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Processo nº 275/99
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A. R. impugnou judicialmente a decisão do Presidente da Câmara Municipal de Paredes que, no uso da competência que lhe foi delegada pela Câmara, lhe aplicou a coima de 5.000$00, a acrescer ao valor de 24.000$00 'correspondente à tarifa não paga' e às custas devidas, 1.354$00, por não ter 'procedido ao pagamento da correspondente tarifa de lixo prevista na Postura Sobre Sistema de Lixos e Higiene Pública', violando 'o disposto no artigo 18º-A' respectivo e assim praticando a contraordenação prevista na al. c)-a) do artigo 17º da referida Postura. A impugnação foi julgada procedente, por sentença de 12 de Outubro de 1998. O tribunal julgou 'ilegal a POSTURA SOBRE SISTEMA DE LIXOS E HIGIENE PÚBLICA na parte em que não se harmoniza com as normas de hierarquia superior como as do D.L. nº 310/95 de 20/11, e os diplomas regulamentares para que remete, maxime, a Portaria nº 189/95, e 20/6, para os resíduos industriais e a Portaria nº 768/88, de 30/11, para os resíduos urbanos, que se mantém em vigor por força do artigo
27º nº 2, do D.L. nº 239/97, de 09/09, que, entretanto, revogou aquele D.L. nº
310/95, e por considerar, até, materialmente inconstitucional, o artigo 18º, nº
1, alíneas B), C), D), E) e F), da referida POSTURA – para que remete o artigo
17º, alínea C) a) – conjugado com o seu artigo 10º, por ofensivo do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da República, e, ainda porque não se provou que o arguido produzisse ou depositasse qualquer lixo ou pudesse beneficiar do respectivo serviço camarário de recolha do mesmo (...)'. O Ministério Público recorreu então para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na al. a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, por ter sido recusada a aplicação do 'Artº 18º, nº 1 alíneas b), c), e) e f) da postura sobre o sistema de recolha de lixo e Higiene Pública da Câmara Municipal de Paredes'. O recurso foi admitido.
2. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio apresentar as alegações, começando por salientar que o objecto do recurso se restringia à recusa de aplicação 'da norma constante do artigo 18º, nº 1, alíneas b), c), d), e) e f) da referida postura, em conjugação com o seu artigo 10º' com fundamento em inconstitucionalidade material por violação do princípio da igualdade. Referiu jurisprudência deste Tribunal no sentido da não inconstitucionalidade da norma do nº 2 do artigo 10º da Postura Municipal em causa e concluiu no sentido da procedência do recurso. Em resumo, considerou que, cabendo às autarquias locais 'a gestão dos lixos ou resíduos urbanos', nada impede que cobre dos munícipes respectivos a taxa correspondente, cujo montante não pode ser determinado individualizadamente, por razões de ordem prática, em nada violando o princípio da igualdade a definição de presunções para o efeito, com base na experiência e em factos notórios; ora verifica-se que, em regra, 'todos os munícipes serão produtores de lixos ou resíduos domésticos e equiparados', que as actividades comerciais ou industriais produzem maior quantidade de lixo e que essa quantidades varia 'normalmente
(...) em função da dimensão física do estabelecimento'. Finalmente, observou que o princípio da igualdade também não impõem 'que os processos técnicos e a periodicidade da recolha dos lixos em toda a área do município tenham de ser estritamente idênticos'. O recorrido não contra-alegou.
3. Corridos os vistos, cumpre decidir. Começando pela delimitação do objecto do recurso, cabe circunscrevê-lo à recusa de aplicação da norma constante da alínea D) do artigo 18º, nº 1 da Postura sobre o Sistema de Recolha de Lixo e Higiene Pública da Câmara Municipal de Paredes, norma que seria aplicável à fixação do montante da tarifa a pagar no caso concreto e que efectivamente foi afastada com fundamento em inconstitucionalidade material, por violação do princípio da igualdade. Conforme parece depreender-se da decisão recorrida, o juízo de inconstitucionalidade assentou na verificação de que 'este normativo (o artigo
18º, com as suas diversas alíneas), conjugado com o artigo 10º que tinha como pressuposto do pagamento da tarifa a produção de lixo e, actualmente (desde
09-08-98) é obrigatório ‘independentemente da quantidade de lixo produzido e/ou depositado’, se afigura materialmente inconstitucional, por ofender o princípio da igualdade dos munícipes de Paredes, pela incidência coactiva e desproporcionada de uma tarifa (taxa) que é exigida pelo poder administrativo, principalmente aos industriais e comerciantes, em razão de um serviço público que não é prestado nem tributado de forma igualitária, mas discriminatória, ultrapassando o que seria proporcional e razoável, já que a tarifa passou a ser
‘independentemente da quantidade de lixo produzido e/ou depositado’ (cf. o nº 2 do artigo 10º da POSTURA), o que significa que a causalidade da tarifa (taxa) nada tem a ver directamente com o lixo, mas tão-somente, com a área dos estabelecimentos, sendo apelidado como um ‘imposto de superfície’ e não a contraprestação de um serviço público prestado com um mínimo de qualidade ao consumidor obrigado a pagá-lo, sob pena de procedimento contra-ordenacional'. Não figura no requerimento de interposição de recurso qualquer referência ao nº
2 do artigo 10º da Postura; não sendo admissível a ampliação do objecto do recurso nas alegações, não pode considerar-se a norma correspondente, não se apreciando, portanto, a questão da conformidade constitucional da imposição do pagamento da tarifa mas, tão somente, a definição do critério de cálculo do montante devido, para o lixo industrial. Também não serão analisadas as regras relativas às diversas formas de recolha do lixo (artigo 3º da Postura), como parecem sugerir as alegações do recorrente, ao referir os 'processos técnicos e a periodicidade de recolha dos lixos', por também excederem o objecto do presente recurso. Considera-se, finalmente, que a omissão da alínea d) no mesmo requerimento de interposição de recurso, que indica como 'norma cuja aplicação foi recusada e que deverá ser objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional: Artº 18º, nº
1 alíneas b); c); e) e f) da postura...' se deve a lapso de escrita evidente, detectado do confronto do requerimento de interposição de recurso, quer com a decisão recorrida, quer com as alegações, sendo certo que não teria qualquer sentido a interposição do presente recurso se não se pretendesse abranger a alínea d).
4. É o seguinte o teor do referido artigo 18º, na parte relevante: Artigo 18º
1. As tarifas previstas no artigo 10º são definidas nos seguintes termos:
(...) D) INDÚSTRIA, INDÚSTRIA HOTELEIRA e afins (designadamente CAFÉS, BARES, RESTAURANTES) OFICINAS DE REPARAÇÃO, HOSPITAIS, CENTROS DE SAÚDE, CLÍNICAS MÉDICAS E SUPERMERCADOS: a tarifa a pagar é determinada pela área em m2 correspondente a cada estabelecimento
(...)
– com área de 601 A 800 m2............................8.000$00
(...) O Tribunal Constitucional já por diversas vezes se pronunciou pela não inconstitucionalidade da norma constante do nº 2 do artigo 10º da Postura em questão, que determina a obrigação de pagamento de uma tarifa independentemente da 'quantidade de lixo produzida e/ou depositada'. Como se disse, esta norma não integra o objecto do presente recurso; é, todavia, conveniente recordar que, segundo jurisprudência constante, este Tribunal julgou que tal tarifa, não obstante incidir sobre todos os munícipes e não depender da quantidade de lixo efectivamente produzido, se traduz numa verdadeira taxa e não num imposto (cfr., entre outros, os acórdãos nºs 1139/96, 1140/96, 140/97 e
141/97 deste Tribunal). O Tribunal Constitucional considerou então não ser ilegítimo, do ponto de vista constitucional, fazer assentar numa presunção a determinação do índice para a definição do montante a cobrar, até por ser impossível a determinação individual do volume de lixo efectivo. Assim, no acórdão nº 1139/96, publicado no Diário da República, II Série, de 10 de Fevereiro de 1997, julgou-se que a imposição das tarifas à totalidade dos munícipes (e todos, seguramente, hão-de, em menor ou maior quantidade,
'produzir' lixo) não é algo que se configura como ilógico, aleatório, desproporcionado ou dependente de presunção irrealista, motivo pelo qual se não deverá deixar de concluir que a base, pressuposto ou índice da determinação dos sujeitos àquelas tarifas também não conduziria (...) a transmutar a natureza de taxa da tarifa em crise.' No acórdão nº1140/96, publicado também no Diário da República, II Série, de 10 de Fevereiro de 1997, afirmando-se embora que 'o montante da tarifa não se acha fixado nesse artigo 10º., nº.2, sim no artigo 18º., que não constitui objecto do recurso. Depois, os montantes constantes deste artigo 18º. – que, quanto aos lixos industriais e especiais, varia em função da área do estabelecimento – não se revelam excessivos. Finalmente, o próprio facto de o montante da tarifa exceder, eventualmente, o custo do serviço de recolha e destino do lixo não é, de per si, suficiente para que tal tributo deva ficar submetido ao regime dos impostos.
De facto, como se sublinhou no acórdão nº.640/95 (publicado no Diário da República, II série, de 20 de Janeiro de 1996), a propósito das portagens, a pagar pela utilização da Ponte sobre o Tejo, cujos montantes foram fixados pela Portaria nº.351/94, de 3 de Junho, as opções feitas pelo legislador
(ou pela Administração) na fixação do montante das taxas são, em princípio, insindicáveis por este Tribunal, que, quando muito, poderá cassar as decisões legislativas (ou regulamentares), se, entre o montante do tributo e o custo do bem ou serviço prestado, houver uma desproporção intolerável - se a taxa for de montante manifestamente excessivo.'
Embora no presente recurso apenas esteja em causa o critério de definição do montante da tarifa a pagar, e não o âmbito subjectivo dessa obrigação, a verdade é que são transponíveis as razões apontadas.
Assim, tal como não é viável fazer funcionar um sistema municipal de recolha de lixo se houver, caso a caso, que determinar quem o produz e quem o não produz, justificando-se a presunção de que provém de todos os munícipes, também se não afigura viável determinar que quantidade de lixo resulta, em geral, de cada um. Note-se que há tarifas próprias para os 'lixos especiais', nos termos da al. F) do nº 1 do artigo 18º da Postura. Para além disso, e como se escreveu no acórdão nº 640/95, num trecho já atrás transcrito, cabe na liberdade do legislador (da Administração, mediante regulamento, no caso) a determinação do montante das taxas a cobrar, não competindo a este Tribunal a sua apreciação, a não ser que 'entre o montante do tributo e o custo do bem ou serviço prestado, [haja] uma desproporção intolerável - se a taxa for de montante manifestamente excessivo.' Não é, seguramente, o caso. Não se afigurando desrazoável nem arbitrário o índice escolhido – a área do estabelecimento industrial – nem de montante manifestamente excessivo o quantitativo definido para cada área, não pode haver-se como infringido o princípio da igualdade. Assim, decide-se não julgar inconstitucional a norma constante da alínea D) do nº 1 do artigo 18º da Postura sobre Sistema de Lixos e Higiene Pública, determinando-se, consequentemente, a reforma da decisão recorrida, no que toca à questão de constitucionalidade. Lisboa, 12 de Janeiro de 2000 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Messias Bento José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida