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Proc. nº 669/99
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório
1. M... (ora recorrentes), requereram a abertura da instrução, na sequência da acusação contra si deduzida, no termo do inquérito, pelo Ministério Público no Tribunal Judicial da Comarca de Vagos.
2. Foi proferido despacho declarando aberta tal fase processual e delegando no
órgão de polícia criminal competente a inquirição das testemunhas indicadas pelas arguidas. Realizada tal inquirição, procedeu-se a debate instrutório, tendo, nesse momento, as arguidas suscitado a nulidade processual que entendiam decorrer do facto de lhes não ter sido notificada a data em que se realizou, perante a GNR, a inquirição de tais testemunhas.
3. Inconformados com a decisão que indeferiu tal nulidade, recorreram as arguidas para a Relação de Coimbra, que proferiu acórdão que, na parte ora relevante, tem o seguinte teor:
'(...) Assim, a única questão colocada em recurso é a de saber se – como é pacífico ter acontecido nos autos – a ausência do arguido e do seu defensor, nos actos de instrução, por si requeridos, ausência essa motivada, pela falta da respectiva notificação para aqueles actos, constitui ou não nulidade, a qual a existir tornaria os actos realizados inválidos, bem como os que dele dependam e afectados ficam, designadamente, o debate e a respectiva decisão instrutória. Estabelecem a alínea c), do art. 119º, do CPPenal, que constitui nulidade insanável a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir tal comparência, a al. d) do nº 2, do mesmo Código, que constitui nulidade relativa a insuficiência... da instrução... e o nº 2 do art. 118º, também daquele Código, que, nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular. Cumpre, por isso, saber se a ocorrência em causa – ausência das arguidas e seu defensor, nos actos de inquirição de testemunhas, por si requeridos, em sede de instrução, por não terem sido notificados, para aquele efeito – constitui ou não ilegalidade, que possa e deva caracterizar-se, a qualquer daqueles títulos, a fim de serem daí extraídas as respectivas consequências legais, nos termos dos artºs 122º e 123º, daquele Código. Importa, pois, saber se a lei exige ou não a comparência do arguido e seu defensor em tais casos (inquirição de testemunhas), na fase processual em causa
(instrução). Mas não se vislumbra tal exigência na lei. Com efeito, começando por analisar os preceitos de matriz constitucional consagrados a propósito desta matéria em concreto, verifica-se que o nº 5, do art. 32º da CRP, dispõe que o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instructórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório. O princípio do contraditório consubstancia-se no direito-dever de o juiz ouvir as razões das partes (acusação e defesa) em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir decisão, bem como no direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afectados pela decisão e, em particular, no direito do arguido de intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo – cfr. G. Canotilho e V. Moreira, Constituição da República Anotada, 206. Mas do exposto decorre que a Lei Fundamental não sujeita ao referido princípio do contraditório todos os actos de instrução, ao contrário do que sucede com os actos de audiência de julgamento, sendo que cabe ao legislador ordinário definir os actos instrutórios que àquele princípio deverão ficar submetidos – cfr. o Ac. do Tribunal Constitucional nº 434/87, de 4.11.87, publicado no DR, II, nº 19, de
23.01.88. Ora, das normas constantes do CPPenal, designadamente das inseridas no seu livro VI, Título III, Da Instrução, resulta que o legislador apenas submeteu ao referido princípio do contraditório os actos instrutórios atinentes ao debate e
às declarações para memória futura – cfr. art.s 289º, 294º e 297º. Assim sendo, ter-se-á de concluir que os actos instrutórios ora em causa – inquirição de testemunhas – não estão sujeitos ao princípio do contraditório, a significar que, no caso em apreciação, a falta de notificação das arguidas e seu defensor para a realização de tais actos e a sua ausência dos mesmos não constitui ilegalidade de qualquer dos aludidos tipos (...).'.
4. É desta decisão que vem interposto, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art.
70º da LTC, o presente recurso de constitucionalidade. Pretendem as recorrentes ver apreciada a inconstitucionalidade dos artigos 57º e 61º, nº 1, alíneas a) e f) do Código de Processo Penal, no entendimento que lhes deu a decisão recorrida, por alegada violação do disposto no artigo 32º da Constituição.
5. Já neste Tribunal foram as Recorrentes notificadas para alegar, o que fizeram, tendo concluído nos seguintes termos:
'I – O princípio de defesa e do contraditório consagrado no art. 32º da Constituição da República Portuguesa, designadamente, nos seus artigos 1, 3 e 5, tem expressão nos artigos 57º e 61º, nº 1, alíneas a) e f) do Código de Processo Penal: II – Devendo ser assegurado ao arguido o direito de estar presente e intervir nos actos de prova produzidos em instrução, designadamente, de prova testemunhal; III – Para cujo exercício e garantia devem ser previamente notificados do dia, hora, local e entidade perante a qual hão-de ter lugar; IV – No caso dos autos, nunca foi notificada às recorrentes ou ao seu defensor a realização dos actos de produção de prova em instrução, assim ficando impossibilitadas de exercer aqueles direitos; V – Salvo sempre o devido respeito, o entendimento consagrado nas doutas decisões recorridas de que o disposto nas citadas alíneas a) e f) do nº 1 do artigo 61º e o disposto no art. 57º, ambos do CPP, não confere às recorrentes o referido direito, viola o estabelecido nos citados preceitos constitucionais – o que implica que, nessa perspectiva e entendimento, aquelas normas são inconstitucionais'.
6. Notificado para responder, querendo, às alegações das recorrentes, disse, a concluir, Ministério Público:
'1º - Não tendo a decisão recorrida aplicado as normas especificadas pelo recorrente como integrando o objecto do recurso de fiscalização concreta que interpôs – e não sendo, aliás, o conteúdo de tais normas de relevo decisivo para a dirimição da questão de direito suscitada – não deve conhecer-se do presente recurso de constitucionalidade;
2º - Não padece de inconstitucionalidade, por violação do nº 5 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação das normas constantes dos artigos 289º e 290º do Código de Processo Penal, traduzida em dispensar a participação do arguido e seu defensor em acto de inquirição de testemunhas, cometido pelo juiz à autoridade policial, sendo facultado ao arguido, no decurso do debate instrutório, plena oportunidade para aceder ao conteúdo integral das declarações prestadas, podendo questioná-las e requerer a produção de quaisquer provas indiciárias complementares que se revelem necessárias e pertinentes aos fins da fase de instrução – o que sempre determinaria a improcedência do recurso'.
7. Notificadas as Recorrentes para se pronunciarem sobre a questão prévia suscitada pelo Ministério Público, pelas mesmas foi dito:
'1 –Salvo sempre o devido respeito pela opinião contrária, as Recorrentes estão convencidas que indicaram correctamente as normas que consideraram violadas no douto acórdão recorrido, pois;
2 – Reportando-se aos fundamentos daquele douto acórdão, bem como da douta decisão proferida em primeira instância, evidenciaram que os mesmos – pressupondo, como não podem deixar de pressupor e ter presente – o disposto nos Art.s 57º e 61º, nº 1, alíneas a) e f) do Código de Processo Penal, fizeram-no, todavia, interpretando e entendendo estas normas de forma que ofende o disposto no Art. 32º da Constituição da República Portuguesa'.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir. II – Fundamentação.
7. Questão prévia. Admissibilidade do recurso.
7.1. O recurso previsto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional pressupõe, além do mais: a) que o recorrente tenha suscitado, durante o processo e de forma processualmente adequada, a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica
- ou de uma sua interpretação normativa -; b) que, não obstante, a decisão recorrida a tenha efectivamente aplicado, como ratio decidendi, no julgamento do caso. In casu, é certo que as recorrentes suscitaram durante o processo - concretamente nas alegações de recurso que apresentaram junto do Tribunal da Relação de Coimbra - a inconstitucionalidade dos artigos 57º e 61º, nº 1, alíneas a) e f) do Código de Processo Penal, quando interpretados em termos de considerar que não conferem ao arguido e ao seu defensor o direito de estar presente e intervir nos actos de inquirição de testemunhas por si arroladas, a realizar na fase de instrução, que hajam sido delegados pelo juiz nos órgãos de polícia criminal. Controvertido é apenas que a decisão recorrida tenha efectivamente aplicado no julgamento do caso, como ratio decidendi, os preceitos invocados pelas recorrentes como objecto do recurso. De facto, na opinião do Exmº Procurador-Geral Adjunto, não foram essas as normas aplicadas pela decisão recorrida - que não lhes faz, aliás, qualquer referência
- como fundamento da improcedência do recurso, mas, antes, as relativas ao regime das nulidades e irregularidades dos actos processuais (maxime os artigos
119º, alínea c); 118º, nº 2; 122º e 123º), bem como as relativas ao 'regime consistente em o legislador apenas ter submetido ao princípio do contraditório os actos de instrução atinentes ao debate instrutório e às declarações para memória futura' (decorrente do estatuído nos artigos 289º, 294º e 297º do CPP). Acresce, ainda na opinião daquele Magistrado, que os preceitos invocados pelas recorrentes 'não têm sequer, no seu efectivo e real teor, qualquer conexão relevante com a problemática em questão'. Em suma: na opinião do Ministério Público não só aqueles preceitos não foram expressamente aplicados pela decisão recorrida como constituindo o seu fundamento normativo, como nunca o poderiam ter sido, porquanto nenhuma conexão têm com a específica questão jurídica controvertida. Vejamos.
7.2. Os artigos 57º e 61º, nº 1, alíneas a) e f) do Código de Processo Penal, dispõem da seguinte forma:
'Artigo 57º
(Qualidade de arguido)
1. Assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida a acusação ou requerida a instrução num processo penal.
2. A qualidade de arguido conserva-se durante todo o decurso do processo.
3. É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo seguinte.
Artigo 61º
(Direitos e deveres processuais)
1. O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e, salvas as excepções da lei, dos direitos de: a. Estar presente aos actos processuais que directamente lhe digam respeito; b. (...); c. (...); d. (...); e. (...); f. Intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurem necessárias; g. (...); h. (...).
2. (...);
3. (...).'
É certo - e, neste ponto, tem razão o Ministério Público - que o acórdão recorrido não convoca expressamente como fundamento normativo da decisão nenhum dos artigos supra referidos. Porém, como este Tribunal tem afirmado repetidamente, a aplicação de uma norma pela decisão recorrida, em termos de poder ser objecto do recurso de constitucionalidade, não tem que ser expressa, podendo ser implícita. Sustenta, contudo, o Ministério Público, que in casu nem sequer se pode concluir que essas normas foram implicitamente aplicadas pela decisão recorrida porquanto, no seu entender, elas 'não têm sequer, no seu efectivo e real teor, qualquer conexão relevante com a problemática em questão'.
7.3. Pois bem, cremos que, neste ponto, apenas assiste razão ao Ministério Público na parte em que se refere ao artigo 57º do Código de Processo Penal. Já não, como veremos, no que se refere ao preceituado no artigo 61º, nº 1, alíneas a) e f) do mesmo diploma. De facto, não estando em causa que as ora recorrentes assumiam, na fase de instrução, a qualidade de arguidas, não se compreende efectivamente a convocação do artigo 57º do Código Penal como objecto do recurso. É que, não foi por não reconhecer às recorrentes a qualidade de arguidas que o Tribunal entendeu que estas não tinham o direito processual a estar presentes e intervir nos actos de inquirição de testemunhas por si arroladas, a realizar na fase de instrução. O Tribunal entendeu, pelo contrário, que estas não tinham o direito processual que reclamam, não obstante assumirem naquela fase processual, precisamente nos termos daquele artigo 57º, a qualidade de arguidas. Tem pois de concluir-se que o artigo 57º do Código de Processo Penal não foi efectivamente aplicado, nem sequer implicitamente, pela decisão recorrida, como fundamento normativa da decisão de não reconhecer às recorrentes o direito processual de estar presentes e intervir nos actos de inquirição de testemunhas por si arroladas, a realizar na fase de instrução.
7.4. O mesmo já não se passa, contudo, no que se refere ao disposto no artigo
61º, nº 1, alíneas a) e f) do Código de Processo Penal. Ao contrário do que sustenta o Ministério Público esta norma, que se refere aos direitos e deveres processuais do arguido, tem efectivamente uma conexão relevante com a questão jurídica em discussão. Estando em causa a questão de saber se as arguidas tinham o direito processual a estar presentes e intervir nos actos de inquirição de testemunhas por si arroladas, a realizar na fase de instrução, que hajam sido delegados pelo juiz nos órgãos de polícia criminal, não pode deixar de ser convocado o preceito que precisamente se refere aos direitos processuais do arguido. A conclusão de que o preceito em causa, designadamente as alíneas a) e f) do seu nº 1, não atribuem às arguidas aquele direito, traduz ainda uma interpretação normativa dessas alíneas, precisamente a que as recorrentes questionam. De facto, tendo as recorrentes invocado como base legal do direito processual que reclamam o disposto nas alíneas a) e f) do nº 1 do artigo 61º do Código de Processo Penal, referindo-se essas alíneas a direitos processuais do arguido e sendo susceptíveis de uma interpretação normativa que considere que nelas se prevê o direito processual que as recorrentes reclamam – porque o seu teor literal o permite –, há-de reconhecer-se que esse preceito foi efectivamente aplicado pela decisão recorrida e precisamente com o sentido normativo que as recorrentes reputam de inconstitucional e que supra já identificámos.
8. Julgamento do objecto do recurso. A alegada inconstitucionalidade do artigo
61º, nº 1, alíneas a) e f) do Código de Processo Penal, por violação do disposto no artigo 32º, nº 5 da constituição.
8.1. Sustentam as recorrentes que as alíneas a) e f) do nº 1 do artigo 61º do Código de Processo Penal, quando interpretadas em termos de considerar que não conferem ao arguido e ao seu defensor o direito de estar presente e intervir nos actos de inquirição de testemunhas por si arroladas, a realizar na fase de instrução, que hajam sido delegados pelo juiz nos órgãos de polícia criminal, são inconstitucionais, designadamente por violação do princípio do contraditório consagrado no artigo 32º, nº 5, da Constituição. Vejamos. Acerca do conteúdo essencial do princípio do contraditório escreveu-se logo no parecer da Comissão Constitucional nº 18/81 (Pareceres da Comissão Constitucional, 17º vol., pp. 14 e ss.) e, mais tarde, em vários acórdãos deste Tribunal (cfr., designadamente os acórdãos nºs 434/87 e 172/92, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 10º vol. pp. 502 e 503, 22º vol., p. 350 e 351, respectivamente) que ele está, 'em que nenhuma prova deve ser aceite na audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar'. Já sobre a extensão processual do princípio do contraditório dispõe o nº 5 do artigo 32º da Constituição que a ele está subordinada a audiência de julgamento, bem como os actos instrutórios que a lei determinar. A Constituição remete assim para a lei ordinária a tarefa de concretização dos actos intrutórios que hão-de ficar subordinados ao princípio do contraditório. A este propósito, escreveu-se no Acórdão nº 434/87 (já citado) 'Na determinação dos actos instrutórios que hão-de ficar subordinados ao princípio do contraditório goza, assim, o legislador de grande liberdade. Ele só não pode esquecer que o arguido tem de ser sempre respeitado na sua dignidade de pessoa, o que implica ser tratado como sujeito do processo, e não como simples objecto da decisão judicial. Ou seja, tem sempre de ter presente que o processo criminal há-de ser a due processo of law, a fair process, onde o arguido tenha efectiva possibilidade de ser ouvido e de se defender, em perfeita igualdade com o Ministério Público. É que, como adverte Eduardo Correia, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 114º, p. 365, o princípio do contraditório se traduz «ao menos, num direito à defesa, num direito a ser ouvido».
8.2. Pois bem, em face do que antecede, a pergunta relevante é então a de saber se a interpretação normativa que a decisão recorrida fez das alíneas a) e f) do nº 1 do artigo 61º do Código de Processo Penal - considerando não ser obrigatória a presença do arguido e do seu defensor nos actos de inquirição de testemunhas por si arroladas, a realizar na fase de instrução, que hajam sido delegados pelo juiz nos órgãos de polícia criminal - obsta ou não a que o processo criminal se mantenha como um due processo of law, a fair process, (para utilizar-mos as palavras do Acórdão nº 434/87), onde o arguido tenha efectiva possibilidade de ser ouvido e de se defender, em perfeita igualdade com o Ministério Público, num momento prévio a qualquer decisão que o possa afectar. Cremos, efectivamente, que não. Sublinhe-se, neste momento, que ao Tribunal Constitucional não compete decidir se estamos ou não em face de uma boa solução legislativa (solução que, aliás, já foi em parte alterada, uma vez que o artigo 290º, nº 2 do Código de processo Penal proíbe hoje expressamente ao juiz de instrução a delegação nos órgãos de polícia criminal dos actos de inquirição de testemunhas) mas, apenas, decidir se essa solução legislativa está ou não de acordo com a Constituição e, no caso concreto, se se situa ou não ainda dentro dos limites impostos pelo contraditório. O núcleo essencial do princípio do contraditório, tal como vem sendo definido pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, não será, in casu, afectado, na medida em que ao arguido e ao seu defensor seja garantido o direito de, num momento prévio à decisão instrutória, se pronunciar e contraditar os depoimentos em causa.
É o que acontece. Na situação que agora é objecto dos autos, tal direito (ao contraditório), encontra-se efectivamente garantido no seu núcleo essencial, sendo apenas – como, bem, nota o Ministério Público – diferido o momento do seu exercido. Efectivamente, o respeito pelo contraditório é aqui garantido não apenas pelo facto de o arguido e o seu defensor puderem ter acesso integral aos depoimentos prestados, que são obrigatoriamente reduzidos a escrito, mas, fundamentalmente, pelo facto de, nos termos do artigo 302º, nº 2, do Código de Processo Penal, o defensor do arguido poder, no início do debate instrutório, contraditar o teor das declarações anteriormente prestadas pelas testemunhas ouvidas pela GNR, podendo inclusivamente requerer a produção de prova indiciária suplementar
(incluindo mesmo, se necessário, uma nova inquirição daquelas testemunhas) que considere pertinente.
III - Decisão Por tudo o exposto, decide-se: a) não conhecer do objecto do recurso, na parte em que se pretende ver apreciada a inconstitucionalidade do artigo 57º do Código de Processo Penal; b) não julgar inconstitucional, designadamente por violação do artigo 32º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, o disposto no artigo 61º, nº 1, alíneas a) e f) do Código de Processo Penal, quando interpretados em termos de considerar que não conferem ao arguido e ao seu defensor o direito de estar presente e intervir nos actos de inquirição de testemunhas por si arroladas, a realizar na fase de instrução, que hajam sido delegados pelo juiz nos órgãos de polícia criminal; c) em consequência, negar provimento ao recurso. Condena-as cada uma das recorrentes em custas, fixando-se a taxa de justiça em
10 (dez) U.C. para cada uma. Lisboa, 12 de Julho de 2000 José de Sousa e Brito Messias Bento Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, nos termos da declaração junta) Luís Nunes de Almeida (vencido, nos termos da declaração de voto da Exmª Consª. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Declaração de voto Votei vencida quanto à al. b), no essencial, porque considero que a norma impugnada viola o direito de defesa do arguido, consagrado no nº 1 do artigo 32º da Constituição. Em meu entender, não é – ou não é fundamentalmente, pelo menos
– o princípio do contraditório que está em causa. A verdade, todavia, é que esse contraditório a posteriori é exercido relativamente a depoimentos cuja emissão e redução a escrito não pode, irremediavelmente, ser verificada pelo arguido e pelo seu defensor, o que restringe de forma inaceitável os seus direitos de defesa. Com efeito, fica definitivamente fora do seu alcance verificar a formulação das perguntas, acompanhar a forma como as testemunhas lhes respondem e conhecer da correspondência entre os depoimentos prestados e o relato escrito que lhes é, depois, apresentado. A possibilidade de, no debate instrutório, poder contrariar o conteúdo desses depoimentos ou a fidedignidade da sua reprodução escrita fica, senão impedida, pelo menos, seriamente afectada; no fundo, a inquirição de testemunhas, durante a instrução, nos termos permitidos pela norma impugnada, equivale à repetição do inquérito, assim sendo desrespeitadas as garantias de defesa do arguido. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza