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Processo n.º 192/98
2ª Secção Relator - Paulo Mota Pinto
Acordam em conferência na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório
1. Nos termos do n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, o relator proferiu nos presentes autos em 14 de Junho do corrente ano a seguinte decisão:
«I. Relatório
1. Em processo de expropriação movido pela Câmara Municipal de Almada contra M... e outros, requereram os expropriados, ao abrigo do disposto no artigo 61º, n.º 1, do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro, a expropriação total do prédio denominado 'Quinta do Quebra-Joelhos', sustentando, em síntese, que a parte não expropriada ficaria de tal modo afectada que não seria possível utilizá-la capazmente, nem prosseguir o seu destino económico. No Tribunal Judicial da Comarca de Almada foi, em 12 de Novembro de 1991, proferida sentença no sentido da improcedência do pedido formulado, a qual, no entanto, veio a ser revogada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Fevereiro de 1993, decisão, esta, que veio, por sua vez, a ser confirmada por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça com data do dia 18 de Outubro de 1993. Na sequência de acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de Junho de 1994
- que, revogando o despacho de 16 de Dezembro de 1993 (que havia determinado que os autos aguardassem a baixa do processo principal então pendente de recurso), ordenou o prosseguimento dos autos -, procedeu-se à avaliação prevista no artigo
59º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro, dela tendo resultado dois laudos, um subscrito pelos peritos indicados pelo Tribunal e pelos expropriados, e outro subscrito apenas pelo perito indicado pela expropriante, na sequência dos quais foi proferida, em 16 de Setembro de 1996, sentença a julgar procedente o pedido de expropriação total requerido e a fixar em
192.660.000$00 o valor da indemnização a pagar pela Câmara Municipal de Almada,
'actualizado em função dos índices de preços ao consumidor anualmente publicados pelo I.N.E.'
2. Não se conformando com esta decisão, a expropriante interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, sustentando que 'deve revogar-se a douta sentença recorrida, e ordenar-se nova avaliação com base nas más circunstâncias e condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública.' O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 6 de Novembro de 1997, dando provimento parcial à apelação, determinou a alteração da decisão recorrida apenas quanto ao montante indemnizatório, fixando o mesmo em 88.085.500$00.
3. Deste aresto interpuseram M... e outros o presente recurso de constitucionalidade. Por não terem indicado os elementos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 75º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), foi aplicado o disposto nos n.ºs 5 e 6 desse mesmo artigo, tendo os ora recorrentes atendido ao convite de aperfeiçoamento através de requerimento a fls. 352 dos autos, no qual teceram as seguintes considerações:
'I. As alíneas do n.º 1 do artº 70º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto.
1. O recurso foi interposto ao abrigo das alíneas a), b), c), f) e g) do artº 70º da Lei 28/82 de 15 de Novembro, com a nova redacção da Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro. II. As normas cuja inconstitucionalidade/ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie.
2. Pretende-se que o TC aprecie a ilegalidade/inconstitucionalidade das normas dos arts. 264º/3, 660º/2 e 712º/2 do CPC, na interpretação e dimensão que lhes foi dada pelas Instâncias.
3. Pretende-se ainda que o TC aprecie a recusa de aplicação das normas dos arts.
137º, 287º/e/ e 677º do CPC, bem como da norma do artº 23º do DL 438/91, de 9 de Novembro. III. Normas/princípios constitucionais-legais que se consideram violados.
4. O Aresto recorrido aplicou e recusou aplicar normas que conduziram a uma redução ou descida do valor indemnizatório de 192.660.000$00 para 88.085.500$00 e sem o acréscimo dos juros legais, o que viola o princípio constitucional do pagamento expropriativo contemporâneo/actualizado de uma justa indemnização, consagrado nos arts. 1º e 22º do DL 438/91, de 9 de Novembro, diploma que já se encontrava em vigor quando foi proferido o douto Acórdão do STJ de 18.10.93, de fls.
138-143, que decretou a expropriação total do prédio dos autos.
5. A recusa de aplicação da norma imperativa do artº 23º do DL 438/91, de 9 de Novembro, viola os princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e do pagamento justo e contemporâneo/actualizado.
6. A recusa de aplicação do artº 677º do CPC, violou o princípio do caso julgado, pois o Despacho da 1ª Instância que ordenou a avaliação com base no regime jurídico consagrado no DL 438/91, de 9 de Novembro transitou em julgado, até porque a CM Almada não apresentou alegações na 1ª Instância, concordou com a peritagem maioritária e já pagou aos expropriados o referido montante indemnizatório de 192.660.000$00, aguardando os expropriados o pagamento dos juros legais.
7. A desrazoabilidade da aplicação e da recusa de aplicação das normas referidas por parte do Acórdão recorrido viola os arts. 13º/1, 18º e 62º/2 e 266º da Lei Fundamental. IV. Decisão do TC ou da CC que, com anterioridade, julgou inconstitucional ou ilegal a norma aplicada pelo Acórdão recorrido.
8. Ac. do TC n.º 131/88, de 8 de Junho e n.º 52/90, de 7 de Março. V. Peças processuais em que os recorrentes suscitaram a questão de inconstitucionalidade/ilegalidade.
9. Os recorrentes suscitaram a questão da inconstitucionalidade/ilegalidade nas seguintes peças processuais: a. Nas contra-alegações apresentadas em 19.3.97, a fls ; e b. No requerimento de interposição de recurso de 17.11.97, de fls. .
10. A sentença da 1ª Instância e o Acórdão recorrido ajuizaram as questões de inconstitucionalidade/ilegalidade invocadas.
11. A 1ª Instância decidiu e bem que para determinação da ‘justa indemnização’ devida só fazia sentido ‘aplicar in casu’ os critérios do Código aprovado pelo DL 438/91, até porque a avaliação foi feita tendo em conta quer o estatuído no DL 845/76, quer no DL 438/91, para obviar às declarações de inconstitucionalidade, objecto dos Acs. do TC n.ºs 131/88, de 8.6 e 52/90, de
7.3, relativamente aos n.ºs 1 e 2 dos arts. 30º e 33º do DL 845/76.
12. Aliás – repete-se – quando foi proferido o douto Acórdão do STJ de 18.10.93, de fls. 138-143, que decretou a expropriação total do prédio já se encontrava em vigor o DL 438/91, de 9 de Novembro, aplicável ao caso.' II. Fundamentos
4. Em face do exposto – e visto que se não pode tomar conhecimento do objecto do recurso, como seguidamente se demonstra –, é de proferir decisão ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção da Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro. Na verdade – admitindo que a indicação de cinco das nove alíneas do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, é ainda uma forma de dar cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 75º-A da mesma lei –, conclui-se que os recorrentes interpuseram, simultaneamente, três tipos de recursos de constitucionalidade, e dois (ou três) tipos de recursos de legalidade, sendo que duas dessas espécies de recursos (os previstos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do referido artigo 70º) se fundam em recusa de aplicação de normas, enquanto as restantes três (ou quatro) supõem a sua aplicação. Importa, pois, delimitar o objecto de cada uma dessas modalidades de recurso e verificar se estão preenchidos os respectivos pressupostos. Por conveniência expositiva começa-se pelos supostos recursos dirigidos ao controlo de legalidade.
5. A questão da admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional Para se poder conhecer deste recurso, necessário seria que tivesse havido, na decisão recorrida, recusa de aplicação de norma(s) constante(s) de acto legislativo com fundamento em ilegalidade por violação de lei com valor reforçado. Ora, as normas cuja aplicação os recorrentes invocam ter sido recusada são as dos artigos 137º, 287º alínea e), e 677º do Código de Processo Civil. Todavia, debalde se procura na decisão recorrida, sequer, uma alusão a essas normas, muito menos se encontrando uma recusa da sua aplicação (ou da do artigo 23º do Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro) com fundamento em ilegalidade, por violação de lei com valor reforçado, sendo certo que só nesse caso estaria preenchido um dos requisitos necessários ao conhecimento deste recurso. Além disso, também os recorrentes não identificam a (pretensa) lei com valor reforçado que teria servido ao Tribunal recorrido para afastar a aplicação dos referidos artigos do Código de Processo Civil e do actual Código de Expropriações, antes invocando violação dos 'princípios da igualdade, da proporcionalidade e do pagamento justo e contemporâneo / actualizado', do
'princípio do caso julgado' e dos artigos '13º/1 e 62º/2 e 266º da Lei Fundamental' (pontos 5, 6 e 7 da resposta ao despacho de aperfeiçoamento, supra transcrito). A ser assim, porém, estar-se-ia perante um vício de inconstitucionalidade e não de ilegalidade, pelo que, logo também por isso, se não pode conhecer do recurso com este fundamento.
6. A questão da admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional Para se poder conhecer deste recurso, haveria de se ter suscitado durante a processo a ilegalidade de uma norma, aplicada na decisão recorrida, com fundamento em:
- violação de lei com valor reforçado;
- violação do estatuto de uma região autónoma; ou
- violação de uma lei geral da República (só para o caso de normas constantes de diplomas regionais). Excluindo a terceira hipótese, por manifestamente inaplicável ao caso (em que não está em causa qualquer diploma de uma Região Autónoma), pode igualmente excluir-se a segunda uma vez que, sendo embora todas as normas convocadas nos presentes autos emanadas de órgãos de soberania, não se pôs – nem se pode pôr – em relação a elas, qualquer questão de desconformidade estatutária na sua aplicação no território do Continente, que é o que está em questão. Assim, liminarmente, restaria a possibilidade de durante o processo – é dizer: enquanto isso pudesse ser apreciado pelo Tribunal recorrido, já que o entendimento deste requisito há-de ser idêntico ao adoptado para a formulação idêntica da alínea b), e, portanto, num sentido funcional, equivalente à anterioridade ao esgotamento do poder jurisdicional do tribunal a quo (sobre este sentido do requisito, cfr. o Acórdão n.º 90/85, publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Julho de 1985) – se ter invocado a desconformidade com uma lei com valor reforçado de uma qualquer das normas aplicadas no caso
(embora relevando apenas uma suscitada desconformidade de normas convocadas para apreciação por este Tribunal, ou seja, as dos artigos 264º, n.º 3, 660º, n.º 2 e
712º, n.º 2, do Código de Processo Civil). Escrutinando as diversas peças processuais dos recorrentes não se encontra tal alegação de modo processualmente adequado, tendo-se já visto que nem perante este Tribunal identificaram os recorrentes uma qualquer lei de valor reforçado que pudesse servir de parâmetro (quer da recusa de aplicação de normas prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, quer da sua aplicação, para efeitos da alínea f) do n.º 1 do mesmo artigo). Assim, também em relação a este recurso de ilegalidade fica excluída a possibilidade de dele se tomar conhecimento.
7. A questão da admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional Dando cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, os recorrentes identificaram duas decisões (Acórdãos n.ºs 131/88 e 52/90, publicados no Diário da República, I Série, de 29 de Junho de 1988 e de
30 de Março de 1990, respectivamente) em que o Tribunal Constitucional teria, previamente, julgado 'inconstitucional ou ilegal' (itálico aditado) as normas aplicadas pelo acórdão recorrido – ou melhor, as normas dos artigos 264º, n.º 3,
660º, n.º 2 e 712º, n.º 2 do Código de Processo Civil, já que só em relação a estas normas tidas por aplicadas ao caso se colocam perante o Tribunal Constitucional questões de constitucionalidade e, ou, legalidade. Ora, em ambos os Acórdãos se declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas apreciadas, e estas nada têm a ver com as citadas normas do Código de Processo Civil, pelo que há-de concluir-se, não só que a invocação da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 só releva a propósito de tal vício, e não também do de ilegalidade, (apesar da disjuntiva usada pelos recorrentes). Não haverá, por isso, que tomar conhecimento do recurso com este fundamento – mesmo que se admita que se pretendeu interpô-lo, por vir igualmente indicada a referida alínea g) na resposta ao convite de aperfeiçoamento do requerimento de recurso. Afastada a possibilidade de o Tribunal conhecer do recurso com fundamento em ilegalidade, cabe agora apurar da possibilidade de o conhecer com fundamento em inconstitucionalidade, ao abrigo do disposto nas alíneas a), b) e, ou, g) do n.º
1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
8. A questão da admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional Para se tomar conhecimento do recurso ao abrigo desta disposição seria necessário, desde logo, que tivesse havido, por parte do Tribunal a quo, uma recusa de aplicação da norma(s) com fundamento em inconstitucionalidade. E mesmo que, como no Acórdão n.º 429/89, publicado no Diário da República, II Série, de
21 de Setembro de 1989, se entendesse que ainda que o afastamento da norma em causa tivesse lugar, ostensivamente, por outras razões, estaria preenchido o requisito necessário ao conhecimento do recurso, nunca poderia deixar de se exigir um juízo de inconstitucionalidade, como fundamento da recusa de aplicação, para tornar admissível tal recurso. Ora, no caso sub iudicio, a norma do artigo 23º do Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro, não foi aplicada apenas por se ter decidido a questão de direito transitório a favor da lei anteriormente aplicável (o Decreto-Lei n.º 845/76, de
11 de Dezembro), e não por se ter formulado qualquer dúvida de constitucionalidade em relação a ela. E as normas dos artigos 137º (Princípio da limitação dos actos), 287º (Causas de extinção da instância) alínea e), e 677º
(Noção de trânsito em julgado) do Código de Processo Civil, por sua vez, não foram aplicadas porque não eram relevantes para a decisão da causa. Não resultando, assim, da decisão recorrida qualquer juízo de inconstitucionalidade que tenha servido como causa (única ou adicional) de recusa de aplicação de uma norma, falha a previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, pelo que se não pode conhecer do recurso intentado ao seu abrigo.
9. A questão da admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional São requisitos específicos deste tipo de recurso: a) A suscitação de uma questão de inconstitucionalidade durante o processo; b) A aplicação da norma impugnada na decisão recorrida; c) O prévio esgotamento dos recursos ordinários. Tendo em conta os valores em jogo, manifestamente superiores à alçada dos tribunais da Relação, e o facto de o recurso vir interposto de uma decisão de um destes tribunais, há que concluir pelo preenchimento do último requisito apontado. Ora, muito embora em processo civil vigore o princípio geral dos três graus de jurisdição, salvo as limitações decorrentes do valor da causa (artigos
16º e 20º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais em vigor à altura: Lei n.º
38/87, de 23 de Dezembro, e artigo 678º do Código de Processo Civil; cfr. os actuais artigos 19º e 24º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro), o Código das Expropriações estabelecia (artigo 46.º, n.º 1, na versão do Decreto-Lei n.º
845/76, de 11 de Dezembro, ao contrário do que agora se dispõe no artigo 37º do Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro) que não havia recurso dos acórdãos do Tribunal da Relação que, reapreciando sentenças dos tribunais de comarca que conhecessem de recurso de arbitragem, fixassem o valor da indemnização devida pelos bens expropriados. Supondo aplicável, em matéria de recursos, o disposto no Código das Expropriações de 1976, estaria preenchido este requisito. Supondo aplicável, todavia, o disposto no Código das Expropriações de 1991, a solução não seria líquida, não obstante o disposto no referido artigo 37º: vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 1993, que admitiu o recurso para o Supremo, e os Acórdãos de 2 de Dezembro de 1993 e de 1 de Fevereiro de 1994, que o tiveram por inadmissível (cfr. Colectânea de Jurisprudência-Supremo Tribunal de Justiça, 1993, Tomo II, pp. 155 e ss.; 1993, Tomo III, págs. 159 e segs.; e
1994, Tomo I, págs. 78 e segs.). No presente caso, não interessa, porém, aprofundar esta questão, porquanto, mesmo que se tivesse por preenchido o requisito do esgotamento dos recursos ordinários, sempre falhariam os restantes. A sua não verificação resulta mais clara em face do teor das normas impugnadas – todas do Código de Processo Civil –, que era o seguinte à data da decisão que as aplicou:
'Artigo 264º
(Princípio dispositivo. Poder inquisitório do juiz)
1. ...
2. ...
3. O juiz tem o poder de realizar ou ordenar oficiosamente as diligências que considere necessárias para o apuramento da verdade, quanto aos factos de que lhe
é lícito conhecer. Artigo 660º
(Questões a resolver. Ordem do julgamento)
1. ...
2. O juiz deve resolver as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuando aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Artigo 712º
(Modificabilidade das decisões do colectivo)
1. ...
2. Pode a relação anular, porém, a decisão do colectivo, mesmo oficiosamente, quando repute deficientes, obscuras ou contraditórias as respostas aos quesitos formulados ou quando considere indispensável a formulação de outros quesitos nos termos da alínea f) do artigo 650.º; a repetição do julgamento não abrangerá as respostas que não se mostrem viciadas, podendo, no entanto, o colectivo pronunciar-se sobre outros quesitos, com o fim exclusivo de evitar contradições entre as respostas.
3. ...' Muito embora nenhuma das referidas normas fosse invocada na decisão recorrida, não se duvida que nela tenham concorrido a do n.º 3 do artigo 264º e a do n.º 2 do artigo 660º, sendo, como são, normas que regulam a actuação geral dos tribunais. Assim, em relação a elas também se poderia verificar o segundo dos quesitos acima enunciados. Resta, porém, que em relação a nenhuma delas foi a sua inconstitucionalidade suscitada durante o processo, no sentido já referenciado e unânime na jurisprudência constitucional (vejam-se, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 352/94 e
155/95, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente de 6 de Setembro de 1994 e 20 de Junho de 1995). De facto, o requerimento de recurso de constitucionalidade já não é momento idóneo para suscitar uma tal questão, justamente porque, esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo, não pode este pronunciar-se sobre ela, inviabilizando uma intervenção do Tribunal Constitucional em via de recurso. Ora, salvo situações excepcionais (cfr. o Acórdão n.º 352/94), que não se verificam no presente caso, não pode este Tribunal, ao abrigo na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, ocupar-se de questões de constitucionalidade que não tenham sido anteriormente abordadas, expressa ou implicitamente, pelo tribunal recorrido, justamente porque a sua intervenção, em sede de recurso de constitucionalidade, se destina apenas ao reexame da decisão relativa à constitucionalidade de normas. Aliás, se bem se vir, o que os recorrentes questionam, sob o pretexto da inconstitucionalidade de tais normas, é antes o seu não acatamento, sendo manifestamente infundadas as dúvidas de constitucionalidade dirigidas, pelo menos, à ordenação das questões a resolver no julgamento e ao poder inquisitório do juiz. E é também, se bem se vir, o não acatamento da norma do n.º 2 do artigo
712º que os recorrentes impugnam, já que se não vislumbra em que medida teria tal norma sido aplicada na decisão recorrida. Em qualquer caso, não deve conhecer-se do recurso com base no disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, em relação a nenhuma das normas tidas por aplicadas e indicadas no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade e na resposta ao despacho de aperfeiçoamento proferido pelo relator, uma vez que a inconstitucionalidade de tais normas não foi suscitada 'durante o processo' de forma processualmente adequada – designadamente, com enunciação da dimensão interpretativa de tais normas que se pretendia impugnar, caso se pretendesse referir a inconstitucionalidade tão-só a uma sua interpretação.
10. A questão da admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional Restaria a possibilidade de conhecer do recurso ao abrigo da aplicação de uma norma já julgada inconstitucional - e, como se referiu, os recorrentes deram cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 75º-A da Lei n.º 28/82 identificando as decisões do Tribunal Constitucional que anteriormente se pronunciaram pela inconstitucionalidade das normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 30º do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro. Porém, também sob esta perspectiva não pode tomar-se conhecimento do recurso uma vez que nenhuma dessas normas aparece impugnada nos presentes autos – recorde-se que na resposta ao convite de aperfeiçoamento do requerimento de recurso os recorrentes identificam como normas cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada (ponto II) os artigos 264º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 712º, n.º 2 do Código de Processo Civil ('na interpretação e dimensão que lhes foi dada pelas Instâncias'), e os artigos 137º, 287º, alínea e), e 677º do mesmo diploma, bem como a norma do artigo 23º do Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro. Assim, porque as normas que vêm impugnadas no presente recurso não foram anteriormente julgadas inconstitucionais, também com este fundamento se não pode conhecer do recurso. III. Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos, decido, ao abrigo do disposto no artigo
78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, não tomar conhecimento do recurso e condeno os recorrentes em custas, fixando a taxa de justiça em 6 UC.»
2. M... e outros, notificados da decisão sumária, vieram dela reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 3 da Lei n.º 28/82, de
15 de Novembro, com a redacção da Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (Lei do Tribunal Constitucional), apresentando os seguintes fundamentos:
'1. O TC, além do mais, deve apreciar a recusa de aplicação da norma do art.º 23º do DL 438/91, de 9 de Novembro, a não ser que considere que essa norma foi aplicada. Efectivamente, a decisão da 1ª Instância julgou procedente o pedido de expropriação total requerido, condenando a CM Almada a pagar aos requerentes, a título de preço relativo à parte sobrante da parcela em causa a quantia de
192.660.000$00, actualizada em função dos índices de preços ao consumidor anualmente publicados pelo INE. Por sua vez, o Acórdão do TR Lx de 6.11.97, de fls , alterou a decisão da 1 ª Instância apenas quanto ao montante indemnizatório, fixando o mesmo em
88.085.500$00, mantendo-se tudo o mais (isto é, actualizado em função dos
índices de preços ao consumidor anualmente publicados pelo INE). Veja-se que o Acórdão do TR Évora de 11.02.99 - Proc. 564/97 - 3ª Secção considerou que a norma do art.º 23º do DL 438/91 de 9 de Novembro é interpretativa quanto ao momento do cálculo do valor do prédio. Embora o DL 845/76 não contivesse disposição legal que expressamente viabilizasse a actualização do valor indemnizatório, a necessidade de se atribuir ao expropriado uma ‘justa indemnização’ já inculcava que se procedesse a essa actualização.
É que entre a data da DUP e a fixação judicial do quantum indemnizatório medeia sempre um lapso de tempo durante o qual pode aviltar-se o valor da moeda e, se essa circunstância não for tida em consideração, daí poderá resultar prejuízo para o expropriado. Ora a actualização permitirá neutralizar esse prejuízo. Por isso, a necessidade de se actualizar o montante indemnizatório já era imposta pela razoabilidade e, implicitamente, pela lei constitucional, quando mandava que ao expropriado se atribuísse uma indemnização justa. Por isso, é admissível o recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do art.º 70º da LTC. Na verdade, o direito à justa indemnização traduz-se num direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, para os efeitos previstos no art.º l7º da Constituição, só podendo sofrer as restrições previstas no texto constitucional. A não aplicação do princípio da actualização ofende os princípios materiais da Constituição, designadamente o princípio da igualdade e da proporcionalidade
(Ac. TC de 7.3.90, in DR - I Série de 30.3.90), não podendo de forma alguma, sufragar-se o entendimento de que o DL 845/76 veda a actualização do valor indemnizatório (Cfr., entre outros, o Acórdão do STJ Lx de 16.12.93, no Recurso n.º 84.438 – 3ª Secção).
2. O Exmo. Relator também não cuidou da questão constitucional focada no art.º 11 da exposição/requerimento de 27.7.98, de fls . Para colmatar essa abstenção, repete-se que a avaliação foi feita tendo em conta quer o estatuído no DL 845/76, quer no DL 438/91, para obviar às declarações de inconstitucionalidade, objecto dos Acs. do TC n.ºs 131/88, de 8.6 e 52/90, de
7.3, relativamente aos n.ºs l e 2 dos arts. 30º e 33º do DL 845/76.
3. Deste modo, discorda-se da análise produzida pelo Exmo. Relator e mantém-se, nos seus precisos termos, a posição assumida no requerimento de interposição de recurso de 17.11.97, a fls , e na indicação prestada em 27.7.98, a fls .' A Câmara Municipal de Almada, em resposta à reclamação deste modo deduzida, defendeu a sua improcedência, pois 'no caso vertente, não foi recusada a aplicação da citada norma [do artigo 23º do D.L. n.º 438/91, de 9 de Novembro], por dúvidas quanto à sua constitucionalidade ou ilegalidade', antes 'decidiu-se a questão de direito transitório a favor da lei anteriormente aplicável, isto é, do D.L. n.º 845/76, de 11 de Dezembro', concluindo que 'não está assim preenchido o requisito da alínea a) do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82'. II. Fundamentos
3. Os reclamantes entendem dever este Tribunal conhecer do recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Ora, como se explicou na decisão reclamada, para se tomar conhecimento do recurso ao abrigo desta disposição seria necessário que tivesse havido, por parte do Tribunal a quo, uma recusa de aplicação da norma do artigo 23º do Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro com fundamento em inconstitucionalidade. Da leitura da fundamentação apresentada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6 de Novembro de 1997 resulta, porém, que a referida norma não foi objecto de qualquer juízo de desconformidade com a Lei Fundamental, que tenha originado a sua não aplicação ao caso dos autos. Tal norma não foi aplicada, repete-se, apenas por se ter decidido a questão de direito transitório a favor da lei anteriormente aplicável (o Decreto-Lei n.º
845/76, de 11 de Dezembro), e não por se ter formulado qualquer dúvida de constitucionalidade em relação a ela.
É inquestionável que o acórdão recorrido, quando afirma que 'este diploma legal
[o Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro] não contém qualquer norma que determine, directa ou indirectamente, a sua aplicação retroactiva, não se justificando, por isso mesmo e ainda, como parece entender o Mm.º Juiz a quo, o recurso à aplicação das suas normas, relativamente aos critérios determinativos da indemnização, por não terem natureza interpretativa', optou por aplicar aos autos as disposições constantes do Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro, não recusando com fundamento em inconstitucionalidade a aplicação daquele Decreto-Lei n.º 438/91. Não merece concordância, pois, a afirmação dos ora reclamantes, de que é admissível o recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do art.º 70º da LTC, sendo manifesto, em face do teor da decisão recorrida, que não está preenchido o requisito – necessário ao conhecimento do recurso – da existência de desaplicação, com fundamento num juízo de inconstitucionalidade, da norma do artigo 23º do Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro.
4. Quanto à afirmação dos reclamantes de que o relator 'também não cuidou da questão constitucional focada no art.º 11 da exposição/requerimento de 27.7.98', relativa a vício de que enfermaria a decisão sumária reclamada, só pode reportar-se à constatação de que se não cuidou na decisão reclamada de qualquer questão de fundo, versando a decisão ora reclamada apenas sobre a questão prévia da verificação dos pressupostos processuais dos recursos em causa. Todavia, como
é evidente, a verificação destes pressupostos é indispensável justamente à tomada de conhecimento dos recursos, e, portanto, à prolação de uma decisão de fundo, não constituindo isso qualquer omissão de pronúncia, mas antes uma pura e simples decorrência necessária da falta dos pressupostos (relativos à admissibilidade dos recursos) justamente para se tomar uma decisão quanto ao fundo. De facto, entendeu-se na decisão reclamada não poder tomar-se conhecimento do recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, uma vez que os ora reclamantes, na resposta ao convite de aperfeiçoamento do requerimento de recurso, invocando embora os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 131/88 e 52/90 – como 'decisão do TC ou da CC que, com anterioridade, julgou inconstitucional ou ilegal a norma aplicada pelo Acórdão recorrido' –, não indicaram, de entre as 'normas cuja inconstitucionalidade/ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie', os n.ºs l e 2 do artigo 30º (cuja inconstitucionalidade foi declarada naqueles arestos) e o artigo 33º do Decreto-Lei n.º 845/76, razão pela qual tais normas não constituiriam objecto do recurso. Ora, este Tribunal tem decidido que o cumprimento dos ónus impostos pelo artigo
75º-A da Lei do Tribunal Constitucional – entre eles, no caso do recurso da alínea g), a indicação da norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada e, bem assim, a identificação da decisão do Tribunal que, com anterioridade, julgou inconstitucional essa norma, aplicada pela decisão recorrida – não representa simples observância do dever de colaboração das partes com o Tribunal, a suprir por este, mas, antes, o preenchimento de requisitos essenciais ao conhecimento do objecto do recurso (cfr., entre outros, os Acórdãos n.º 462/94, publicado no Diário da República, II série, de 21 de Novembro de 1994 e n.º 200/97 (inédito). Acresce que, conforme se escreveu no Acórdão n.º 20/97, publicado no Diário da República, II série, de 1 de Março de
1997,
'[...] existe uma relação de complementaridade – que não de substituição – entre o requerimento de interposição do recurso e a intervenção processual em cumprimento de despacho proferido ao abrigo do n.º 5 do artigo 75ºA da Lei do Tribunal Constitucional. Com esta conclusão não ficam, porém, esclarecidas todas as dúvidas. Com efeito, cabe perguntar se no requerimento de aperfeiçoamento pode restringir-se o conjunto de normas que se quer ver apreciadas pelo Tribunal. A resposta deve ser afirmativa, não só porque esse é o sentido normal do despacho de aperfeiçoamento previsto no referido artigo 75º-A, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional para o caso de requerimentos vagos ou genéricos, mas também por analogia com o já aludido poder reconhecido às partes de restringir o objecto do recurso nas conclusões das alegações (n.º 3 do artigo 684º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional).'
5. Perante este quadro, conclui-se que os reclamantes nada adiantaram que seja susceptível de infirmar o decidido quanto ao preenchimento dos requisitos para conhecimento do objecto do recurso, interposto quer ao abrigo da alínea a), quer ao abrigo da alínea g), do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Reafirma-se, assim, que não houve pelo tribunal recorrido qualquer recusa de aplicação da norma do artigo 23º do Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro, com fundamento na sua inconstitucionalidade, nem os recorrentes, convidados a suprir as deficiências do requerimento de interposição do recurso, indicaram a(s) norma(s) já anteriormente julgada(s) inconstitucional(ais) por este Tribunal que entendem terem sido aplicadas pela decisão recorrida. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, decide-se desatender a presente reclamação, manter a decisão reclamada de não conhecimento do recurso e condenar os reclamantes em custas, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta. Lisboa, 10 de Novembro de 1999 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Luís Nunes de Almeida