Imprimir acórdão
Proc. nº 1003/98
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que figura como recorrente J... e como recorrido o Presidente do Tribunal Central Administrativo, o requerente requereu a concessão do benefício de apoio judiciário.
O apoio judiciário requerido foi indeferido por despacho de fls.
173.
O recorrente reclama agora para a Conferência, sustentando em síntese que não cabe aos tribunais escolher qual é a litigância que dá lugar ao direito ao apoio judiciário. O reclamante sustenta também a violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º, nº 1, da Constituição, e do artigo 76º, nº 1, § 1º, do Regulamento do Processo do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, que determina a possibilidade de assistência judiciária a todo o tempo, em caso de necessidade. Por último, o reclamante requer o reenvio do processo a título prejudicial para o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, para apreciação da compatibilidade da interpretação do artigo 7º, nº
1, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, pressuposta no despacho reclamado, com o disposto no artigo 76º, nº 1, § 1º, do Regulamento do Processo do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, nos termos do artigo 234º, alínea b), do Tratado que institui a Comunidade Europeia.
2. O artigo 234º, alínea b), do Tratado que institui a Comunidade Europeia, na redacção do Tratado de Amesterdão, estabelece que o Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas Instituições da Comunidade ou pelo Banco Central Europeu. O reclamante pretende ver apreciada a validade da interpretação do artigo 7º, nº
1, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, em face do artigo 76º, nº 1, §
1º, do Regulamento do Processo do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.
Em primeiro lugar, sublinhe-se que o Regulamento do Processo do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias tem apenas por objecto a tramitação processual no referido tribunal. Os presentes autos encontram-se a correr termos no Tribunal Constitucional, não tendo, consequentemente, aplicação a lei que regula o processo no Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Desse modo, não se coloca no recurso em apreciação qualquer questão relativa à interpretação do artigo 76º, nº 1, do Regulamento do Processo do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, que consagra os termos do apoio judiciário no respectivo processo, pelo que não teria qualquer cabimento proceder ao reenvio previsto no artigo 234º do mencionado Tratado.
Por outro lado, sempre se dirá que a pretensão do reclamante, tal como surge delineada nos presentes autos, não encontra fundamento na disposição do Tratado que institui a Comunidade Europeia invocada. Com efeito, tal disposição consagra o reenvio a título prejudicial no caso de se colocar uma questão sobre a validade ou sobre a interpretação dos actos adoptados pelas Instituições Comunitárias ou pelo Banco Central Europeu. Não constando a norma questionada (artigo 7º, nº 1, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro) de qualquer acto adoptado pelas Instituições da Comunidade ou pelo Banco Central Europeu, mas sim de um diploma legal (Decreto-Lei) interno a questão suscitada não é configurável como um problema interpretativo de actos adoptados pelas Instituições da Comunidade ou pelo Banco Central Europeu, em ordem a, subsequentemente, avaliar a compatibilidade com aqueles actos de tal norma.
3. O reclamante sustenta, concomitantemente, que o tribunal não pode decidir qual é a litigância que confere o direito ao apoio judiciário.
Ora, no despacho reclamado considerou-se que a situação económica do reclamante não ilustra a falta de meios económicos para custear as despesas normais de uma acção judicial. Foi, no essencial, este o fundamento da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário deduzido.
Assim, entendeu-se que, embora o apoio judiciário não se encontre absolutamente interdito a cidadãos com rendimentos elevados (como é o caso do reclamante), deverá, porém, ser então concedido apenas quando existam factores extraordinários que tornem excessivamente onerosa a utilização dos meios judiciais. Tratou-se, nessa medida, de uma consideração que, não integrando o núcleo essencial do fundamento da decisão reclamada, pretendeu realçar, como mero obiter dictum, que o apoio judiciário também pode contemplar em determinadas circunstâncias (que não são manifestamente as dos autos) cidadãos com um elevado nível de rendimentos.
Não se verifica, pois, qualquer interpretação do nº 1 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, violadora do artigo 20º, nº 1, da Constituição. Na verdade, no despacho reclamado apenas se considerou que um cidadão que aufere um rendimento mensal de 657.742$00 mais 50.000$00 tem capacidade económica para fazer face às despesas do presente processo, não se justificando a concessão do benefício de apoio judiciário, que visa apenas as situações de verdadeira e efectiva necessidade.
Assim, indeferir-se-á a presente reclamação.
4. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide: a. Indeferir o requerido reenvio a título prejudicial para o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias;
b. Indeferir a presente reclamação, confirmando, consequentemente, o despacho de fls. 173.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 10 UCs. Lisboa, 7 de Dezembro de 1999 Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa