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Processo nº 550/2000
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Notificado do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls.14, que, 'ao abrigo do disposto nos arts. 437º e ss. do Código de Processo Penal', rejeitou o recurso para fixação de jurisprudência que interpusera, por não julgar verificada a alegada oposição de julgados, J... arguiu a respectiva nulidade por, no que agora interessa, não ter tomado conhecimento da questão de prescrição do procedimento criminal, o que constituiria omissão de pronúncia. Pelo acórdão de fls. 20, o Supremo Tribunal de Justiça desatendeu a nulidade referida, julgando que 'Não foi levantada a questão da prescrição do procedimento criminal e, embora seja de conhecimento oficioso, não podia ser conhecida neste processo de recurso extraordinário, pois que, considerando o seu específico objecto de fixação do sentido da jurisprudência relativamente a questão de direito solucionada de forma oposta, no domínio da mesma legislação, pelo acórdão recorrido e pelo acórdão fundamento, ambos transitados em julgado
(art. 437º) não constituía, como é evidente, questão prévia da decisão sobre a oposição dos acórdãos ou da decisão final Como lucidamente acentua o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, a questão só seria porventura de considerar pelo Tribunal recorrido, no caso de a jurisprudência fixada implicar a revogação do acórdão recorrido, atento o disposto no art.
445º, nº1'. Inconformado, J... recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo que o Tribunal Constitucional apreciasse a constitucionalidade da
'norma do nº 3 do artº 438º do C.P.P. (...)' e da 'norma do artº 437º do C.P.P., a qual conjugada com a do nº 1 do artº 445º do mesmo diploma também aplicada no acórdão recorrido, para desatender a excepção da prescrição, violam o nº 1 do artº 32º da Constituição'. Conforme explicou no requerimento de interposição de recurso, não suscitou a inconstitucionalidade das duas últimas normas anteriormente à interposição de recurso 'porque nem sequer invocou, para fundamento da prescrição, as normas agora atacadas, mas sim a que está ínsita no nº 1 do artº 368º do C.P.P. (...). E assim foi surpreendido com duas normas, que realmente não esperava ver aplicadas'. O recurso foi só parcialmente admitido. Quanto às normas constantes do artigo
437º e do nº 1 do artigo 445º do Código de Processo Penal, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu não o admitir por não ter sido suscitada oportunamente (isto é, durante o processo, como o exige a al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82) a respectiva inconstitucionalidade.
2. J... veio então reclamar para o Tribunal Constitucional desta não admissão, pelo requerimento de fls. 2. Sustenta que o recurso deveria ter sido admitido também quanto a 'norma do artº
437º do C.P.P. (conjugada com a do nº 1 do artº 445º do mesmo diploma' porque foi surpreendido com a sua aplicação, com que não contava, razão pela qual 'não suscitou a inconstitucionalidade (...) antes de interpor recurso' para o Tribunal Constitucional 'porque nem sequer invocou, para fundamento da prescrição, nenhuma dessas normas mas sim a que está ínsita no nº 1 do artº 368º do C.P.P. (...).
(...) Portanto, foi a surpresa total quando as viu aplicadas com o sentido que o fez o tribunal recorrido', sentido esse (que não explicita) violador do disposto no nº 1 do artigo 32º da Constituição. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio pronunciar-se no sentido da improcedência da reclamação, contestando que se possa considerar o recorrente dispensado do ónus de invocar a inconstitucionalidade durante o processo – ou seja, no caso, 'aquando da interposição do dito recurso extraordinário'. Em seu entender, não é desculpável que 'o arguido e o seu defensor ignorassem que o recurso para fixação de jurisprudência tem o seu objecto delimitado – em estrita consonância com a sua função processual específica – à dirimição de um concreto conflito jurisprudencial, não podendo naturalmente o Supremo, no âmbito de tal recurso, pronunciar-se sobre quaisquer ‘questões prévias’ que excedam tal matéria'.
3. Com efeito, não ocorre no caso concreto nenhum motivo que justifique que o recorrente seja dispensado do referido ónus de invocar durante o processo a inconstitucionalidade que pretende seja apreciada – ou seja, antes de o Supremo Tribunal de Justiça ter proferido o acórdão recorrido (nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82).
É pressuposto de admissibilidade do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas interposto ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, como é o caso, que a inconstitucionalidade haja sido 'suscitada durante o processo' (citada al. b) do nº 1 do artigo 70º), ou seja, colocada 'de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer' (nº 2 do artigo 72º citado). No presente recurso, haveria de ter sido suscitada a inconstitucionalidade das normas contidas nos preceitos indicados no requerimento de interposição de recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça, de forma a que este Tribunal dela devesse conhecer. Conforme o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, o recorrente apenas pode ser dispensado do ónus de invocar a inconstitucionalidade 'durante o processo' nos casos excepcionais e anómalos em que não tenha disposto processualmente dessa possibilidade, ou em que não era de todo previsível a aplicação de uma norma (ou dessa norma, com o sentido que lhe foi dado na decisão recorrida); só então será admissível a arguição em momento subsequente
(cfr., a título de exemplo, os acórdãos deste Tribunal com os nºs 62/85, 90/85 e
160/94, publicados, respectivamente, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., págs. 497 e 663 e no Diário da República, II, de 28 de Maio de 1994). Não
é, manifestamente, o caso dos autos. Com efeito, tal excepcionalidade não ocorre aqui. Não cabe invocar a falta de oportunidade processual para suscitar a inconstitucionalidade durante o processo. E de modo algum se pode afirmar-se que era imprevisível a aplicação pelo Supremo Tribunal de Justiça das normas em causa – os artigos 437º e 445º, nº 1, do Código de Processo Penal. Note-se, aliás, que as aplicou com o sentido correspondente à letra dos preceitos e, como lembra o Ministério Público, à função do recurso especificamente destinado à fixação de jurisprudência. Tinha assim o recorrente o ónus de prever a possibilidade – a certeza – de o Supremo Tribunal de Justiça aplicar tais normas. Diga-se, aliás, que não se compreende como pode o recorrente afirmar-se surpreendido com a aplicação dos preceitos que definem o fundamento (artigo
437º) e o efeito (nº 1 do artigo 445º) do recurso que interpôs. A terminar, cabe acrescentar que, não tendo o recorrente especificado, como lhe competia, qual o sentido com que as normas contidas nos preceitos referidos foram interpretadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, sentido esse que acusa de ser inconstitucional, não pode o Tribunal Constitucional substituir-se-lhe e tomar em consideração uma outra sua dimensão.
Nestes termos, indefere-se a presente reclamação. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. Lisboa, 3 de Novembro de 2000 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida