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Proc. nº 429/99
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - A. recorreu para o Tribunal Constitucional do acórdão de
22 de Abril de 1999, do Tribunal da Relação do Porto, que, confirmando a decisão da 1ª Instância, lhe negou provimento à apelação por si interposta.
Ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, pretendeu o recorrente ver apreciada a constitucionalidade das normas dos artigos 712º, nº 5, in fine, e 718º, nº 1, do Código Civil (CPC), na interpretação que lhes terá sido dada pelo aresto recorrido, em seu entender lesiva do disposto no artigo 13º da Constituição da República (CR).
Neste Tribunal Constitucional entendeu o relator não poder conhecer-se do objecto do recurso pelo que proferiu decisão sumária nesse sentido, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, em 15 de Julho
último.
Aí se escreveu nomeadamente:
“[...]constituem pressupostos de indispensável verificação para a admissão deste tipo de recurso, baseado na alínea b) do nº 1 do artigo 70º daquele diploma legal, entre outros, a da efectiva utilização na decisão impugnada da norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada e, bem assim, que a aplicação dessa norma integre a respectiva ratio decidendi. Ora, se é certo que o recorrente suscitou durante o processo - no sentido funcional que à locução a jurisprudência constitucional lhe dá - problemas de constitucionalidade, não menos exacto é que sempre os reportou às normas dos artigos 712º, nº 5, in fine, e 718º do CPC, que, na realidade, não foram aplicadas no acórdão recorrido. Na verdade, a norma do artigo 718º refere-se à anulação do acórdão da Relação pelo Supremo e não à anulação da decisão da 1ª instância pela Relação. E, de resto, a sua invocação só é pertinente na medida em que se pretende demonstrar a sintonia da norma do nº 5 do artigo 712º com o que dispõe o artigo 718ª (como o revela a conclusão 3ª das alegações para a Relação, a fls. 129 v.). No entanto, a Relação não ordenou a repetição do julgamento para que o Colectivo fundamentasse a resposta dada ao quesito 1º, caso em que teria aplicado o nº 5 do citado artigo 712º. O que a Relação fez foi anular a resposta dada ao quesito 1º, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo nº 4 do artigo
712º. Ou seja, nem a 2ª instância aplicou as normas convocadas pelo recorrente - por este reiteradas no requerimento de interposição do recurso, momento processual idóneo para a fixação do objecto do recurso - nem tão pouco o Colectivo procedeu ao novo julgamento ao abrigo dessas mesmas normas. Assim sendo, só há a concluir que o julgamento não foi repetido, relativamente à matéria de facto, mercê das normas agora impugnadas, não se verificando, em consequência, os assinalados pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade.
É que não está em causa, em recurso desta natureza, a decisão, em si mesma considerada, de modo a obter-se, por via de amparo, a denúncia de violação na aplicação das normas legais pela decisão, mas sim o controlo normativo da constitucionalidade das normas aplicadas na decisão recorrida como seu fundamento normativo.”
E acrescentou-se, ainda, a finalizar que, mesmo admitindo outro entendimento, o recurso configurava-se manifestamente improcedente.
“Não se vê, na verdade [escreveu-se] como é que pode estar em causa, na repetição do julgamento por tribunal que não seja diferente daquele de que se recorre, ‘o princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a lei’, consagrado no artigo 13º da Lei Fundamental. Como, aliás, se observa no acórdão recorrido, após se registar que também não se vê em que medida a repetição do julgamento para esclarecer determinado aspecto da matéria de facto, feita pelo mesmo tribunal, pode postergar esse princípio, ‘a lógica de uma correcta apreciação da matéria de facto passa, precisamente, pela repetição do julgamento pelo mesmo tribunal, atenta a necessidade que a determinou’.”
2. - Com efeito, tendo um primeiro julgamento sido anulado por anterior acórdão da Relação, tendo em conta o disposto no nº 4 do artigo 712º do CPC, o aresto recorrido, a propósito dessa norma, ponderou, a certo passo, que se transcreve:
“A resposta dada a este quesito foi anulada, ao abrigo do artigo 712º, nº 4, do Código de Processo Civil, por se ter considerado que era obscura, tendo-se determinado a repetição do julgamento a fim de se esclarecer a dúvida suscitada. Entende o Apelante que o tribunal se devia ter limitado a esclarecer a dúvida e não recuperar matéria, em sentido positivo, que no primeiro julgamento não se havia provado. Não interessa estar aqui a referir qual foi a resposta ao quesito antes da sua anulação, porque esta funciona ex tunc, tudo se passando como se a resposta não houvesse sido dada. E se não foi dada, nada obsta a que o tribunal responda com um âmbito mais lato do que aquele que havia sido previsto no acórdão que determinou a repetição do julgamento, porque a resposta deve ser em consonância com a prova produzida ex novo. Não faz sentido que o tribunal fique limitado na apreciação da prova ao que anteriormente respondera, quando a resposta foi anulada e tudo se passa como se não existisse.
A segunda parte do referido artigo 712º, nº 4, ao mencionar que a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, tem de, forçosamente, reportar-se às respostas que não hajam sido anuladas e não pode interpretar-se no sentido de se salvaguardar uma parte da resposta objecto de anulação, como se o não houvesse sido. Até a interpretação restritiva pretendida pelo apelante nem sequer se compagina com a possibilidade de ampliação do julgamento a quesitos que não tenham sido anulados, com o fim de evitar contradições na decisão, igualmente consagrada na segunda parte daquele nº 4 [...].”
3. - Não conformado, Armando José Ribeiro reclamou para a conferência - o que fez ao abrigo do disposto no artigo 730º, nº 3, do CPC, aplicável ex vi do preceituado no artigo 69ºda Lei nº 28/82, ou seja, e por outras palavras, à revelia do mecanismo próprio que este último diploma para o efeito contempla para o processo constitucional.
Reitera-se, no entanto - não obstante o reclamante pretender que o Tribunal não apreendeu a “verdadeira questão” que lhe foi posta
- que a Relação, no seu primeiro acórdão, não ordenou a repetição do julgamento com a finalidade de o Colectivo fundamentar a resposta dada ao quesito 1º - caso em que teria aplicado o nº 5 do artigo 712º. A Relação anulou a resposta dada a esse quesito, ao abrigo do disposto no nº 4 do mesmo preceito, por considerar obscura a resposta dada.
Isto é, a Relação não aplicou as normas impugnadas e, por sua vez, o Colectivo procedeu a novo julgamento à luz dessas normas.
É contra a possibilidade do segundo julgamento ser feito pelos mesmos juízes que intervieram no julgamento anulado, tal como se prevê no nº 5, in fine, do artigo 712º, que o reclamante se insurge, por entender que a parte vencida fica colocada “numa situação de manifesta desigualdade e de iniquidade perante a lei”, com violação do disposto nos artigos 13º e 20º, nº 4, da CR.
No entanto, nem as normas objecto de recurso foram aplicadas na decisão recorrida, nem faz sentido, na perspectiva de mérito – mesmo que se entendesse estar em causa uma norma como a do nº 5, in fine, do artigo 712º e que foi essa a questão suscitada -, a imputação das alegadas inconstitucionalidades ao prever-se a repetição da produção da prova pelo mesmo tribunal para obtenção de esclarecimentos sobre determinado aspecto da matéria de facto. Dir-se-ia, ao invés, que a lógica de uma correcta apreciação da matéria de facto - assim pontualmente isolada - passa, precisamente, pela repetição do julgamento com o mesmo tribunal. Não há, nesta perspectiva, qualquer paralelismo com a situação de processo penal, tal como vem invocada pelo reclamante: quer a razão do impedimento decretado pelo artigo 40º do Código de Processo Penal, quer o reenvio previsto nos artigos 426º e 426º-A do mesmo diploma (o reclamante cita o artigo 436º, certamente por lapso) corporizam a intenção do legislador de evitar juízos moldados em pré-compreensões que não se inserem na lógica do esclarecimento pontual da matéria de facto.
Neste último contexto, não pode deixar de funcionar inteiramente o princípio da plenitude da assistência dos juízes, consagrado no artigo 654º do CPC, a implicar que sejam os mesmos os julgadores da matéria de facto a assistir aos actos de instrução e discussão praticados na audiência final, o que se observará sempre que possível (cfr., Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, Coimbra, 1993, pág. 293).
4. - Em face do exposto, julga-se improcedente a reclamação, confirmando-se a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em
15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 2 de Novembro de 1999 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida