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Processo n.º 645/99 ACÓRDÃO Nº
641/99
2ª Secção Relator – Paulo Mota Pinto
Acordam em conferência no Tribunal Constitucional: I. Relatório
1. Por sentença de 26 de Maio de 1998, o M.º Juiz do 17º Juízo Cível da Comarca de Lisboa julgou procedente a acção interposta por E. e J. contra Jo., por falta de residência permanente deste no locado, declarando em consequência resolvido
“o contrato de arrendamento relativo ao 2º andar direito, do prédio situado na Rua ...n.º, em Lisboa, no qual o Réu ocupa a posição de actual inquilino” e condenando este a despejar o referido andar e entregá-lo aos Autores, livre de pessoas e bens. Inconformado, interpôs o demandado recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo em 6 de Maio de 1999 sido proferido Acórdão que negou provimento ao recurso interposto. Notificado deste aresto, veio o demandado interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º
28/82 (Lei do Tribunal Constitucional):
“por não se poder conformar com o douto acórdão que, em seu entender, viola princípios constitucionais contidos nos Art.ºs 43º, 58º/1/2/c e 73º da Constituição”. O recurso não foi admitido por despacho do relator no Tribunal da Relação de Lisboa, de 27 de Maio de 1999, onde se escreveu que o recorrente:
“Indicou a norma, mas não indicou, como devia, que ou quais os fundamentos em que assenta a sua pretensão para tal tipo de recurso. O art.º 70º n.º 1 al. b) da Lei n.º 28/82 permite o recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Não se verifica tal situação.” Inconformado, o recorrente veio reclamar, “ao abrigo do disposto pelo artigo
76º/4 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro e pelo artigo 688º do Código de Processo Civil”, para obter a reapreciação, pelo Tribunal Constitucional, do despacho que julgou inadmissível o recurso por si interposto.
2. Em vista do processo, o Ministério Público pronunciou-se no Tribunal Constitucional pela improcedência da reclamação, embora por razões não totalmente coincidentes com as da decisão reclamada, com os seguintes fundamentos:
“[...] o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, rejeitado no tribunal ‘a quo’, padece de evidentes insuficiências, já que – para além de não indicar minimamente qual a norma ou interpretação normativa que, sendo inconstitucional, integra o objecto do recurso – trata de imputar directamente as alegadas inconstitucionalidades ao próprio acórdão de que pretendia recorrer, como se se movesse no âmbito de um – inexistente – recurso de amparo. Não aproveitou, por outro lado, o reclamante a presente reclamação para cumprir o ónus de especificação e delimitação do objecto do recurso de constitucionalidade que havia interposto, de forma manifestamente deficiente – persistindo em, de modo vago e inconclusivo, imputar à decisão recorrida ‘uma interpretação e aplicção inconstitucional do disposto pelos arts. 64º/1/ i) e 2 do RAU’. Aliás, tal deficiência já se havia manifestado em anteriores intervenções processuais do recorrente, nomeadamente no momento da pretensa suscitação, perante a Relação, da questão de constitucionalidade daquele preceito legal, nas alegações de fls. 14/16 dos autos – não podendo considerar-se suscitação idónea e adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa, durante o processo, as vagas afirmações aí feitas pelo ora reclamante. Acresce que a ‘ratio decidendi’ do acórdão proferido pela Relação de Lisboa assentou, em primeira linha, na aplicação das regras acerca da repartição do
ónus da prova, emergentes do preceituado no art. 342º, n.º 2 do C. Civil: a improcedência da apelação deveu-se essencialmente ao facto de o recorrente não ter provado, como lhe cumpria face àquele preceito legal, os factos ou situações que poderiam servir de base ao preenchimento da norma do RAU cuja constitucionalidade se pretende agora questionar; considerou, na verdade, a Relação que, não tendo o inquilino provado o título ou vínculo administrativo que determinou a sua leccionação e, bem assim, a limitação temporal do exercício das suas alegadas funções, estariam obviamente excluídos os pressupostos que, nos termos do citado artigo 64º, legitimariam a “invocada situação excepcional de ausência do locado”. Ora, perante este quadro – em que o recorrente começa por não suscitar, de forma idónea e adequada, durante o processo, uma questão de inconstitucionalidade normativa, interpõe um recurso de constitucionalidade sem delinear ou especificar minimamente a norma a que o mesmo se reporta, persiste em não aproveitar a presente reclamação para especificar, em termos claros, qual é, afinal, a interpretação normativa que considera efectivamente aplicada e que reputa de inconstitucional – e que, por acréscimo, a ‘ratio decidendi’ do acórdão recorrido é, afinal, a pura aplicação das regras sobre repartição do
ónus probatório, é manifesto que a reclamação deduzida deverá ser julgada improcedente, constituindo acto inútil o convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso de fiscalização concreta, apurada que está a inverificação dos pressupostos de admissibilidade do mesmo.” Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
3. Destinam-se as reclamações sobre não admissão dos recursos intentados para o Tribunal Constitucional a verificar a eventual preterição da devida reapreciação, pelo Tribunal Constitucional, de uma questão de constitucionalidade, em sede de recurso de constitucionalidade. Mais que apreciar a fundamentação do despacho de indeferimento do recurso, há, pois, que verificar o preenchimento dos requisitos do recurso de constitucionalidade que se pretendeu interpor. Ora, como resulta do texto constitucional e da Lei do Tribunal Constitucional
(art.ºs 280º e 70º, respectivamente, para a fiscalização concreta) “no direito constitucional português vigente, objecto de fiscalização judicial são apenas as normas” (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coimbra, 1998, pág. 821; cfr., por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/96, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Maio de 1996). No entanto, no requerimento de recurso o recorrente imputou a inconstitucionalidade à própria decisão judicial recorrida – “acórdão que, em seu entender, viola princípios constitucionais contidos nos Art.ºs 43º,
58º/1/2/c e 73º da Constituição”, e não a quaisquer normas. Pelo requerimento de recurso não foi, pois, este Tribunal confrontado com qualquer imputação de inconstitucionalidade a norma(s), antes sendo a violação da Constituição referida a um acto concreto de aplicação do Direito – o Acórdão do Tribunal da Relação recorrido, acto cuja constitucionalidade não pode em si ser objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, considerando que não existe no nosso modelo de jurisdição constitucional qualquer recurso de amparo contra decisões dos tribunais. Logo por isto não pode o Tribunal Constitucional conhecer do recurso, devendo, pois, indeferir-se a reclamação. III. Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação, condenando o reclamante em custas, com 15 unidades de conta de taxa de justiça. Lisboa, 24 de Novembro de 1999 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Luís Nunes de Almeida