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Processo n.º 107/99
2ª Secção Relator - Paulo Mota Pinto
Acordam em conferência do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. M... e I... interpuseram recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Novembro de 1998, pelo qual, com fundamento na falta de legitimidade das requerentes, se não tomou conhecimento da arguição de nulidade do acórdão desse Supremo Tribunal com data do dia 8 de Julho de
1998. Este último aresto, por sua vez, havia decidido não conhecer de recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, interposto pelo Ministério Públco a requerimento das referidas recorrentes, com fundamento na intempestividade da sua interposição. Segundo o acórdão recorrido, de 4 de Novembro de 1998:
'(...) Sobre a questão da legitimidade das requerentes, para intervir, neste recurso extraordinário, já se formou caso julgado formal. Com efeito, o Acórdão de 22 de Abril de 1998, a fls. 170/173, já transitado em julgado, decidiu, exactamente, no sentido de que, dado o disposto no art.º 669º, do Código de Processo Penal de 1992, as requerentes não tinham legitimidade para intervir. Logo, agora nada mais resta que, com esse preciso fundamento, não conhecer da arguição em causa e determinar o desentrenhamento e entrega do respectivo requerimento às requerentes. Termos em que, por ter sido já decidido, definitivamente, que as requerentes não têm legitimidade para intervir, neste processo, acordam em não conhecer da arguição de nulidade, por elas apresentada.' Por despacho proferido a fls. 205 e segs. dos autos, o juiz-conselheiro relator do processo no Supremo Tribunal de Justiça não admitiu o recurso de constitucionalidade, por entender que elas 'carecem, manifestamente, de legitimidade, face ao que preceituam os art.ºs 72º, n.º 1, al. b), da Lei n.º
28/82, de 15 de Setembro [rectius, Novembro], 680º, n.º 2, do Código de Processo Civil, e 647º, do Código de Processo Penal de 1929.'
2. É contra este despacho que vem apresentada a presente reclamação, com os seguintes fundamentos:
'[...]
11 – As ora recorrentes entendem que o princípio constitucional do acesso ao Direito e aos Tribunais impõe o direito ao recurso daqueles que são directa e efectivamente prejudicados por uma decisão judicial proferida, ainda que não sejam partes principais nesse processo judicial. O direito ao recurso há-de abranger, por maioria de razão, o direito a arguir a nulidade das decisões proferidas. Tal direito está consagrado no art. 680º n.º 2 do C.P.C., o qual se entende dever aplicar subsidiariamente ao processo penal. O entendimento dado a qualquer norma processual, designadamente às que se referiram no requerimento acima transcrito, no sentido de não admitir tal direito é inconstitucional pelas razões já supra mencionadas.
12 – O S.T.J., no seu douto acórdão de 4/11/98, entendeu interpretar as normas processuais aplicáveis no sentido de que às recorrentes não assistia tal direito, por falta de legitimidade. A questão do recurso para o T.C. tem a ver com a constitucionalidade ou não de tal entendimento.
13 – Assim sendo, não é curial não admitir tal recurso com base em tal falta de legitimidade, uma vez que a questão da legitimidade em apreço, em face dos princípios constitucionais invocados é exactamente o tema do recurso.
14 – O S.T.J. não admitiu o recurso pelo mesmo fundamento pelo qual não admitiu a arguição da nulidade do acórdão precedente. Isto é, o S.T.J. não retira do princípio constitucional em apreço, quando interpreta as norma processuais em causa, o mesmo entendimento das recorrentes. Só que, na modesta opinião das recorrentes, tal entendimento do S.T.J. viola o princípio constitucional que foi invocado e cuja inconstitucionalidade fora atempadamente suscitada'. Foi dada vista do processo ao Ministério Público, tendo-se o Ex.mo Procurador--Geral Adjunto em funções neste Tribunal pronunciado no sentido da improcedência da reclamação. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
3. As reclamações sobre rejeição dos recursos intentados para o Tribunal Constitucional destinam-se a verificar uma eventual preterição da devida reapreciação, pelo Tribunal Constitucional, de uma questão de constitucionalidade. Assim, não importa apenas apreciar a fundamentação do despacho de indeferimento do recurso, mas também o preenchimento dos requisitos do recurso de constitucionalidade que se pretendeu interpor. O despacho reclamado, de não admissão do recurso de constitucionalidade, teve como fundamento a ilegitimidade das recorrentes, ora reclamantes, para o interpor, sendo certo, todavia, que tal pretendido recurso tinha justamente por objecto a apreciação da constitucionalidade de normas processuais segundo as quais as reclamantes não dispunham de legitimidade para intervir no processo – mais precisamente, para arguir a nulidade do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1998, proferido na sequência de recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência deduzido pelo Ministério Público a requerimento das reclamantes. Antes de abordar a questão da legitimidade das recorrentes para interpor o recurso de constitucionalidade, que serviu de base ao despacho reclamado – e sendo claro, além disso, que não importa no quadro da presente reclamação proferir pronúncia sobre a questão, de fundo, da constitucionalidade de normas processuais que não reconhecem às reclamantes legitimidade para arguir a nulidade de decisão relativa a recurso interposto, embora a seu pedido, pelo Ministério Público –, suscita-se uma outra questão prévia, de que não se pode deixar de tratar: a da tempestividade da própria reclamação.
4. Resulta dos autos que o despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade foi proferido em 2 de Dezembro de 1998, e que nesse mesmo dia (Quarta-feira) foram expedidas as cartas registadas dirigidas aos mandatários das assistentes no processo principal, (fls. 208 e 208 v.). Nos termos do n.º 2 do artigo 254º do Código de Processo Civil, a notificação presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou, como é o caso, no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja – isto é, na Segunda-feira, dia 7 de Dezembro, contando-se a partir de então o prazo de 10 dias para interposição da reclamação, nos termos do n.º 2 do artigo 688º do Código de Processo Civil (aplicável por remissão do artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional). Nos termos do n.º 1 do artigo 144º do Código de Processo Civil tal prazo é contínuo, embora se suspenda durante as férias judiciais, as quais correram entre 22 de Dezembro de 1998 e 3 de Janeiro de 1999 (v. o artigo 10º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais à data em vigor). Assim, o prazo para apresentação da reclamação contra o indeferimento do recurso no Supremo Tribunal de Justiça esgotava-se em 18 de Dezembro de 1998, Sexta-feira. Todavia, apesar de o prazo para a interposição da reclamação expirar antes do início das férias judiciais, a reclamação só deu entrada no Supremo Tribunal de Justiça no dia 5 de Janeiro, Terça-feira, como resulta do respectivo registo. Foi tal acto de interposição da reclamação praticado, portanto, no terceiro dia
útil subsequente ao termo do prazo (considerando que 19 de 20 de Dezembro foram respectivamente sábado e domingo e que as férias judiciais correram entre 22 de Dezembro de 1998 e 3 de Janeiro de 1999). Ora, nos termos do artigo 145º, n.º 5, do Código de Processo Civil:
'Independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa de montante igual a um oitavo da taxa de justiça que seria devida a final pelo processo, ou parte do processo, se o acto for praticado no primeiro dia, de um quarto da taxa de justiça, se o acto for praticado no segundo dia, ou de metade da taxa de justiça, se o acto for praticado no terceiro dia, não podendo, em qualquer dos casos, a multa exceder 5 UC.' Segundo o n.º 6 do mesmo artigo, por sua vez:
'Praticado o acto em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notificará o interessado para pagar multa de montante igual ao dobro da mais elevada prevista no número anterior, sob pena de se considerar perdido o direito de praticar o acto, não podendo, porém, a multa exceder 10 UC.' Ora, consultando os autos, verifica-se que a multa prevista no artigo 145º, n.º
5, do Código de Processo Civil, de cujo pagamento fica dependente a validade do acto praticado para além do termo do prazo legal, não foi paga, também não se encontrando registo de notificação das reclamantes nesse sentido pela secretaria do tribunal a quo, como preceitua o artigo 145º, n.º 6 do mesmo diploma.
5. Situação idêntica a esta foi já objecto de apreciação e decisão por este Tribunal no Acórdão n.º 1086/96, que decidiu reclamação deduzida contra o Acórdão n.º 910/96 (ambos inéditos). Como se lê no Acórdão n.º 1086/96, no aresto então sob reclamação
'afirmou-se que a reclamação era intempestiva e, em conformidade, decidiu-se não conhecer da mesma. O reclamante não concorda com a afirmação da intempestividade da reclamação
(...). Anote-se, no entanto, que, se, acaso, a reclamação pudesse ter sido apresentada, embora mediante o pagamento de multa, até à data em que o foi (23 de Fevereiro de 1996), como tal multa não foi paga – e não o foi, porque nem o reclamante a pagou de imediato, como lhe cumpria (cf. o n.º 5 do artigo 145º do Código de Processo Civil), nem a secretaria do Supremo Tribunal de Justiça o notificou para a pagar em dobro (cf. o n.º 6 do mesmo artigo 146º) –, a este Tribunal só restava concluir, como concluiu, pela intempestividade da dita reclamação. Na verdade, o pagamento da multa prevista no artigo 145º do Código de Processo Civil constitui condição suspensiva de admissibilidade da prática do acto processual (n.º 5) ou condição resolutiva de validade do acto que antes se praticou (n.º 6). Por isso, não se verificando a condição, o acto praticado tem que ser havido como extemporâneo.' Em suma: tendo o acto sido praticado para além do prazo legalmente fixado, nos termos do artigo 145º, n.º 5, do Código de Processo Civil, o pagamento da multa aí previsto constitui um ónus do autor do acto, de cuja prática fica dependente a sua admissibilidade – ou, como se afirmou no acórdão citado, cuja prática constitui o evento condicional de que está dependente a validade de tal acto. E isto, independentemente da ocorrência ou não da notificação pela secretaria, prevista no n.º 6 do referido artigo 145º. Em coerência com esta jurisprudência, vemo-nos, portanto, forçados a concluir que a presente reclamação se apresenta como extemporânea, tendo que ser indeferida. III. Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação e condenar as recorrentes em custas, fixando a taxa de justiça em 15 UC. Lisboa, 20 de Outubro de 1999 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa