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Processo nº 53/00
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. AG..., com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional, 'ao abrigo da alínea j) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC)' (depois corrigida a alínea para alínea b) do mesmo nº 1), do despacho do Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, de 5 de Dezembro de 1999, que negou provimento à reclamação por si apresentada, 'nos termos do art. 405º do Cód. Proc. Penal, do despacho datado de 7 de Outubro de
1999, que não admitiu o recurso que interpusera da sentença de 8 de Julho anterior, com o fundamento em que o recurso era extemporâneo'. No respectivo requerimento diz o recorrente que pretende 'ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do nº 5 do artigo 332º do Código de Processo Penal' e que tal norma 'viola os nºs 1 e 6 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa'.
2. Nas suas alegações, conclui assim o recorrente:
'1. A Meritíssima Juiz rejeitou o Recurso, com base no nº 5, do artigo 332º do C.P.P., sustentando que os arguidos se 'afastaram' da audiência, sendo, então, devidamente representados pela sua mandatária em todos os actos que lhes dissessem respeito e neles incluído o da notificação da sentença final;
2. Isto apesar do disposto no nº 7 do art. 113 do C.P.P., que dispõe que a sentença final deve ser pessoalmente notificada ao Arguido;
3. Assim reflectindo o C.P.P., naquele nº 7 do art. 113 citado, os princípios constitucionais contidos nos nºs 1 e 6 do art. 32 da CRP;
4. Assim sendo, o nº 5 do art. 332 do C.P.P., está ferido de inconstitucionalidade, por, constituindo uma excepção ao princípio geral peremptório contido no nº 7 do art. 113 do C.P.P.,
5. Violar o disposto nos nºs 1 e 6, do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa,
6. Não assegurando, por tal facto, com a indispensável firmeza e eficácia, os direitos de defesa dos demandados em processo penal, quer eles sejam demandados criminais ou cíveis. Termos em que, Deve o Despacho da Meritíssima Juiz ser revogado e substituído por outro que reconheça a inconstitucionalidade da norma do nº 5, do artigo 332º do Código de Processo Penal, Ordenando, em consequência, a aplicação do disposto nos nºs 1 e 6 do art. 32 da CRP e o nº 7 do art. 113 do C.P.P. e, ainda em consequência, admitindo-se o recurso rejeitado, por - tendo-se aplicado o referido preceito inconstitucional - se ter entendido que o prazo do recurso não começaria a contar desde a data da notificação pessoal dos Arguidos
- que finalmente o foram - mas sim desde a data da notificação da sentença à sua mandatária constituída'.
3. Contra-alegou o Ministério Público, suscitando a questão prévia do não conhecimento do recurso nestes termos:
'É pressuposto do recurso da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional que a questão de inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo e é necessário, por outro lado, que não seja admissível recurso ordinário ou estes se encontram esgotados. Ora, como é jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional, deverá considerar-se recurso ordinário a reclamação para o presidente do tribunal superior, do despacho de não admissão de um recurso. Só a decisão dela, por conseguinte, é recorrível para o Tribunal Constitucional (José Manuel M. Cardoso da Costa, A Jurisdição Constitucional em Portugal, pág. 51, em nota). O recorrente interpôs recurso da decisão da reclamação, mas depois, nas respectivas alegações, cujas conclusões foram acima transcritos, veio pedir a revogação do despacho da 1ª instância, que não é aqui recorrido. Não deve, pelo exposto, tomar-se conhecimento do recurso' (e daí a conclusão seguinte: 'Não sendo aqui recorrido o despacho proferido pelo tribunal de 1ª instância, não deverá tomar-se conhecimento do recurso interposto').
4. Ouvido o recorrente sobre tal questão prévia, nada veio dizer.
5. Tudo visto, cumpre decidir. Prima facie, há que decidir a questão prévia suscitada pelo Ministério Público, relacionada com a identificação da decisão que é objecto do presente recurso de constitucionalidade e que teria aplicado a norma arguida de inconstitucionalidade pelo recorrente.
É que, e como decorre das contra-alegações do Ministério Público, o recorrente identificou claramente no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade 'a douta decisão que lhe foi notificada' e ela só pode ser preenchida pelo despacho do Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, de 5 de Dezembro de 1999, sendo certo ainda que tal requerimento foi apresentado naquele Tribunal e dirigido ao 'Exmo. Senhor Dr. Juiz Desembargador'. Todavia, na fase das alegações, o recorrente, de forma pouco compreensível, reporta-se sempre à decisão ou despacho da 'Meritíssima Juiz', da primeira instância, que 'rejeitou o Recurso, com base no nº 5, do artigo 332º do C.P.P., sustentando que os arguidos se 'afastaram' da audiência, sendo, então, devidamente representados pela sua mandatária em todos os actos que lhes dissessem respeito e neles incluído o da notificação da sentença final', pedindo a sua revogação (no próprio texto das alegações é questionada a actuação da 'Meritíssima Juiz', sem se deixar, no entanto, de se referir à 'motivação da Reclamação do Despacho que não admitiu o Recurso da sentença final, interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa', onde teria suscitado a questão de inconstitucionalidade, e noutro passo refere também as 'instâncias', ou seja, consideram 'as Instâncias que o disposto no nº 5, do artigo 332 do C.P.P: é uma excepção ao Princípio Geral Peremptório previsto no nº 7, do artigo 113º do mesmo Diploma'). Parece haver, assim, aparentemente uma mudança quanto à identificação da decisão que teria aplicado norma pretensamente arguida de inconstitucionalidade, relevando aqui a fase das alegações que reflecte a derradeira atitude do interessado face ao recurso que interpôs (cfr. o artigo 684º do Código de Processo Civil). Só que, pode aceitar-se que, no fundo, e verdadeiramente o recorrente continua a questionar naquela fase das alegações o despacho que identificou no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, interligando-o, na sua linguagem, à actuação da 'Meritíssima Juiz', e sempre na óptica de discutir a
(in)constitucionalidade da norma do artigo 332º, nº 5, do Código de Processo Penal, em termos que adiante se verão. Tanto basta para concluir pela improcedência da questão prévia suscitada pelo Ministério Publico, inexistindo, assim, obstáculo a que se conheça do mérito do recurso de constitucionalidade.
6. Assim, aceitando-se que o recorrente erige como objecto do recurso o tal despacho do Presidente da Relação de Lisboa, de 5 de Dezembro de 1999, que negou provimento à reclamação por si apresentada, 'nos termos do art. 405º do Cód. Proc. Penal, do despacho datado de 7 de Outubro de 1999, que não admitiu o recurso que interpusera da sentença de 8 de Julho anterior, com o fundamento em que o recurso era extemporâneo', adiante-se desde já que não assiste razão ao recorrente quanto ao conhecimento do seu mérito. Com efeito, a norma questionada do nº 5 do artigo 332º do Código de Processo Penal, no sentido de que, em conjugação com o nº 7 do artigo 113º, do mesmo Código, 'o prazo do recurso não começaria a contar desde a data da notificação pessoal dos Arguidos - que finalmente o foram - mas sim desde a data da notificação da sentença à sua mandatária constituída', não viola, como sustenta o recorrente, 'o disposto nos nºs 1 e 6, do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa', não envolvendo, pois, a ofensa das garantias de defesa do arguido em processo criminal. Segundo aquelas normas do citado Código, a audiência do julgamento pode prosseguir até final, se 'o arguido se afastar da sala de audiência', quando ele
'já tiver sido interrogado e o tribunal não considerar indispensável a sua presença, sendo para todos os efeitos representado pelo defensor' (nº 5 do artigo 332º), exigindo o nº 7 do artigo 113º que a sentença seja notificada ao arguido e igualmente notificada 'ao advogado ou defensor nomeado' (notificação pessoal ao arguido que o recorrente reconhece haver sido feita in casu e os autos demonstram-no). Ora, o entendimento seguido na decisão recorrida relativamente à contagem do prazo do recurso interposto pelo recorrente 'desde a data da notificação da sentença à sua mandatária constituída' não briga com a oportunidade da interposição de tal recurso, não saindo beliscado o direito ao recurso, como garantia de defesa do arguido, à luz do artigo 32º, nºs 1 e 6, da Constituição
(outra coisa é o plano de relacionamento entre o arguido e recorrente e a 'sua mandatária constituída' quanto ao efectivo e oportuno exercício desse direito). Com efeito, o Tribunal Constitucional teve já oportunidade de dizer, a propósito da mesma norma (o nº 5 do artigo 113º, correspondendo agora ao nº 7 do mesmo preceito), que 'são configuráveis várias hipóteses que apontam para que as garantias de defesa de um arguido só serão plenamente adquiridas se ao mesmo for dado um cabal conhecimento da decisão condenatória que a seu respeito foi tomada', acrescentando-se que 'esse cabal conhecimento, atinge-se, sem violação das garantias de defesa que o processo criminal deve comportar, desde que o seu defensor - constituído ou nomeado oficiosamente -, contanto que se trate do primitivo defensor, seja notificado da decisão condenatória tomada pelo tribunal de recurso' (acórdão nº 59/99, publicado no Diário da República, II Série, nº
75, de 30 de Março de 1999).
'Na verdade, os deveres funcionais – lê-se no mesmo aresto - e deontológicos que impendem sobre esse defensor, na vertente do relacionamento entre ele e o arguido, apontam no sentido de que o mesmo, que a seu cargo tomou a defesa daquele, lhe há-de, com propriedade, transmitir o resultado do julgamento levado e efeito no tribunal superior. De harmonia com tais deveres, há-de concluir-se que o arguido, por intermédio do conhecimento que lhe é dado pelo seu defensor (aquele primitivo defensor) ficará ciente dos motivos factícios e jurídicos que o levaram a ser considerado como agente de um ilícito criminal e da reacção, a nível de imposição de pena, que lhe foi aplicada pelo Estado, ao exercitar o seu jus puniendi' (e daí apenas se ter julgado inconstitucional, 'por violação do nº 1 do artigo 32º da Lei Fundamental, a norma constante do nº 5 do artº 113º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que a decisão condenatória proferida por um tribunal de recurso pode ser notificada apenas ao defensor que ali foi nomeado para substituir o primitivo defensor que, embora convocado, faltou à audiência, na qual também não esteve presente o arguido em virtude de não ter sido, nem dever ser, para ela convocado'). Este Tribunal concluiu também no acórdão nº 109/99, publicado no Diário da República, II Série, nº 137, de 15 de Junho de 1999, não importar 'um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido' quando,
'estando o defensor do arguido presente na audiência, em que se procede à leitura pública da sentença e ao seu depósito na secretaria do tribunal, pode aí ficar ciente do seu conteúdo'.(' E, de posse de uma cópia dessa sentença – que a secretaria lhe deve entregar de imediato - pode, nos dias que se seguirem, relê-la, repensá-la, reflectir, ponderar e decidir, juntamente com o arguido, sobre a conveniência de interpor recurso da mesma' – acrescenta-se ainda).
'Assim sendo e tendo em conta que a decisão sobre a eventual utilidade ou conveniência de interpor recurso, em regra, depende mais do conselho do defensor do que, propriamente, de uma ponderação pessoal do arguido, há que concluir que este pode decidir se deve ou não defender-se, interpondo, se quiser, em prazo contado da leitura da sentença que o condene, o respectivo recurso. E pode tomar essa decisão com inteira liberdade, sem precipitações e sem estar pressionado por qualquer urgência. O processo continua, pois, a ser a due process of law, a fair process.'
Com o que não procede o vício de inconstitucionalidade apontado pelo recorrente.
7. Termos em que, DECIDINDO: a. desatende-se a questão prévia suscitada pelo Ministério Público; e b. nega-se provimento ao recurso, condenando-se o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta. Lisboa, 11 de Outubro de 2000 Guilherme da Fonseca (vencido quanto à alínea a), pois atenderia a questão prévia, na linha da posição do Ministério Público) Paulo Mota Pinto Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa