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Proc. nº 604/99
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - J... foi condenado, por acórdão de 9 de Março de 1999 do
1º Tribunal Militar Territorial do Porto, na pena de nove meses de presídio militar, pela autoria material de um crime previsto e punido pelo artigo 88º do Código de Justiça Militar ('violências desnecessárias').
Inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal Militar, o qual, por acórdão de 17 de Junho seguinte, concedeu parcial provimento ao recurso e alterou a medida da pena para sete meses de presídio militar.
Do assim decidido pretendeu o interessado recorrer para o Tribunal Constitucional, tendo-se esclarecido, após cumprimento do disposto no nº 5 do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, que o recurso tinha por base as alíneas g) e b) do nº 1 do artigo 70º do mesmo diploma: relativamente à primeira dessas alíneas, com fundamento na inconstitucionalidade da norma do artigo 428º daquele Código, uma vez que a estatuição de um prazo tão curto como o aí previsto não assegura as garantias de defesa e viola o artigo 32º da Constituição da República (CR), como foi julgado no acórdão nº 34/96 do Tribunal Constitucional; no tocante à alínea b), tendo por objectivo a apreciação da constitucionalidade da alínea b) do artigo 2º da Lei nº 2/99, de 12 de Maio, por violação do artigo 13º da CR.
O requerimento de interposição de recurso foi indeferido por despacho de 9 de Julho último. Considerando a instrumentalidade que caracteriza os recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade, impeditiva da interposição de recursos sem repercussão prática na esfera do recorrente, como se entende ser o caso, a decisão não lhe reconhece legitimidade, na medida em que falta o interesse em agir, pois a emissão de um eventual juízo de inconstitucionalidade seria inútil, na medida em que deixaria intocado o acórdão recorrido.
Na verdade, se bem que o arguido tenha invocado a inconstitucionalidade da norma do artigo 428º do Código de Justiça Militar
(aceite que foi a existência de lapso material numa primitiva convocação do artigo 425º), atenta a exiguidade do prazo para defesa nele previsto, o certo é que nem por isso deixou de apresentar tempestivamente o seu pedido de recurso e respectiva motivação, não ocorrendo, assim, caso de 'decisão contra si proferida'. Ou seja, mesmo admitindo ter sido implicitamente aplicada a norma do artigo 428º citado, como defende o recorrente ao invocar a alínea g) do nº 1 do artigo 70º, sempre, no caso, se verificaria ausência de interesse, digno de tutela, por parte do interessado, cujo requerimento de interposição de recurso foi julgado tempestivo, acompanhado da fundamentação respectiva, e, como tal, ambos tidos em consideração pelo Supremo.
Por sua vez, e no tocante ao recurso sob a égide da alínea b) do nº 1 do artigo 70º, decidiu-se não ter sido a questão de constitucionalidade oportunamente suscitada, a tempo de aquele Supremo Tribunal poder sobre ela pronunciar-se, sendo certo que o ora reclamante teve oportunidade de equacionar a questão, o que não fez.
2. - Reclamou o arguido para o Tribunal Constitucional, invocando o disposto no artigo 76º da sua Lei Orgânica, por entender que se viola, de outro modo, o disposto nas alíneas b) e g) do nº 1 do artigo 70º.
Ouvido, neste Tribunal, o Ministério Público, nos termos do nº 2 do artigo 77º da Lei nº 28/82, entendeu o respectivo magistrado, quanto ao recurso de constitucionalidade suportado naquela alínea b), não ser o mesmo de conhecer. Como se escreveu, 'não é obviamente possível aproveitar o convite que é endereçado ao recorrente para completar ou corrigir o originário requerimento de interposição de recurso, indicando os elementos em falta, para, por essa via, 'ampliar o respectivo objecto, indicando normas que [o requerente] não havia curado de indicar no momento em que interpôs aquele recurso'.
Por sua vez, e quanto à alínea g), considera-se precludida a questão da eventual insuficiência do prazo, por colisão com o princípio das garantias de defesa, 'não sendo obviamente possível «ressuscitar» tal questão no recurso que se pretendeu interpor do acórdão proferido pelo STM. Aliás, não tendo o acórdão recorrido feito aplicação da norma constante daquele artigo 428º (desde logo, porque o ora reclamante não incluíu tão questão no
âmbito da sua alegação), falece de imediato um essencial pressuposto dos recurso de fiscalização concreta'.
Corridos os demais vistos, cumpre decidir.
3.1. - Não oferece dificuldade a questão relativa à alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82.
Com efeito, o requerimento de interposição do recurso é o momento processual adequado para a delimitação do seu objecto, não sendo admissível ampliá-lo posteriormente, se bem que possa ser restringido, nos moldes previstos no nº 3 do artigo 684º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional.
Esta orientação é de manter mesmo nos casos - como o sub judice - em que se observou o disposto no artigo 75º-A deste último texto legal, convidando-se o interessado a suprir deficiências do requerimento. Como se escreveu em acórdão deste Tribunal, assim como nas alegações de recurso se não pode ampliar o seu objecto, não é legítimo fazer-se tal ampliação a pretexto do suprimento de deficiências do requerimento. Aliás – ponderou-se então – 'outro entendimento equivaleria a transformar o requerimento de interposição do recurso numa mera formalidade, que acarretaria tantas mais vantagens quanto mais vago fosse, na medida em que se adiava a delimitação do objecto do recurso bem para lá do prazo de apresentação deste' – cfr. acórdão nº 20/97, publicado no Diário da República, II Série, de 1 de Março de 1997.
De resto, sempre seria de não conhecer do recurso nesta parte, por falta de pressupostos de admissibilidade, uma vez que anteriormente, durante o processo, não foi suscitada pelo reclamante a questão de constitucionalidade de qualquer norma do artigo 2º da Lei nº 2/99, que estabeleceu o perdão genérico e decretou a amnistia de certas infracções (na verdade, em acta da audiência no Supremo, de 17 de Junho, ficou exarada, tão só, a suscitação da eventual inconstitucionalidade da alínea b) do nº 1 desse artigo
2º, conjugadamente com o artigo 88º do Código de Justiça Militar, por violação do artigo 25º, nº 1, da CR, questão levantada pelo Promotor de Justiça, norma que o Tribunal no entanto, entendeu não ser de aplicar).
3.2. - A questão da admissibilidade do recurso com fundamento na alínea g) do nº 1 do artigo 70º não merece melhor sorte.
Na verdade - e tendo-se como aceite a ocorrência de um lapso de escrita ao citar-se, nas alegações para o Supremo Tribunal Militar, o artigo 425º do Código em referência quando se pretendia mencionar o artigo 428º
-, certo é que se colocou perante aquele Alto Tribunal o problema da constitucionalidade da norma deste artigo 428º por se entender que um 'prazo tão curto [como o aí previsto] não assegura as garantias de defesa do arguido', deste modo violando-se o disposto no artigo 32º do texto constitucional.
Foi o recorrente convidado a completar o seu requerimento de interposição de recurso de modo a nele constar a identificação da decisão do Tribunal Constitucional ou da Comissão Constitucional que, com anterioridade, julgou inconstitucional a norma aplicada pela decisão recorrida, convite feito nos termos do nº 3 do artigo 75º-A da Lei nº 28/82. E, consequentemente, veio indicar o acórdão deste Tribunal nº 34/96 (rectificado pelo acórdão nº 469/96, ambos publicados no Diário da República, I Série, de 29 de Abril de 1996).
Este aresto julgou, efectivamente, a norma do artigo
428º inconstitucional mas conjugada no complexo normativo por ele constituído e pelas normas dos artigos 431º, nº 1, e 434º do mesmo Código, 'na medida em que se concede ao arguido apenas um prazo de cinco dias para interpor e motivar o recurso e juntar a respectiva prova documental'.
Ora, no caso vertente, não se verifica uma justaposição normativa rigorosa no confronto com o acórdão-fundamento, de modo a considerar-se existir uma idêntica dimensão, fundamentante do apelo à alínea g) do nº 1 do artigo 70º.
Por sua vez, se este tipo de recurso prescinde, em nome da prevalência das decisões do Tribunal Constitucional (ou da Comissão Constitucional) em matéria de julgamento de constitucionalidade, da suscitação regular e tempestiva da questão de constitucionalidade (durante o processo), não
é menos certo que tal não signifique a necessidade da decisão recorrida, ainda que só implicitamente, ter considerado relevantemente a norma em causa: como se escreveu no acórdão nº 315/92 (publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Fevereiro de 1993), é indispensável que a decisão recorrida documente a aplicação ou a recusa de aplicação da norma questionada.
Nem o tribunal a quo, no entanto, aplicou a dita norma nem de qualquer modo se lhe referiu, como, de resto, também o reclamante não equacionou a problemática em referência anteriormente, nem sequer sob a forma de protesto, face à eventual necessidade experimentada de um prazo mais longo para organizar criteriosamente a sua defesa, só o tendo feito posteriormente à decisão recorrida, na motivação que fez acompanhar o seu requerimento de interposição de recurso, como se de alegações, prematuras, se tratasse.
Ou seja, e por outras palavras, não se acham reunidos os pressupostos do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade com fundamento na citada alínea g).
4. - Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em
_15___ unidades de conta. Lisboa, 3 de Dezembro de 1999 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida