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Proc. nº 285/99
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A S..., Lda., notificada da decisão sumária que, por não estarem verificados os pressupostos processuais exigidos no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, decidiu não tomar conhecimento do recurso por ela interposto para o Tribunal Constitucional, veio reclamar para a conferência, com os seguintes fundamentos:
'1. Embora constatando que o requerimento de interposição do recurso para esse TC omitia alguns dos requisitos exigidos pelo artigo 75º-A da Lei 28/82, de
15/11, a Exma Juíza Conselheira Relatora não convidou a recorrente a suprir essa falta nos termos do nº 5 do mesmo preceito e decidiu sumariamente.
2. Por muito convincentes que os fundamentos invocados para demonstrar a desnecessidade desse suprimento sejam, a lei impõe ao julgador o dever (não o poder dever) de proporcionar ao recorrente a faculdade de expôr as razões por que exerce o direito ao recurso.
3. Essa preocupação do legislador exigida pela garantia constitucional do artigo
20º da CR é reforçada pelo normativo do nº 2 do artigo 78º-A do mesmo diploma, que apenas admite a prolação de decisão sumária depois de notificado o recorrente nos termos dos nºs 5 e 6 do seu artigo 75º-A.
4. Deste modo, porque viola as regras dos artigos 203º e 20º da Constituição da República e os nºs 5 e 6 do artigo 75º-A e nº 2 do artigo 78º-A, ambos da Lei
28/82, de 15/4, requer a V. Excelências a respectiva anulação, seguindo-se os termos do nº 5 deste último.'
2. Notificada para se pronunciar sobre a reclamação apresentada, a recorrida I..., S.A., respondeu que a mesma deveria ser indeferida. Concluiu pedindo a condenação da reclamante por litigância de má fé 'em multa condigna a favor do Tribunal e em indemnização à autora requerida em valor não inferior a
100.000$00'.
3. A ora reclamante requer a anulação da decisão sumária de fls. 350 e seguintes, sustentando que o artigo 78º-A, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional apenas permite que seja proferida decisão sumária depois de notificado o recorrente nos termos dos nºs 5 e 6 do artigo 75ª-A da mesma Lei.
Ora, a este respeito, importa distinguir entre os pressupostos do recurso de constitucionalidade, tal como se encontram enunciados nas várias alíneas do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, e os requisitos do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, a que se refere o artigo
75º-A da mesma Lei.
No caso sub judice, decidiu-se não tomar conhecimento do recurso por não estarem verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso interposto
– o recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional –, tal como se prevê no artigo 78º-A, nº 1, da mesma Lei.
Ainda que a ora reclamante tivesse indicado no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade qual o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de que pretendia recorrer e ainda que nesse mesmo requerimento tivesse explicitado qual a interpretação das normas então mencionadas que considerava contrária à Constituição (requisitos do requerimento de interposição do recurso), o recurso não poderia ser admitido, por falta de pressupostos processuais.
Com efeito, e como se ponderou na decisão sumária impugnada:
– sendo o recurso interposto do acórdão de 11 de Março de 1999 (fls.
342 e seguinte), através do qual o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a nulidade imputada ao acórdão anterior, verifica-se que a decisão recorrida não aplicou as normas que a recorrente pretendia submeter à apreciação do Tribunal Constitucional – as normas dos artigos 236º e 237º do Código Civil (ou uma dada interpretação dessas normas).
– sendo o recurso interposto do acórdão de 6 de Maio de 1998 (fls.
310 e seguintes), que decidiu a questão de fundo discutida no processo, verifica-se que não foi suscitada pela recorrente, 'durante o processo', uma questão de inconstitucionalidade reportada às normas indicadas como objecto do recurso ou às normas que constituíram o fundamento do acórdão impugnado. Por isso se considerou que seria inútil ordenar a notificação da ora reclamante, nos termos do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, para completar o requerimento de interposição do recurso. À reclamante seria porventura possível indicar elementos em falta no requerimento, mas não seria certamente possível suprir a falta dos pressupostos processuais típicos do recurso interposto: isto
é – conforme o acórdão de que se pretendesse interpor o recurso –, a aplicação, na decisão recorrida, das normas submetidas ao julgamento do Tribunal Constitucional; a invocação, durante o processo, da inconstitucionalidade das normas em que se fundamenta a decisão recorrida.
4. Conclui-se assim que a decisão do Tribunal Constitucional foi proferida com total observância das regras legais aplicáveis, porquanto, em síntese:
– se entender que não pode conhecer-se do objecto do recurso, o relator, no Tribunal Constitucional, profere decisão sumária (artigo 78º-A, nº
1, da Lei do Tribunal Constitucional);
– se o requerimento de interposição do recurso não indicar algum dos elementos previstos nos nºs 1 a 4 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, o relator, no Tribunal Constitucional, convidará o requerente a prestar essa indicação (nºs 6 e 5 do artigo 75º-A da mesma Lei);
– não é lícito realizar no processo actos inúteis (artigo 137º do Código de Processo Civil).
5. Não existe em tal decisão do Tribunal Constitucional qualquer violação de normas ou princípios constitucionais. A Constituição não veda ao legislador ordinário a possibilidade de estabelecer um processo de formação das decisões do Tribunal Constitucional, para os tipos de questões previstas no artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, que assente numa decisão individual.
O legislador ordinário goza de liberdade de conformação na definição das regras relativas ao processo de formação das decisões do Tribunal Constitucional.
Perante o cada vez maior número de processos no Tribunal Constitucional, o legislador ordinário, sem descurar a necessidade de assegurar uma tutela plena dos direitos dos recorrentes, criou a figura da decisão sumária, para acelerar o processo decisório de determinadas questões. Pode e deve ser proferida decisão sumária designadamente nos processos em que o relator entenda que não pode conhecer-se do objecto do recurso (cfr. artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional).
Prossegue-se, assim, o objectivo da mais célere administração da justiça, sem esquecer as garantias de defesa das partes. É assegurado o princípio do contraditório, facultando-se ao recorrente a oportunidade de reclamar para a conferência (cfr. nº 3 do referido artigo 78º-A) – oportunidade que aliás a recorrente utilizou no presente processo. O regime instituído pelo artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional não contém qualquer violação das regras constitucionais sobre a garantia do acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20º da Constituição) e sobre a independência dos tribunais e a sua vinculação à lei (artigo 203º da Constituição).
6. Pretende a recorrida I..., S.A., que este Tribunal condene a reclamante como litigante de má fé, por considerar que é intenção da presente reclamação protelar o trânsito em julgado da decisão sob recurso.
Embora seja patente uma finalidade dilatória, não pode até este momento reconhecer-se que exista, por parte da reclamante, 'um uso manifestamente reprovável' de meios, cuja falta de fundamento não ignora, com o fim de 'entorpecer a acção da justiça'.
7. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, não tendo a reclamante aduzido razões susceptíveis de modificar a decisão anteriormente proferida, o Tribunal Constitucional decide:
a) confirmar a decisão reclamada, de 11 de Junho de 1999, que não tomou conhecimento do recurso;
b) não condenar a reclamante como litigante de má fé. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa, 20 de Outubro de 1999- MARIA HELENA BRITO VÍTOR Nunes DE Almeida José MANUEL CARDOSO DA COSTA