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Proc. nº 623/00 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - Notificada do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que, com invocação do disposto nos artigos 713º nº 5 e 726º do Código de Processo Civil e remetendo para a fundamentação do acórdão então impugnado, negou a revista que ela requerera, ML, com os sinais dos autos, veio arguir a nulidade do mesmo acórdão e, simultaneamente, pedir a sua aclaração.
Na respectiva peça processual disse, em síntese, a recorrente que:
- Não se podia aplicar a norma do artigo 713º nº 5 do CPC por as conclusões das alegações de recurso para o STJ serem diferentes das que constavam das alegações de recurso para a relação, tendo naquele suscitado questões que o STJ deveria ter apreciado;
- Fora cometida uma ilegalidade 'por ao acórdão faltar a devida fundamentação e, por isso, violar o nº 1 do artigo 205º da Constituição da República, conjugado com o artigo 158º do Cód. Proc. Civil e, se aquele comando permitir um tamanho absurdo, não pode deixar de ser inconstitucional' (sic).
Por acórdão de 20/6/200, o STJ indeferiu a reclamação com o fundamento de que não fora cometida qualquer nulidade, pois as questões suscitadas haviam já sido decididas no acórdão recorrido, sendo lícito remeter para os fundamentos desse aresto e não enfermando o artigo 713º nº 5 do CPC de inconstitucionalidade, tal como o Tribunal Constitucional o decidira já no Acórdão nº 151/99.
Interpôs então a recorrente recurso para este Tribunal, ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da Lei nº 28/82, para apreciação da questão da constitucionalidade das normas contidas nos artigos 713º nº 5 e 726º do CPC que violariam o disposto nos artigos 20º e 205º da Constituição da República Portuguesa.
O recurso não foi admitido pelo despacho de fls. 437 com o fundamento no facto de a questão de constitucionalidade não ter sido suscitada durante o processo, não sendo momento adequado para o fazer a reclamação por nulidade ou o pedido de aclaração; a decisão em causa não se configurava como decisão-surpresa, sendo previsível o uso da faculdade conferida pelos citados normativos do CPC.
É deste despacho que vem deduzida a presente reclamação
Nela sustenta a reclamante, em síntese, que não poderia ter suscitado a questão de inconstitucionalidade antes de proferido o acórdão que negou a revista, pois só então a norma ou normas em causa foram aplicadas, razão por que o recurso deverá ser admitido.
O Exmo Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação, muito embora admitindo a verificação do requisito de admissibilidade do recurso que o despacho reclamado entendeu como não preenchido; a reclamação deveria ser indeferida por o recurso ser manifestamente infundado, considerando o decidido quanto à questão de constitucionalidade nos Acórdãos nºs 151/99, 123/00 e 232/00.
Ouvida sobre a questão suscitada pelo Ministério Público, a reclamante defendeu a inconstitucionalidade da norma do artigo 713º nº 5 do CPC, pretendendo, ainda, evidenciar a diferença entre o caso dos autos e o que foi julgado no citado Acórdão nº 151/99 – in casu, no acórdão da Relação recorrido para o STJ não tinham sido apreciadas e resolvidas as questões suscitadas bem como as de conhecimento oficioso, razão por que o recurso para o STJ não se continha nos limites do que fora julgado naquele acórdão.
Cumpre decidir.
2 - Tem razão a reclamante quanto à sua discordância relativamente ao decidido no despacho em causa sobre a oportunidade da suscitação da questão prévia.
Na verdade, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem ressalvado ao princípio segundo o qual o requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da Lei nº 28/82 se preenche com a suscitação da questão de constitucionalidade em fase que permita ao tribunal recorrido dela conhecer, os casos em que, considerando a estratégia processual adoptada, não é exigível para a parte prever a aplicação da norma em causa que, deste modo, surge como decisão surpresa.
Ora, no caso, muito embora a aplicação da norma que permite a fundamentação do julgado por remissão para o acórdão recorrido sempre se pudesse colocar no campo das hipóteses, 'não era previsível para a parte se o Supremo Tribunal de Justiça iria adoptar na decisão do recurso a forma 'normal' ou 'sumária' de fundamentação e julgamento' (citado Acórdão nº 151/99, publicado in Diário da República, II Série, de 5/8/99, que decidiu questão idêntica).
Certo, porém, é que, como se deixou relatado, o Exmo Magistrado do Ministério Público defende que a reclamação deve ser indeferida por a questão de constitucionalidade a decidir ser manifestamente infundada – e aqui com inteira razão – não se suscitando qualquer dúvida, face ao disposto no artigo 76º nº 2 da Lei nº 28/82 que o tribunal 'a quo' podia não ter admitido o recurso com tal fundamento.
Na verdade, todos os acórdãos citados pelo Ministério Público se pronunciaram já, e por unanimidade, no sentido de que a norma em causa não violava a Constituição, maxime os artigos 20º nº 1 e 205º nº 1; e, aderindo ao que neles se disse e se dá aqui por reproduzido, não pode deixar de se reiterar um tal julgamento, configurando-se, pois, como manifestamente infundado o recurso.
Em contrário, não se poderá alegar a diferente perspectiva com que a questão foi equacionada pela reclamante e que, se bem se interpreta as suas reclamação e resposta ao alegado pelo Ministério Público, se traduziria no facto de a norma permitir o não conhecimento de questões que o tribunal 'ad quem' deveria resolver.
Com efeito, se esta era a questão suscitada, ela já não consubstanciava uma questão de constitucionalidade normativa; o que a reclamante punha em causa não era a norma (ou uma sua interpretação) mas a decisão de a aplicar numa situação em que, segundo a mesma reclamante, não era legalmente possível a fundamentação por remissão.
Simplesmente, está fora dos poderes de cognição do Tribunal Constitucional no recurso de constitucionalidade, em fiscalização concreta, apreciar a constitucionalidade das decisões judiciais, como também a justeza ou correcção com que aplicam o direito infra-constitucional quando nelas não está em causa – como, no caso, não está - explícita ou implicitamente, nenhuma interpretação normativa que confronte a norma com a Constituição.
3 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação embora com fundamentação diferente da que apoiou o despacho reclamado.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs.
Lisboa, 12 de Dezembro de 2000- Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa