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Proc. nº 593/00
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1. Por escritura pública de 28 de Janeiro de 1926, foi constituída a Sociedade Comercial JS, Lda.
2. Em Janeiro de 1980 faleceu o sócio AC, tendo a sociedade deliberado, em 25 de Março do mesmo ano, amortizar sua a quota nos termos do previsto no artigo 17º do pacto social.
3. MC e AP (ora recorridas), respectivamente mulher e filha do sócio falecido, impugnaram judicialmente aquela deliberação, vindo esta a ser julgada nula por decisão do STJ de 26 de Maio de 1987.
4. Em 9 de Junho de 1986 a sociedade deliberou a confirmação/renovação da deliberação de 25 de Março de 1980, para produzir efeitos a partir daquela data.
5. Em 31 de Outubro de 1990 a JS, Lda. intentou contra as ora recorridas acção judicial pedindo a condenação destas a reconhecerem que o valor da quota amortizada pela deliberação de 25 de Março de 1980 é o que foi determinado no acto de avaliação competente.
6. As RR. contestaram o pedido e deduziram reconvenção.
7. Após requerimento da A. e das RR., foi suspensa a instância, considerando a pendência de outra acção, em que as mesmas são partes, tendo por objecto a validade e subsistência da deliberação de 9 de Junho de 1986, retroagindo os seus efeitos à deliberação de 25 de Março de 1980.
8. Esta acção terminou com o Acórdão do STJ de 13 de Outubro de 1993.
9. Cessada a suspensão da instância, foi proferida sentença que absolveu as RR. do pedido e a A. da instância.
10. Inconformada, recorreu a A., vindo a Relação a negar provimento ao recurso.
11. Ainda inconformada a A. recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por Acórdão de 3 de Maio de 2000, negou provimento à revista.
12. Na sequência, veio de novo a recorrente aos autos, através do requerimento de fls. 455 a 469, desta vez para arguir a nulidade daquele Acórdão. Aproveitou ainda para, nesta ocasião, suscitar a inconstitucionalidade dos artigos 653º e ss., 661º, nº 1, 668º, nº 1, al. e), 716º e 732º, todos do CPC, na interpretação que alegadamente lhes deu a decisão recorrida, por violação dos art.s 2º, 18º, nº 2 e 20º, nº 1 da Constituição.
13. O requerimento veio, porém, a ser indeferido por Acórdão de 27 de Junho de
2000.
14. É nesta sequência que é apresentado, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art.
70º da LTC, o presente recurso de constitucionalidade, tendo por objecto a apreciação da inconstitucionalidade dos preceitos dos artigos 653º e ss. do Código de Processo Civil, na interpretação que alegadamente lhes deu a decisão recorrida, por violação dos art.s 2º, 18º, nº 2 e 20º, nº 1 da Constituição.
15. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do recurso (fls. 506 a 509). É o seguinte, na parte decisória, o seu teor:
'O recurso previsto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional pressupõe, além do mais, que o recorrente tenha suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica - ou de uma sua interpretação normativa - e que, não obstante, a decisão recorrida a tenha aplicado no julgamento do caso. Ora, como vai ver-se, é manifesto que, in casu, tais pressupostos de admissibilidade do recurso não estão preenchidos. Desde logo, e no que se refere à necessidade de suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo, constitui desde há muito jurisprudência assente neste Tribunal (veja-se, entre muitos nesse sentido, os acórdãos nºs
62/85, 90/85 e 450/87, in Acórdãos do T.C., 5º vol., p. 497 e 663 e 10º vol., pp. 573, respectivamente) que a inconstitucionalidade de uma norma jurídica só se suscita durante o processo quando tal se faz em tempo de o tribunal recorrido a poder decidir e em termos de ficar a saber que tem essa questão para resolver
- o que exige que a questão seja suscitada antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que a mesma inconstitucionalidade respeita (ou seja: em regra, antes da prolação da decisão recorrida). Em consequência, tem este Tribunal entendido de forma reiterada que, em princípio, não constitui meio idóneo para suscitar a questão de inconstitucionalidade o requerimento de arguição de nulidades da decisão. Nesse sentido escreveu-se, por exemplo, no supra citado acórdão nº 450/87 'Deste modo, porque o poder jurisdicional se esgota, em princípio, com a prolação da sentença, e porque a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão, nem torna esta obscura ou ambígua, há-de ainda entender-se - como este Tribunal tem entendido - que o pedido de aclaração de uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não são já, em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar a questão de inconstitucionalidade...'. Ora, no caso que é objecto dos autos, apenas na reclamação por nulidade do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que negou provimento à revista a recorrente vem suscitar problemas de constitucionalidade normativa reportados às normas alegadamente aplicadas por essa decisão, o que, de acordo com a jurisprudência antes exposta, não pode já considerar-se durante o processo. Tal obsta, só por si, sem necessidade de maiores considerações, à possibilidade de conhecer do objecto do mesmo'.
16. Inconformada com esta decisão a recorrente apresentou, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, nº 3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência.
17. Por parte das recorridas foi apresentada resposta, em que se conclui pela improcedência da reclamação. Dispensados os vistos legais, cumpre decidir. III – Fundamentação
18. A reclamante contesta, fundamentalmente, que - como se decidiu na decisão reclamada - a suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa já depois de proferida a decisão recorrida - concretamente no requerimento em que é arguida a sua nulidade - já não deva considerar-se tempestiva, para efeitos de preenchimento do pressuposto de admissibilidade do recurso previsto na alínea b), do nº 1, do artigo 70º da LTC, traduzido em a questão de constitucionalidade ter de ser suscitada durante o processo.
É, porém, manifesto, que não lhe assiste razão. Como se evidenciou já na decisão reclamada - bem como nas demais decisões deste Tribunal para que ali se remete - não sendo a eventual aplicação de uma norma inconstitucional causa de nulidade da sentença - e, efectivamente, não é (cfr., designadamente, o art. 668º do CPC)
- a reclamação da sua nulidade não constitui já, em princípio, um meio idóneo e atempado para suscitar essa mesma questão de constitucionalidade. Assim, pelas razões constantes da decisão reclamada, que mais uma vez agora se reiteram porquanto em nada são abaladas pela reclamação apresentada, é efectivamente de não conhecer do objecto do recurso interposto pela recorrente. III Decisão Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta. Lisboa, 6 de Dezembro de 2000- José de Sousa e Brito Messias Bento Luís Nunes de Almeida