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Proc. nº 433/00 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – AF, recorrente nos autos à margem identificados, notificado da decisão sumária de fls. 123 e segs., que negou provimento ao recurso interposto para este Tribunal do acórdão da Relação de Lisboa de fls. 113 e segs., vem, nos termos do artigo 78º-A nº. 3 da LTC, reclamar para a conferência, com os fundamentos que a seguir se transcrevem:
'1. O presente recurso foi interposto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que confirmando a decisão do Tribunal de 1ª Instância julgou deserto o recurso, por o Recorrente não ter feito acompanhar o requerimento de interposição de recurso das respectivas alegações.
2. Entende no entanto o Recorrente, que a exigência contida no Art.
76º, nº. 1 do Código de Processo de Trabalho, de a alegação ter de constar do requerimento de interposição de recurso é inconstitucional, uma vez que contraria o disposto no Art. 20º, nº. 1, da CRP.
3. Na verdade, tal exigência diminui as garantias processuais das partes acarretando um cerceamento das possibilidades de defesa dos interesses das partes, o qual se considera desproporcionado e intolerável.
4. O direito de acesso ao direito e aos Tribunais, consagrado no Art.
20º da CRP, só terá o mínimo de substância na medida em que abrange a possibilidade de recurso, sob pena de não passar de um direito fundamental formal.
5. O direito de acesso aos Tribunais compreende desde logo o direito a prazos razoáveis de acção e de recurso, proibindo prazos de caducidade e de recurso exíguos do direito de acção ou de recurso (cfr. ACTC nº.
148/87).
6. A exigência contida no nº. 2, do Art. 76º, conjugada com o prazo para a interposição do recurso estabelecido no Art. 75º, do Código de Processo de Trabalho, acarreta uma diminuição das garantias processuais das partes. Porque contrariamente ao que acontece no Processo Civil, em que os prazos são substancialmente superiores diminui a possibilidade das partes prepararem uma defesa mais adequada, e fundamentada dos interesses que pretendem fazer valer.
7. Se por um lado, os Arts. 75º e 76º, do CPT, visam dar satisfação a uma preocupação de maior celeridade e economia processual no domínio das Leis Reguladoras do Trabalho, por outro lado, impossibilita as partes de organizarem e prepararem convenientemente a sua defesa, violando assim o direito de recurso aos tribunais.
8. A desproporcionalidade entre os prazos de recurso e alegação estabelecidos no Código de Processo Civil, e os estabelecidos nos Arts. 75º e 76º do CPT, acarreta a violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade.
9. Acrescente-se que já a decisão recorrida aplicou o Art. 6º, nº. 1, al. e), do Decreto-Lei nº. 519-C1/79, cuja constitucionalidade foi apreciada em três acórdãos do Venerando Tribunal Constitucional: o Acórdão nº. 966/96 (DR, II Série, de 31/10/97), julgou materialmente inconstitucional a norma da al. e) do nº. 1 do Art. 6º do Decreto-Lei nº. 519-C1/79, na sua versão originária, por violação dos Arts. 56º, nº. 3 e 4, 17º e 18º, nº. 2 da Constituição; o Acórdão nº. 517/98, tirado em plenário, e o Acórdão nº. 520/98 (cfr. DR, II Série de
10/11/98 e de 14/12/98), julgaram a mesma norma ferida de inconstitucionalidade orgânica por violação da al. c) do Art. 167º, conjugado com os Arts. 58º, nº. 3 e 17º da Constituição, na sua versão originária.
10. Por todo o exposto, conclui-se que da conjugação dos Arts. 75º e 76º, nº. 1, resulta a violação do Art. 20º, nº. 1, da Constituição.'
Cumpre decidir.
2 – Escreveu-se na decisão sumária reclamada:
'1 - AF, com os sinais dos autos, intentou no Tribunal de Trabalho de Lisboa acção declarativa de condenação, em processo comum, com a forma sumária, contra EIS, SA, acção essa que veio a ser julgada improcedente. O Autor interpôs recurso de apelação da sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa. Por despacho de fls. 100, o recurso foi julgado deserto por falta de alegações, nos termos do artigo 76º do Código de Processo de Trabalho (CPT). Inconformado, o Autor recorreu deste despacho, com fundamento na inconstitucionalidade do artigo 76º nº 2 do CPT, por violação do artigo 20º nº 1 da Constituição da República Portuguesa. Nas alegações, formulou as seguintes conclusões:
'I. O presente recurso vem interposto do douto despacho que com fundamento no nº. 2 do artigo 76º do CPT, julgou deserto o recurso, por o requerimento de interposição não conter a alegação; II. A exigência contida no artigo 76º, nº. 2, do CPT, é inconstitucional, uma vez que viola o disposto no artigo 20º, nº. 1 da CRP; III. Com efeito tal exigência diminui as garantias processuais das partes, acarretando um cerceamento das possibilidades de defesa dos interesses das partes, o qual se considera desproporcionado e intolerável; IV. Com a norma contida na referida disposição legal, pretende-se imprimir uma maior celebridade ao processo laboral; V. No entanto, do recurso ao princípio da celebridade dos procedimentos judiciais não pode resultar uma diminuição das garantias processuais das partes, e não pode ser utilizado de forma desproporcional e desigual; VI. O direito de acesso aos tribunais compreende desde logo um direito a prazos razoáveis de acção e de recurso, proibindo prazos de caducidade e de recurso exíguos do direito de acção e de recurso (cfr. ACTC nº. 148/87). VII. Há uma desproporção entre os prazos de recurso previstos no artigo 75º, nº.
2, do CPT, e os prazos de recurso estabelecidos no Código de Processo Civil, acarretando a violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade; VIII. O artigo 76º, nº. 1, viola ainda o direito de recurso aos tribunais; IX. Acrescente-se que a decisão cujo recurso foi julgado deserto, aplicou o artigo 6º, nº. 1, alínea e), do Decreto-Lei nº. 519-C1/79, cuja inconstitucionalidade já foi declarada pelos Acórdãos 966/96, 517/98 e 520/98; X. Da conjugação dos artigos 75º e 76º, nº. 1, resulta a violação do artigo 20º, nº. 1, da Constituição.' Por acórdão de fls. 113 e segs. foi negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida com fundamento na não inconstitucionalidade do citado preceito do CPT.
É deste acórdão que vem interposto o presente recurso, ao abrigo das alíneas b) e g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 (LTC). Diz o recorrente no requerimento de interposição do recurso:
'AF, notificado do aliás douto acórdão que antecede, não se conformando com o mesmo, dele vem interpor recurso para o Venerando Tribunal Constitucional, nos termos das alíneas b) e g), do nº. 1, do artigo 70º da LTC (redacção que lhe foi dada pela Lei nº. 13-A/98), com fundamento na inconstitucionalidade do artigo
76º, nº. 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981, por violar o disposto do artigo 20º, nº. 1, da CRP, e por ter sido aplicado o artigo 6º, nº. 1, alínea e) do DL nº. 519-C/79, cuja inconstitucionalidade já foi declarada pelo próprio Tribunal Constitucional.' Cumpre decidir, o que se faz no uso dos poderes conferidos ao relator pelo artigo 78º-A nº 1 da LTC.
2 - O acórdão impugnado limita-se a apreciar a questão decidida no despacho então impugnado, ou seja a de saber se o recurso de apelação anteriormente interposto da sentença que julgara a acção improcedente deveria ter sido – como fora – julgado deserto por falta de alegações. Sendo assim, é de todo irrelevante o facto de a sentença que julgou a acção improcedente se ter fundamentado – e deste modo aplicado – na norma do artigo 6º nº 1 alínea e) do DL nº 519-C/79, circunstância que, manifestamente, leva o recorrente a recorrer também ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC. A referida norma não foi aplicada na decisão que está agora em recurso – o acórdão da Relação de Lisboa confirmativo do despacho que julgou deserto o recurso de apelação por falta de alegações – razão por que se não verifica o pressuposto do recurso previsto no artigo 70º nº 1 alínea g) da LTC: aplicação de norma já anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. Verificam-se, porém, os requisitos do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do artigo 70º nº 1 alínea b) da LTC, quanto à norma do artigo 76º nº 1 do CPT de
1981 que foi o fundamento de direito do acórdão recorrido. A questão afigura-se simples e manifestamente infundada, razão por que ela será decidida ao abrigo do artigo 78º-A nº 1 da LTC.
3 - Dispunha a norma do artigo 76º nº 1 do CPT, aprovado pelo DL nº 272º-A/81 de
30 de Setembro:
'O requerimento de interposição de recurso deverá conter a alegação do recorrente, além da identificação da decisão recorrida, especificando, se for caso disso, a parte dela a que o recurso se restringe.' A impugnação do recorrente, tal como a formulou no recurso para a Relação de Lisboa como suscitação de questão de inconstitucionalidade, centra-se no segmento daquela norma que vincula o recorrente a alegar no próprio requerimento de interposição de recurso. Não se dirige, contudo, a tal exigência formal, em si mesma considerada, mas em conjugação com o disposto no artigo 75º nº 2 do mesmo CPT sobre o prazo para a interposição do recurso de apelação – 15 dias, depois 20 dias contínuos por força do disposto no artigo 6º nº 1 alínea d) do DL nº 329-A/95. Na verdade, o que o recorrente questiona, em termos de constitucionalidade, é a exiguidade do prazo para alegar, por força da obrigatoriedade de o fazer no requerimento de interposição de recurso, o que violaria o direito constitucional de acesso aos tribunais, por diminuir as garantias processuais das partes, acarretando um cerceamento das possibilidades de defesa dos interesses das partes, de modo desproporcionado e intolerável; a desproporção entre os prazos de recurso em processo laboral e em processo civil violaria também os princípios da igualdade e da proporcionalidade. A questão, assim equacionada, foi já apreciada por este Tribunal nos acórdãos nºs 51/88 e 266/93, in Acórdãos do Tribunal Constitucional 11º vol. págs. 597 e segs. e 24º vol. págs. 699 e segs., respectivamente. Em ambos os arestos foi apreciada a constitucionalidade da norma do artigo 76º nº 1 do CPT de 81, com a mesma decisão, no sentido de tal norma não infringir nem o direito de acesso aos tribunais, nem o princípio da igualdade, não se vendo razão para abandonar uma tal jurisprudência a que inteiramente se adere.
É certo que naqueles arestos estavam em causa recursos de agravo interpostos na
2ª instância e não, como no caso, o recurso de apelação, recursos que tinham – como ainda têm – prazos de interposição diferentes. Tal diferença não é, porém, significativa, de modo a inviabilizar, ou sequer a comprometer, a transposição dos fundamentos em que assentaram os juízos de não inconstitucionalidade dos referidos acórdãos. Na verdade não é a circunstância de os prazos de interposição de recurso do agravo em 2ª instância serem, no caso daqueles arestos, de 8 dias em processo laboral com a obrigatoriedade de o requerimento respectivo conter as alegações e, em processo civil, de 8 dias para as alegações depois de notificada a admissão do recurso, igualmente a interpor em 8 dias, e, na situação em apreço
(apelação), ser, no processo laboral, de 20 dias o prazo de interposição e alegações, e, no processo civil, de 10 dias o prazo de interposição e de 30 dias o prazo de alegações, que enfraquece aquela fundamentação - em ambos os casos o prazo para produzir alegações, nas mesmas espécies de recurso, é inferior em processo laboral. Ponto é que, no processo laboral e em recurso de apelação, o prazo de 20 dias para alegações não ofenda – como não ofende - o direito de acesso à justiça e princípio da igualdade. Escreveu-se no acórdão nº 51/88:
'Se é certo poder dizer-se que, não obstante a Constituição da República não adiantar expressamente nenhum princípio em matéria de recurso, tal matéria não é constitucionalmente neutra, nem significa que a lei possa discipliná-la de forma arbitrária (cf. acórdão nº. 199/86, no Diário da República, 2ª Série, de 25 de Agosto de 1986), a verdade é que não se consegue descortinar, neste caso, qualquer violação do artigo 20º, nº. 2, da Constituição. As alegações são, do ponto de vista lógico, um momento ou fase da marcha dos recursos típicos, cujo momento de apresentação pode, cronologicamente, recair em diferentes fases do processo, consoante as previsões da lei (cf., por todos Armindo Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil, III, 'Recursos', 1982, pp. 281 e segs.). São, por isso, uma das condições necessárias de natureza meramente processual, para que o tribunal de recurso se possa ocupar do objecto deste. Ora, como sublinha Castro Mendes (Direito Processual Civil, Recursos, 198, p.
138, nota 1), 'só perante cada regulamentação própria – dos vários ramos de direito processual – se pode averiguar se as alegações têm ou não de ser apresentadas no requerimento de interposição do recurso'. E, conforme acrescenta Armindo Ribeiro Mendes (ob. cit. pp. 103 e 104), a norma de direito processual laboral segundo a qual o requerimento de interposição de recurso deve conter logo as alegações – aliás, à semelhança do que também acontece, nos termos do artigo 259º do Código das Contribuições e Impostos, em direito processual fiscal – é precisamente uma das especialidades do direito processual laboral relativamente ao direito processual civil. Mas, é evidente que essa especialidade não coarcta ou elimina, ou sequer dificulta de modo particularmente oneroso, o direito ao recurso que o Código de Processo do Trabalho reconhece, não violando o artigo 20º, nº. 2, da Constituição, pois que, se o recorrente cumprir a obrigação que a lei lhe impõe de fazer a sua alegação de recurso no requerimento de interposição, o processo seguirá os seus termos. Não há, pois, no caso presente, qualquer violação do artigo 20º, nº. 2, da Constituição da República, e a norma do nº. 1 do artigo 76º, do Código de Processo do Trabalho nada tem de inconstitucional, é uma norma específica do direito processual laboral que em nada afecta os direitos de quem quer ter acesso à justiça.' Por seu turno, no acórdão nº 266/93 que detalhadamente historia a evolução legislativa da jurisdição e do processo laborais face á jurisdição comum e ao processo civil e que adere também à fundamentação, atrás transcrita, do acórdão nº 51/88, escreveu-se:
'A exigência de a alegação ter de constar do requerimento de interposição de recurso ou, quando muito, de ter de ser apresentada no prazo de interposição do recurso de oito dias, não diminui, por si mesma, as garantias processuais das partes, nem acarreta um cerceamento das possibilidades de defesa dos interesses das partes que se tenha de considerar desproporcionado ou intolerável. Na verdade, o legislador tem ampla liberdade de conformação no estabelecimento das regras sobre recursos em cada ramo processual, (...). Há uma preocupação de maior celeridade e economia processual no domínio das leis regulamentadoras do processo de trabalho, visando no fundamental evitar que as demoras no processo penalizem as partes mais fracas do ponto de vista económico, os trabalhadores, os sinistrados e os seus familiares. Só no caso de não vir a ser admitido o recurso interposto é que as partes se poderão queixar da inutilidade da apresentação de alegações (cfr. artigo 77º, nº. 1, do Código de Processo do Trabalho), mas tal inconveniente não é susceptível de fundamentar, por si só, um juízo de inconstitucionalidade do artigo 76º, nº. 1, do mesmo diploma. Acrescente-se que, em processo penal, o regime de exigência de motivação dos recursos no requerimento da sua interposição (Código de Processo Penal, artigo
411º) não foi até agora posto em causa, em termos de constitucionalidade, sendo indiscutível que, no processo penal, a Constituição impõe ao legislador ordinário que assegure todas as garantias de defesa ao arguido (artigo 32º, nº.
1). A concessão de um prazo de 10 dias em processo penal, por contraposição aos
8 dias concedidos em processo laboral, não introduz uma alteração qualitativa relevante em matéria de juízo de constitucionalidade.' Esta fundamentação é, como se disse, inteiramente transponível para o caso dos autos. Restará, apenas, acrescentar que o prazo de 20 dias para alegações em processo laboral não se revela passível de censura constitucional, pois ele não pode considerar-se intoleravelmente exíguo de modo a comprometer o direito de o recorrente expor e desenvolver, ponderada e conscienciosamente, as suas razões de impugnação da decisão recorrida, nem a norma que o consagra, considerando os já referidos interesses específicos em causa, fere os princípios da igualdade ou da proporcionalidade.
4 - Decisão: Pelo exposto e em conclusão, decide-se negar provimento ao recurso
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 Ucs, tendo-se ainda em conta que o recorrente litiga com apoio judiciário.'
Como se viu, na sua reclamação, o recorrente não aduz quaisquer fundamentos que não tenham sido ponderados na decisão sumária reclamada.
Nesta medida e aderindo ao que ali foi decidido, limita-se a conferência a confirmar a mesma decisão.
3 – Decisão
Pelo exposto e em conclusão, indefere-se a reclamação.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs, tendo-se ainda em conta que o recorrente litiga com apoio judiciário.
Lisboa, 12 de Dezembro de 2000- Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa