quer dizer que seja sufragável a interpretação meramente literal que fazem a AF e a FP do citado preceito.
A locação financeira não é a mesma coisa que um contrato de compra e venda a prazo; nos termos do artº 1º do DL 171/79, de 06.06, a locadora pode
(destaque nosso) comprar a coisa objecto do contrato. Não se obriga a comprar, e, seguramente, muitos destes contratos findam sem que a compra tenha lugar.
Por outro lado, as rendas pagas num caso como o dos autos - em que o contrato tem como objecto um prédio urbano, naturalmente com edifícios e logradouro - não são decomponíveis (visto que as partes o não fizeram) numa parte destinada ao pagamento do uso dos edifícios e outra do logradouro; a renda
é só uma, e refere-se à unidade predial.
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A dita alínea f) releva do pressuposto, não aceitável, de equiparação da locação financeira a uma compra e venda a prazo, só assim se entendendo que se restrinja o direito do locatário, de dedução dos encargos com as rendas, de modo idêntico ao aplicável ao adquirente de um imóvel, no que se refere ao terreno.
Todavia, as rendas de um contrato de locação financeira são, em princípio, custos comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos
- vide artº 23º.1.d) do CIRC, onde expressamente se fala em rendas, nada obstando a que o locatário a que esta norma se refere (e que tem o direito de deduzir tudo quanto despenda a título de rendas), em certo momento, adquira a propriedade do locado, tendo, entretanto, obtido deduções que não conseguiria se tivesse comprado o imóvel aquando da outorga do contrato de arrendamento.
Não quer isto dizer que o Fisco se deva quedar manietado perante qualquer contrato de locação financeira, por mais estapafúrdio que ele pareça.
Havendo indícios de negócio simulado susceptível de causar diminuição de receita tributária, deve actuar-se os meios de investigação criminal respectivos, pois pode estar-se em face de um ilícito criminal tipificado no artº 23º do RJIFNA.
Em conclusão:
Recusamos a aplicação da norma constante da alínea f) do nº 1 do artº
41º do CIRC, por a considerarmos violadora dos princípios do Estado de direito democrático - artº 2º da lei fundamental -, e da igualdade, do artº 13º do mesmo diploma, entendido aquele (Estado) como um em que institutos jurídicos diferenciados como são a compra e venda e o contrato de locação financeira de imóveis, maxime quanto à transmissão da propriedade, não são equiparados para efeitos fiscais, em termos de ao locador só serem permitidas as deduções de custos que não incluam a parte respeitante do terreno do imóvel não integralmente ocupado com construções, como acontece com o proprietário, e o princípio da igualdade como impondo que situações semelhantes tenham tratamento fiscal semelhante, sendo o caso das rendas de um contrato de arrendamento ou de locação financeira, na medida em que num caso e noutro não há a certeza de que, findo o contrato, ou em qualquer momento da sua vigência, o locatário adquira a propriedade do locado, devendo, pois, ambos, em função dessa incerteza, ter o mesmo tratamento, ou seja, o direito de deduzirem fiscalmente o valor total das rendas.
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É da sentença de que parte se encontra transcrita que, pelo Representante do Ministério Público, vem, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artº
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, interposto o presente recurso, visando-se com o mesmo a apreciação da (in)constitucionalidade da norma constante da alínea f) do nº 1 do artº 41º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, na sua redacção original.
2. Determinada a feitura de alegações, rematou o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto em funções junto deste Tribunal a por si elaborada apresentando as seguintes conclusões:-
'1º - A norma constante do artigo 41º, nº 1, alínea f) da redacção originária do CIRC ao estatuir que não são dedutíveis como custos de exercício os encargos derivados de rendas de locação financeira, na parte correspondente ao valor dos terrenos - aliás em consonância com a regra afirmada pelo artigo 32º, nº 1, alínea b) do mesmo Código, que dispõe não serem aceites como custos as reintegrações de imóveis na parte correspondente ao valor dos terrenos - não viola os princípios da igualdade e do Estado de direito democrático.
2º - Na verdade, tal solução legislativa - situada em área de conteúdo acentuadamente ´técnico’ e orientado por preocupações de índole essencialmente
‘economista’ - não pode considerar-se absolutamente arbitrária ou discricionária, tendo nomeadamente em conta que, na locação financeira, o locatário - para além do imediato gozo da coisa - goza de uma expectativa de aquisição da mesma, nos termos do próprio contrato.
3º - Termos em que deve proceder o presente recurso'.
Cumpre decidir.
II
1. O normativo de que foi recusada a respectiva aplicação [ou seja, a norma ínsita na redacção original da alínea f) do nº 1 do artigo 41º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-B/88, de 30 de Novembro] apresentava a seguinte redacção:- Artigo 41º Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais
1- Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício: a)...........................................................................................................................................................; b)............................................................................................................................................................; c).............................................................................................................................................................; d)............................................................................................................................................................;
e)..............................................................................
................................................................................;
f) As rendas de locação financeira relativas a imóveis na parte correspondente ao valor dos terrenos ou de que não seja aceite reintegração nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 32.º
.............................................................
.................................................................................................................................................................; g)............................................................................................................................................................; h)..............................................................................................................................................................;
2..............................................................................................................................................................................
Convém anotar que, de harmonia com o disposto na alínea b) do nº 1 do artº 32º do mesmo Código (cfr., ainda, para efeitos de indicação de quais as reintegrações e amortizações que devem ser tomadas como custos para efeitos fiscais, o artº 27º do aludido corpo de leis), não são aceites como custos
(mesmo que, para efeitos contabilísticos da pessoa colectiva o possam ser) as reintegrações de imóveis na parte correspondente ao valor dos terrenos ou na não sujeita a deperecimento, o que, na filosofia desse Código, é compreensível, na medida em que os terrenos, como parte dos bens imóveis, não estão sujeitos a perecimento ou a desgaste físico que, mais tarde ou mais cedo, implica a respectiva substituição.
Por outro lado, resulta da alínea d) do artº 23º do falado Código
(redacção originária) que, por entre outros, se consideram custos ou perdas os encargos com as rendas que, comprovadamente, forem considerados indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
2. Segundo parece extrair-se da decisão ora sob censura, a enfermidade constitucional da norma sub specie residiria no seguinte circunstancionalismo:-
- se se tratasse de um encargo derivado da retribuição pelo gozo temporário de um imóvel, ou seja, se se tratasse de rendas derivadas da celebração de um contrato de locação, o respectivo montante seria considerado como custo da empresa, isto é, dir-se-á agora, um elemento negativo da sua conta de resultados, pois que perspectivado como um encargo de natureza administrativa dessa empresa e, por isso, a ter em conta para efeitos de imposto, não obstante a renda incidir, quer sobre o gozo da edificação, quer sobre o gozo do terreno onde ela se encontrava implantada;
- mas, estando em causa uma locação financeira, abrangente de um imóvel, onde, dir-se-á também agora, como se depara claro, se há-de considerar, quer o terreno onde ele está implantado, quer a edificação existente, as rendas a ela respeitante já não eram tidas em conta para efeitos de imposto na parte tocante ao valor dos terrenos (recte, no particular concernente à utilização da parte do terreno do imóvel);
- porque, no contrato de mera locação, nada obsta a que o locatário venha a adquirir o bem locado, tal como, em princípio ou em regra
(acrescentar-se--á agora), acontece com o contrato de locação financeira, não seria justificado que as rendas respeitantes a este último contrato não fossem consideradas como constituindo um encargo dedutível no que respeita ao valor dos terrenos, quando o eram se se estivesse perante um contrato de mera locação de imóvel.
Adiante-se, desde já, que o raciocínio subjacente à decisão impugnada não deverá proceder.
3. Antes de mais, não se deixará de sublinhar que não é perfeitamente clara a invocação, que se levou a efeito na sentença prolatada no Tribunal Tributário de 1ª Instância de Braga, da violação do princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2º da Constituição e sem que, nesse específico ponto, se fizesse alguma conexão com outros preceitos ou princípios constitucionais.
É que, como é sabido e, por isso, neste particular, citar-se-á, a título de exemplo, o que dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira na Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, pág. 63), aquele princípio, 'mais do que constitutivo de preceitos jurídicos, é sobretudo conglobador e integrador de um amplo conjunto de regras e princípios dispersos pela texto constitucional, que densificam a ideia da sujeição do poder a princípios e regras jurídicas, garantindo aos cidadãos liberdade, igualdade e segurança'.
E, continuam os citados autores:-
'.............................................................................................................................................................................................................................................................. Ele abrange, entre outros, o princípio da constitucionalidade (art. 3º) e a fiscalização da constitucionalidade (arts. 277º e segs.), a protecção dos direitos, liberdades e garantias (arts. 24º e segs.) e respectivo regime de protecção (art. 18º), o princípio da legalidade da administração (arts. 266º), o direito à justiça administrativa (art. 268º) e a responsabilidade do Estado pelos danos causados aos cidadãos (art. 22º), a reserva da função jurisdicional para os tribunais (art. 205º) e a independência dos juizes (art. 218º), a garantia de acesso aos tribunais (art. 20º), a reserva da lei em matéria de restrição de direitos, liberdades e garantias (art. 18º-3) e de criação de impostos (art. 106º). As limitações à admissibilidade de leis retroactivas (art.
18º-3), sobretudo em matéria criminal (art. 29º), a limitação das medidas de polícia (art.272º-2), etc.
Tendo essencialmente uma função aglutinadora e sintetizadora, a regra do Estado de direito democrático, em princípio, não produz normas de per si, ou seja, normas que não encontrem tradução em outras disposições constitucionais. Mas não está à partida excluída a possibilidade de colher dele normas que não tenham expressão directa em qualquer outro dispositivo constitucional, desde que elas se apresentem como consequência imediata e irrecusável daquilo que constitui o cerne do Estado de direito democrático, a saber, a protecção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça (especialmente por parte do Estado). Aí caberão, entre outros: um direito geral à reparação de danos (de que são expressão parcial os arts. 22º e 37º-4); o direito de ser ouvido em todos os processos de decisão que contendam com os direitos ou interesses legítimos de uma pessoa (cfr. art. 269º-3) incluindo o direito de defesa em todo o processo sancionatório (cfr. arts. 28º-1 e 32º-1) e o direito de contraditório em todo o contencioso susceptível de afectar direitos ou interesses legítimos
(v. AcTC nº 397/89 e 62/91); a autonomia de organização colectiva privada (cfr. art. 48-1 e 2); a proibição de leis retroactivas lesivas de direitos ou interesses legítimos dos cidadãos (cfr. art. 18º-3 e AcTC nº 93/84 e 71/87); o direito à notificação de decisões judiciais (cfr. AcTC nº 75/85); o direito de recurso a tribunais contra todo o acto lesivo de direitos ou interesses (AcTC nº
90/88); a liberdade de trabalho (cfr. AcTC nº 154/86).
..............................................................................................................................................................................................................................................................'
Mesmo com a amplitude que se extrai da efectuada transcrição, não se vê, sem mais, como é que a consagração de regimes jurídicos diferentes no seio de um mesmo corpo normativo regulador de um tributo devido pelo rendimento e referente a situações que, objectivamente, se não podem, também sem mais, considerar de todo equivalentes, há-de ser tida por violadora do princípio do Estado de direito democrático, porque representativa de uma prepotência estadual ou de uma postura legislativa eivada de injustiça.
Concede-se, porém, que a referência a essa violação foi intentada com base numa ligação com um outro princípio, justamente o que se postula por intermédio do artigo 13º da Lei Fundamental.
E é nessa sede que se irá dilucidar a questão.
4. Do modo como acima (cfr. 2. de II) se colocou o raciocínio que conduziu à recusa de aplicação normativa agora em análise, transparece desde logo que o mesmo se há-de ter por infundado.
Na realidade, na decisão impugnada lobrigou-se a preterição do princípio da igualdade, pois que, muito em súmula, seria injustificado que não fosse concedido tratamento fiscal semelhante às rendas como contrapartida remuneratória de um contrato de arrendamento e as rendas como contrapartida de um contrato de locação financeira, já que, na óptica dessa decisão, se tratariam de situações semelhantes.
Mas, para tanto, ou seja, para um tal lobrigar, mister seria, como é claro, que se depare uma identidade situacional que reclame, sob pena de se cair no arbítrio legislativo, uma identidade de tratamento.
Ora, é precisamente neste ponto que se não pode anuir à sentença sob censura.
4.1. O regime jurídico da locação financeira em vigor à época da liquidação do imposto e respectiva impugnação (1991) era o constante do Decreto--Lei nº 171/79, de 6 de Junho (posteriormente revogado pelo Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, o qual veio a manter, pelo menos no essencial, o anterior regime).
Acerca desse regime, escreveu José Andrade Mesquita (em Direitos pessoais de gozo, 1999, 39):
'...............................................................................................................................................................................................................................................................
...............importa salientar que se trata de uma forma de composição de interesses com especificidades relativamente a outras modalidades contratuais, da qual nasce um direito de gozo na esfera de uma das partes.
Através do contrato de locação financeira, o locador, que só pode ser, em regra, um banco ou uma sociedade de locação financeira, compromete-se a conceder ao locatário, contra retribuição, o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação do locatário, podendo este comprá-la, total ou parcialmente, num prazo convencionado, mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável
..............................................................................................................................................................................................................................................................'
O mesmo autor, apesar de se não ter, expressis verbis, debruçado sobre a natureza jurídica do contrato de locação financeira (propendendo, contudo, para que, tal como faz Rui Pinto Duarte em A Locação Financeira, 1983, se trata de uma 'locação com contrato-promessa unilateral de venda'), faz notar que importa salientar que por esse contrato se intenta 'uma forma de composição de interesses com especificidades relativamente a outras modalidades contratuais, da qual nasce um direito de gozo na esfera de uma das partes' (cfr. ob. cit. 39).
De seu lado, Orlando Gomes e Antunes Varela (in Direito económico,
1977, 281 e segs.) ao estabelecerem as diferenças entre o «leasing» e outros tipos contratuais, nomeadamente na análise comparativa entre o «leasing» e a locação, acabam por concluir que 'as prestações do concedente e do tomador do leasing não se identificam, ..., com as prestações típicas a cargo do locador e do locatário', apresentando os seguintes elementos distintivos entre esses negócios jurídicos bilaterais:
'...............................................................................................................................................................................................................................................................
A prestação típica de uma das partes traduz-se na obrigação de facultar à outra, durante certo tempo, o uso e fruição de uma ou várias coisas, móveis ou imóveis.
É uma prestação muito semelhante, quando isoladamente considerada, à que recai sobre o locador, mas não idêntica a ela.
O locador obriga-se a proporcionar ao locatário o uso e fruição da coisa, comprometendo-se a mantê-la em estado de servir ao uso a que se destina, ao passo que o concedente do leasing apenas faculta ao tomador o uso e fruição da coisa, sendo a este que incumbe manter os bens em estado de servirem ao fim a que se destinam.
................................................................................................................................................................................................................................................................
A prestação típica do outro contraente consiste, por seu turno, na obrigação de pagar como correspectivo uma prestação periódica ajustada ao valor comercial dos bens.
Também esta prestação de trato sucessivo assemelha-se de algum modo, no seu caráter periódico e na sua ligação indissolúvel à possibilidade do uso e fruição da coisa, à prestação a cargo do locatário. E por isso se lhe dá, vulgarmente, o nome de aluguel.
Mas há entre uma e outra uma diferença intrínseca profunda.
O aluguel exigido do locatário, visando a remunerar apenas o uso e fruição da coisa, corresponde às taxas da locação comum das coisas do mesmo género.
As prestações exigíveis do tomador do leasing visam, pelo contrário, a assegurar em certo prazo a amortização do custo dos bens, a cobertura de gastos administrativos e financeiros e a obtenção de certo lucro e, por isso, podem variar, em princípio, de operação para operação.
...............................................................................................................................................................................................................................................................
Reunindo as duas prestações típicas do negócio, o leasing pode ser definido como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a facultar à outra o uso e fruição de uma ou várias coisas, móveis ou imóveis, mediante o pagamento de uma prestação pecuniária periódica ajustada ao valor comercial das coisas (e não ao seu simples valor locativo) .
...............................................................................................................................................................................................................................................................'
Da aceitação desses parâmetros constitutivos dos traços essenciais caracterizadores dos negócios jurídicos em causa, de onde ressaltam os pontos em que os mesmos se aproximam e afastam, ressalta desde logo a não certeza da aquisição futura do bem de que o respectivo gozo é proporcionado.
Todavia, no que tange à transferência do direito de propriedade, surpreende-se uma diferenciação por demais importante; é que, estando em causa a mera locação, em princípio a aquisição da propriedade pelo locatário não se opera ou, mais correctamente, não é a finalidade desse contrato, podendo, contudo, verificar-se ela desde que haja convergência de vontades nesse sentido por parte do mencionado locatário e do proprietário do bem locado (que não tem, necessariamente, de ser o locador), mas sem que tal constitua, por si, uma decorrência do contrato; mas, se em causa estiver uma locação financeira, a aquisição da propriedade já constitui uma das suas finalidades (e daí alguns autores falarem numa locação com venda a contento ou locação com contrato-promessa unilateral de venda) e, para a atingir, basta tão só uma manifestação de vontade nesse sentido por banda do locatário.
Não se poderá, também, silenciar a circunstância de, na mera locação, os encargos pelo desfrute ou gozo temporário da coisa são encarados como encargos administrativos da empresa dos quais, em princípio, não decorre para a mesma algum aumento do respectivo acervo patrimonial imobiliário, enquanto que, na locação financeira, esses encargos, por regra, são repercutíveis num futuro aumento desse acervo, que não somente incide sobre uma edificação (que, pelo decorrer do tempo, se pode depreciar), mas também sobre o terreno sobre o qual ela está implantada e que, pela natureza das coisas, não é depreciável. E de silenciar não é, igualmente, que na sentença recorrida se não coloca em causa, por forma a merecer um juízo de censura constitucional, a regra segundo a qual não são dedutíveis para efeitos de imposto os encargos que uma empresa houver de proceder com vista à aquisição de bens imóveis não depreciáveis (como são os casos dos terrenos).
4.2. Pois bem.
É face a um tal circunstancionalismo que acima se adiantou que a norma sub iudicio não deverá ser fulminada com um juízo de incompatibilidade com o Diploma Básico com fundamento na postergação do princípio da igualdade.
Efectivamente, este Tribunal, por inúmeras vezes, tem sublinhado que o princípio da igualdade, 'entendido como limite objectivo da discricionaridade legislativa', não proíbe a distinção de tratamentos diferenciados, antes impondo que se trate por igual o que, essencialmente, for igual, e que seja objecto de tratamento dissemelhante o que, também igualmente, for diferente. A proibição acarretada por tal princípio o que proíbe, isso sim, são as diferenciações injustificadas, arbitrárias e sem suporte material bastante (cfr., sobre este princípio e como a teoria da proibição do arbítrio 'expressa e limita a competência de controlo judicial', por todos, o Acórdão deste Tribunal nº
186/90, publicado na 2ª Série do Diário da República de 12 de Setembro de 1990).
Em abono dessa jurisprudência, não será incurial citar-se o Acórdão nº 68/97 (publicado na 2ª Série do Diário da República de 19 de Março de 1997), donde se respiga:
'...............................................................................................................................................................................................................................................................
Não é atingida, pela normação em causa, qualquer das dimensões em que se desdobra o âmbito de protecção acolhido no artigo 13º da CR: a proibição do arbítrio, que torna inadmissível não só a diferenciação de tratamento sem qualquer justificação razoável, apreciada esta de acordo com critérios objectivos de relevo constitucional, como também o tratamento idêntico de situações manifestamente desiguais; a proibição de discriminação, que impede quaisquer diferenciações de tratamento entre os cidadãos, baseadas em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias; a obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pág. 127; entre tantos outros, o acórdão nº 523/95, publicado no Diário da República, II Série, de 14 de Novembro de 1995).
Consistindo a igualdade em tratar por igual o que é essencialmente igual e diferentemente o que essencialmente for diferente, não proíbe se estabeleçam distinções a não ser que estas sejam arbitrárias ou sem fundamento material bastante. Ou seja, as distinções são só materialmente infundadas quando assentem em motivos que não oferecem carácter objectivo e razoável, ou, por outras palavras, quando a norma em causa não apresenta qualquer fundamento material razoável.
Para que haja violação do princípio constitucional da igualdade, ponderou-se recentemente no acórdão nº 1007/96 (publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Dezembro de 1996) torna-se necessário verificar, preliminarmente, ‘a existência de uma concreta e efectiva situação de diferenciação injustificada ou discriminação’.
...............................................................................................................................................................................................................................................................'
Projectando a relevância do princípio da igualdade para a matéria fiscal, disse este Tribunal no seu Acórdão nº 348/97(in Diário da República, 2ª Série, de 25 de Julho de 1997):
'............................................................................................................................................................................................................................................................... O dever de os cidadãos pagarem impostos constitui uma obrigação pública com assento constitucional. Como tal, está sujeito a algumas regras equivalentes às dos direitos fundamentais, designadamente os princípios da generalidade e da igualdade, ou seja, de que devem estar sujeitos ao seu pagamento os cidadãos em geral (artigo 12º, nº 1), e devem estar sujeitos a ele em idêntica medida, sem qualquer discriminação indevida (artigo 13º, nº 2), isto constituído o princípio da igualdade tributária. Este princípio é relevante não apenas para o caso da imposição fiscal mas também para o caso das isenções e regalias fiscais, que não podem deixar de o respeitar sob pena de privilégio constitucionalmente ilícito
(cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, p. 459).
No âmbito dos impostos fiscais que aqui interessa considerar (as coisas não são inteiramente idênticas no plano da extrafiscalidade), a sua repartição deve assim obedecer ao princípio da igualdade tributária, fiscal ou contributiva que se concretiza na generalidade e na uniformidade dos impostos, sendo que, como ensina Teixeira Ribeiro (cfr. ob. cit., p. 261), ‘generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos, não havendo entre eles, portanto qualquer distinção de classe, de ordem ou de casta, isto é, de índole meramente política; por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos’.
Deste modo, a generalidade do dever de pagar impostos significa o seu carácter universal (não discriminatório), e a uniformidade (igualdade) significa que a repartição dos impostos pelos cidadãos há-de obedecer a um critério idêntico para todos. E tal critério, como acentua José Casalta Nabais, Contratos Fiscais (Reflexões acerca da sua admissibilidade), Coimbra, 1994, p. 265 e ss.,
‘(...) é o da capacidade contributiva (capacidade económica, capacidade para pagar, etc.), o que significa que os contribuintes com a mesma capacidade contributiva devem pagar o mesmo imposto (igualdade horizontal) e os contribuintes com diferente capacidade contributiva devem pagar diferentes
(qualitativa e/ou quantitativamente) impostos (igualdade vertical)’, sendo certo que o âmbito subjectivo deste princípio vale tanto para os indivíduos (pessoas físicas) como para as pessoas colectivas.
O legislador, na selecção e articulação dos factos tributáveis deverá ater-se a factos reveladores da capacidade contributiva ‘definindo como objecto
(matéria colectável) de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respectivo imposto’.
A tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará a existência e a manutenção de uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico seleccionado para objecto do imposto, exigindo-se, por isso, 'um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objecto do mesmo.
...............................................................................................................................................................................................................................................................'
Ponderadas as diferenciações que acima se tentaram levar a efeito com o desiderato de se vincar, embora de forma mui perfunctória, a dissemelhança existente quanto aos regimes substantivos de cariz civilístico tocantes à mera locação e à locação financeira, de concluir é que a diferenciação do tratamento tributário conferido a um e outro, tratamento esse que se extrai da norma em análise e daqueloutra vertida na alínea d) do artº 23º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, não se revela injustificada ou sem suporte material bastante, o que vale por dizer que, ao editar o normativo em apreciação, o legislador não actuou arbitrariamente e, consequentemente, em violação do princípio da igualdade.
De todo o modo, mesmo que se entendesse que a comparação que a sentença em apreço efectuou, para efeitos de se lobrigar violação do princípio da igualdade, em conexão com o princípio do Estado de direito democrático, estava a reportar-se ao contrato de compra e venda em contraponto com o contrato de locação financeira, então sempre se dirá que também, mesmo nessa eventual perspectiva, não tem a mínima razão de ser a conclusão decisória tomada naquela sentença, como bem resulta do que este Tribunal já disse no seu Acórdão nº
321/2000, ainda inédito. III
Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso e, em sequência, determina-se a revogação da decisão impugnada por forma que se proceda à respectiva reformulação em consonância com o juízo ora efectuado sobre a questão de constitucionalidade.
Lisboa, 5 de Julho de 200 Bravo Serra Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa