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Processo n.º 296/2012
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A., foi proferida decisão sumária de não conhecimento do objeto do recurso com os seguintes fundamentos:
3. O recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos termos do qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Não se encontrando o Tribunal Constitucional vinculado pela decisão que admitiu o recurso, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 76.º LTC, entende-se não se poder conhecer do objeto do mesmo, sendo caso de proferir decisão sumária, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A do mesmo diploma.
Não obstante se indicar formalmente como objeto do recurso a interpretação dada pela decisão recorrida aos artigos 134.º e 340.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, é manifesto que o que o recorrente realmente pretende controverter é, em substância, o próprio juízo concretamente efetuado sobre a utilidade da realização de diligências de prova por ele requeridas.
Ora, inexistindo entre nós a figura do recurso de amparo ou outra equivalente, não tem o Tribunal Constitucional competência para conhecer de recurso que tenha como objeto não uma questão de constitucionalidade normativa mas a própria decisão judicial.
Tanto basta para que se não possa conhecer do presente recurso de constitucionalidade.
2. Notificado dessa decisão, A. veio reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), com os seguintes fundamentos:
“1.º O presente recurso — cuja amplitude seria substancialmente mais vasta contribuindo certamente para um melhor esclarecimento sobre a matéria controvertida quanto à interpretação das normas imputadas de inconstitucionalidade — veio limitado à questão respeitante à admissão de meios de prova em processo penal e amplitude do poder discricionário do juiz para os rejeitar por ser esta a matéria ainda com pertinência e relevância para o bom julgamento do crime público sobrevivente, vista a indesejável 1 prescrição do procedimento criminal pelos crimes particulares acusados.
2.º E, na modesta opinião do recorrente, a vinculação temática deste seu objeto mostra-se suscitada adequadamente, não só nos termos do requerimento de interposição como também ao longo do processado antecedente.
3.º Pois que, convocando-se um conjunto de preceitos adjetivos concomitantes na regulação da prova em processo penal, seus meios admissíveis e sua apreciação pelas instâncias, elenca toda uma panóplia de modos de a efetuar que, coincidindo com a prova rejeitada pelo tribunal de 1.ª instância de onde se vem, não reduz à matéria fáctica dos autos e correspondente aplicação do Direito, o âmbito da sua abrangência, podendo mesmo o recorrente apresentar semelhante recurso, nos mesmos e precisos termos em alguns outros processos que teria sustentação em erros interpretativos semelhantes, até no âmbito de ação do mesmo tribunal aqui recorrido.
4.º O recorrente limita-se, ante a necessária demonstração da utilidade do recurso - sem a qual não seria de admitir - a elencar algumas das formas de rejeição de vários tipos de provas que, no entender desse tribunal, são de não admitir, por fatores diversos que, tanto quanto possível e utilizando a experiência resultante da supra invocada prática processual, se referiram sucintamente.
5.º Não podendo confundir-se a especificação de algumas práticas processuais e correspondentes decisões coincidentes com as dos presentes autos criminais com o apontado vício de errada interpretação normativa que preside e sustenta o recurso a apreciar na vertente da sujeição à imperatividade do Direito aplicável.
6.º E, data venha, criticar a interpretação dada pelo Tribunal a quo não é o mesmo que atacar as decisões, mesmo que para aquele desiderato se tenham que utilizar os exemplos extraídos dessas decisões.
7º Assim, as questões jurídicas suscitadas no recurso apresentado ao subido juízo deste Tribunal Constitucional são pertinentes, úteis, necessárias e relevantes quer na vertente da admissibilidade de provas quer no que tange ao poder discricionário do juiz - que não deve ser arbitrário - carecendo de apreciação adequada e decisão consentânea, até por terem implicações em direitos, liberdades e garantias, com tutela constitucional, não se antolhando sequer na escassa fundamentação da decisão sumária sub judice as razões que puderam conduzir à decisão sindicada”.
3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional veio dizer o seguinte:
“1º
Pela Decisão Sumária n.º 247/2012, não se tomou conhecimento do recurso porque o recorrente no requerimento de interposição do recurso não enunciava uma questão de inconstitucionalidade normativa, pretendendo, antes, controverter o próprio juízo concretamente efetuado sobre a utilidade da realização de diligências de prova por ele requeridas.
2º
Ora, parece-nos evidente a inverificação daquele requisito de admissibilidade do recurso.
3º
Na reclamação agora apresentada, o recorrente nada de relevante diz que possa abalar o fundamento da decisão reclamada.
4º
Aliás, continua a desconhecer-se em absoluto, qual a questão de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada.
5º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.”
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Através da decisão sumária ora reclamada, o Tribunal Constitucional decidiu não conhecer do objeto do recurso com fundamento na sua inidoneidade, na medida em que o que o recorrente realmente pretende controverter é, em substância, o próprio juízo concretamente efetuado sobre a utilidade da realização de diligências de prova por ele requeridas.
Na reclamação apresentada, o reclamante afirma que assim não é, sustentando que o conjunto de preceitos adjetivos concomitantes na regulação da prova em processo penal, seus meios admissíveis e sua apreciação pelas instâncias não se reduz à matéria fáctica dos autos e correspondente aplicação do Direito, sendo suscetível de uma aplicação generalizada em outros processos.
No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, o recorrente, ora reclamante, delimitou o objeto do recurso do seguinte modo:
“Para apreciação da inconstitucionalidade das normas contidas nos art.ºs 1 34.º e 340.º, n.º 4, aplicadas na decisão recorrida bem como das que lhe são concomitantes e complementares, devendo ter sido tidas em consideração e aplicadas, as dos art.ºs 7.º, 1 24.º, n.º 1, 1 25.º, 1 26.º, 1 28.º, 1 29.º, 131., 1 60.º, n.º 1, e 340.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Penal, na interpretação imperfeitamente expressa mas subentendida no próprio sentido da decisão de que, em suma, a realização de diligências de prova cabe no juízo de discricionariedade do tribunal fazendo imperar um critério de proporcionalidade que afasta a possibilidade de se convocar e inquirir testemunhas residentes no estrangeiro se estas têm a faculdade legal de não prestarem depoimento, assim como a mera possibilidade de ser necessária a acareação entre sujeitos processuais, necessariamente com presença física, e ainda de uma invocada, mesmo que não provada, situação de doença ou de se desconhecer a razão de ciência da potencial testemunha, não basta para justificar essa convocatória, tampouco a perícia à personalidade do arguido se extrai a esse poder discricionário, assim confundido com arbitrariedade ao fazer recair a possibilidade da sua realização sobre necessidades processuais para aplicação de medidas de coação ou de medida da pena”.
Ora, é manifesto que o que o recorrente realmente pretende controverter é, em substância, o próprio juízo concretamente efetuado sobre a utilidade da realização de diligências de prova por ele requeridas, ligado irremediavelmente a particularidades específicas do caso concreto, e não propriamente o critério normativo que lhe esteja subjacente.
A circunstância de as mesmas vicissitudes respeitantes à produção de prova poderem verificar-se em outros processos não é de molde a conferir normatividade à questão que integra o objeto do recurso de constitucionalidade, para tanto tendo de resultar claramente da decisão recorrida que o juízo concretamente efetuado se baseou em um determinado critério normativo, sendo que é da conformidade com a Constituição deste último, e não do primeiro, que caberá ao Tribunal Constitucional apreciar.
III – Decisão
5. Nestes termos, decide-se indeferir a reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 27 de junho de 2012.- Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão.