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Processo nº 664/97
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. J... interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Presidente da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho que, 'de acordo com as instruções recebidas pelo [do] Tribunal de Contas' determinou que procedesse à reposição nos cofres da Autarquia de uma determinada quantia que lhe foi abonada como subsídio de transporte durante o ano de 1993 (39.221$00), que foi julgado improcedente por sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra de 7 de Maio de 1996, de fls. 41 vº. Inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo que, todavia, confirmou a decisão recorrida, pelo acórdão de 17 de Junho de 1997, de fls. 69. Interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo
'ver apreciada a inconstitucionalidade das normas do artigo 12º, nº 2 da Lei nº
29/87 de 30 de Junho na interpretação dada e que lhe foi aplicada pela decisão' do Supremo Tribunal Administrativo 'por violação das garantias de participação política violando os artigos 18º, 48º, nº 1, 241º e 252º da Constituição da República Portuguesa'. O recurso foi admitido. Convidado a completar o requerimento de interposição de recurso, pelo despacho de fls. 87, veio esclarecer ter invocado a inconstitucionalidade 'na conclusão
12ª das alegações apresentadas no Processo de Recurso Contencioso de Anulação nº
674/95 e na conclusão 12ª das alegações de recurso interposto e apresentado no Supremo Tribunal Administrativo'. Explicou ainda que o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 'interpretou o artigo 12º, nº 2 da Lei nº 29/87 no sentido de que o domicílio, para os efeitos previstos naquele dispositivo, é apenas o lugar onde a pessoa mora com estabilidade e permanência e não também o lugar onde a profissão é exercida, o domicílio profissional, o domicílio em razão do exercício da profissão. Esta interpretação do acórdão recorrido é, como se disse, inconstitucional, por violação das garantias de participação política a que se referem as disposições conjugadas dos artigos 18º, 48º-nº 1, 241º-nº 1 e 252º da Constituição da República Portuguesa'. Notificados para o efeito, o recorrente apresentou as respectivas alegações, nas quais, todavia, não explicita por que razão é que, em seu entender, a norma impugnada ofende as 'garantias de participação política a que se referem as disposições conjugadas dos artigos 48º, nº 1, 241º, nº 2 e 252º da Constituição da República Portuguesa'. O recorrido limitou-se, nas contra-alegações, a negar que tal norma violasse qualquer direito de participação política.
2. Corridos os vistos, cumpre decidir.
É o seguinte o texto do nº 2 do artigo 12º da Lei nº 29/87:
'2. Os vereadores em regime de não permanência e os membros da assembleia municipal têm direito a subsídio de transporte quando se desloquem do seu domicílio para assistirem às reuniões ordinárias e extraordinárias e das comissões dos respectivos órgãos'. Sustenta o recorrente ser inconstitucional a limitação do conceito de domicílio ao 'lugar onde a pessoa mora com estabilidade e permanência', excluindo 'o lugar onde a profissão é exercida, o domicílio profissional', sendo certo que neste
último considera abrangido 'o local onde em cada momento [o eleito local] se encontrar no exercício das suas funções' – no seu caso, qualquer ponto, quer do território nacional, quer de Macau, por ser Inspector da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado. Em seu entender, a restrição viola o direito de participação na vida pública, consagrado no nº 1 do artigo 48º, o nº 2 do artigo 241º (actual nº 2 do artigo
239º), que estabelece os princípios a que obedece a eleição das assembleias deliberativas das autarquias locais e o artigo 252º, que explica como é eleita a Câmara Municipal, bem como o artigo 18º da Constituição. Não se vislumbra qualquer relação entre a norma impugnada e os princípios constantes dos referidos artigos 241º e 252º da Constituição. Quanto à alegada ofensa do direito à participação na vida pública, que o acórdão recorrido considerou não ofendido pela interpretação do conceito de domicílio de forma a nele apenas incluir a residência habitual do eleito local, a verdade é que também não se vê como possa ser lesado por esta interpretação. O Tribunal Constitucional já teve a oportunidade de afirmar que nada obriga a que o conceito de domicílio utilizado em direito eleitoral coincida com a noção acolhida no Direito Civil ou na lei fiscal (acórdão nº 136/90, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 15º, pág. 93 e segs.). Estava em causa a noção de domicílio 'para efeitos de recenseamento e de apresentação de candidaturas a cargos electivos em pessoas colectivas de base territorial', tendo o Tribunal decidido que 'não se afigura (...) constitucionalmente ilegítimo que, em matéria eleitoral', para os referidos efeitos, 'se acolha
(...) a noção de residência habitual'. Ora, no caso de que nos ocupamos, nem sequer está em causa o exercício de qualquer direito directamente relacionado com a participação na vida pública. Apenas indirectamente, na medida em que se pretende compensar o eleito local pelas despesas que o exercício do seu mandato lhe provoca. Não se encontra qualquer motivo que obrigasse o legislador a utilizar um conceito de domicílio tão amplo como pretende o recorrente. Aliás, em boa verdade o que o recorrente está é a questionar o mérito da solução legislativa, tal como interpretada pelo tribunal recorrido. Não adianta nenhum motivo para que se possa afirmar violado o seu direito de participação política; nem ele se descortina. Afasta-se, assim, de igual modo a pretensa violação do artigo 18º da Constituição, admitindo-se que o recorrente a relacionava com este direito fundamental. Assim, decide-se: a) Não julgar inconstitucional a norma constante do nº 2 do artigo 12º da Lei nº
29/87, de 30 de Junho, enquanto interpretada no sentido de restringir o conceito de domicílio relevante para efeitos de atribuição do subsídio de transporte ao de residência habitual do eleito local; b) Em consequência, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que toca ao juízo de não inconstitucionalidade. Lisboa, 20 de Outubro de 1999 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Messias Bento José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida