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Proc. nº 652/98 Plenário Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional
I Relatório
1. C..., representado pelo Ministério Público, instaurou, junto do Tribunal do Trabalho de Leiria, acção declarativa comum emergente de contrato individual de trabalho contra P..., Lda., pedindo a condenação da ré no pagamento de 128.304$00, referentes à prestação ou subsídio de reforma, nos termos da cláusula 70ª, nº 2, alínea a), da Convenção Colectiva de Trabalho para a Indústria de Cerâmica do Barro Branco, publicada no B.M.T. nº 23/76, de 15 de Dezembro, por força da Portaria de Extensão publicada no B.T.E., nº 32/77, de 29 de Agosto.
O Tribunal do Trabalho de Leiria, por sentença de 10 de Novembro de
1997, julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar ao autor um complemento de reforma, nos termos da cláusula 71ª, nº 2, alínea b), da Convenção Colectiva de Trabalho para a Indústria de Cerâmica do Barro Branco, no valor de 10.692$00 (mensais), a contar de Agosto de 1996. A ré foi ainda condenada no pagamento das prestações vencidas e de juros.
2. P..., Lda., interpôs recurso da sentença de 10 de Novembro de
1997 para o Tribunal da Relação de Coimbra. Nas contra-alegações, o Ministério Público sustentou a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 6º, nº 1, alínea e), do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro, na medida em que restringe o direito de contratação colectiva consagrado no artigo 56º, nºs 3 e 4 da Constituição, em conjugação com o disposto no artigo 18º, nº 2, da Constituição.
O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 23 de Abril de
1998, concedeu provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e absolvendo, consequentemente, a ré do pedido. Nesse aresto, o tribunal considerou que quando a mencionada portaria de extensão foi publicada já vigorava o Decreto-Lei nº 164-A/76, de 28 de Fevereiro, com a redacção do Decreto-Lei nº 887/76, de 29 de Dezembro, que, nos termos do seu artigo 4º, nº 1, alínea e), proibia a consagração pelos instrumentos de regulamentação colectiva de benefícios complementares dos assegurados pelas instituições de previdência. No que se refere à questão de constitucionalidade suscitada pelo Ministério Público, respeitante à norma contida no artigo 6º, nº 1, alínea e), do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro (norma que manteve a proibição referida), o Tribunal da Relação de Coimbra dissentiu do juízo de inconstitucionalidade material constante do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 966/96 (transcrevendo partes de um comentário a esse Acórdão da autoria de Bernardo Xavier, Pedro Furtado Martins e Nunes de Carvalho, publicado na Revista de Direito e Estudos Sociais, Janeiro-Setembro, de 1997), concluindo pela não inconstitucionalidade da norma contida no referido preceito. O tribunal a quo afirmou ainda que a decisão do Tribunal Constitucional (que não foi consensual) não podia condicionar a decisão dos autos, por não ter força obrigatória geral e por não ter tomado em consideração a redacção do Decreto-Lei nº 209/92.
3. O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 6º, nº 1, alínea e) do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de
29 de Dezembro.
Junto do Tribunal Constitucional, o Ministério Público alegou, tirando as seguintes conclusões:
1º - A norma constante da versão originária da alínea e) do nº 1 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro, é organicamente inconstitucional. por violação das disposições conjugadas dos artigos 167º, alínea c), 58º, nº 3 e
17º da versão originária da Constituição da República Portuguesa.
2º - Tal norma, na versão emergente do Decreto-Lei nº 209/92, de 2 de Outubro, é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da confiança, ínsito no do Estado de direito democrático, quando interpretada como sendo retrospectivamente aplicável, precludindo benefícios complementares validamente outorgados aos trabalhadores, em momento anterior à vigência do citado Decreto-Lei nº 209/92, de modo a frustrar, de forma excessivamente onerosa. a expectativa consolidada de que, no momento da reforma, os interessados teriam direito a tais benefícios.
3º - Termos em que deverá ser julgado procedente o presente recurso, em consonância com o juízo de inconstitucionalidade atrás referido.
A recorrida não contra-alegou.
4. Foi decidida a intervenção do Plenário.
II Fundamentação
5. O presente recurso de constitucionalidade tem por objecto a apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 6º, nº 1, alínea e), do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro. Tal norma constitui, com efeito, ratio decidendi da decisão recorrida, não configurando a referência ao Decreto-Lei nº 209/92 mais do que um obiter dictum. Assim, desde logo, a questão de constitucionalidade então apreciada teve por objecto a norma constante do referido artigo 6º, nº 1, alínea e) e, por outro lado, o Tribunal da Relação de Coimbra afirmaria mais do que uma vez não estar vinculado ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 966/96 (que julgou inconstitucional tal disposição legal), debatendo a validade dos fundamentos de tal aresto.
Não competindo ao Tribunal Constitucional apreciar a boa aplicação do direito ordinário, mas tão somente a conformidade à Constituição das normas efectivamente aplicadas no processo, impõe-se a apreciação no presente recurso de constitucionalidade da norma contida no artigo 6º, nº 1, alínea e), do Decreto-Lei nº 519-C/79, de 29 de Dezembro.
6. O Tribunal Constitucional já apreciou por várias vezes a conformidade à Constituição da norma contida no artigo 6º, nº 1, alínea e), do Decreto-Lei nº 519-C/79, de 29 de Dezembro. No Acórdão nº 517/98 (D.R., II, de
10 de Novembro de 1998), tirado em Plenário, o Tribunal Constitucional julgou organicamente inconstitucional tal norma, por violação do artigo 167º, alínea c), conjugado com os artigos 58º, nº 3, e 17º, da Constituição, na versão originária da Constituição [actualmente, artigos 165º, alínea b) e 56º, nº 3 e
17º da Constituição].
Não havendo razões para alterar o juízo que conduziu então ao julgamento de inconstitucionalidade orgânica da norma em crise, far-se-á aplicação dessa jurisprudência ao caso dos autos. Consequentemente, conceder-se-á provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade.
III Decisão
7. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional, fazendo aplicação de jurisprudência firmada no Acórdão nº 517/98, decide julgar inconstitucional a norma contida no artigo 6º, nº 1, alínea e), do Decreto-Lei nº 519-C/79, de 29 de Dezembro, por violação do artigo 167º, alínea c), conjugado com os artigos
58º, nº 3 e 17º, da Constituição, na versão originária, concedendo provimento ao recurso e revogando a decisão recorrida que deverá ser reformulada de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade.
Lisboa, 3 de Novembro de 1999 Maria Fernanda Palma Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Messias Bento Maria Helena Brito Artur Maurício Vítor Nunes de Almeida Guilherme da Fonseca José de Sousa e Brito Paulo Mota Pinto Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Luís Nunes de Almeida