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Proc. nº 76/98
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional I Relatório
1. M... e C... instauraram, junto do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, acção comum sob a forma sumária contra C..., E.P., pedindo a condenação da ré no reconhecimento de uma servidão de passagem.
O Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, por sentença de 24 de Abril de 1997, julgou a acção procedente, condenando a ré a reconhecer que os prédios dos autores, referidos na petição inicial, beneficiam de uma servidão de passagem pela faixa de terreno ou caminho ali descrito e a repor o caminho de servidão no estado em que se encontrava, designadamente recolocando as travessas retiradas e eliminando as valas.
Para tanto, considerou que as normas contidas no artigo 26º, nºs 3 e
4, do Decreto-Lei nº 156/81, de 9 de Junho, são inconstitucionais, por violação do artigo 62º, nº 1, da Constituição.
2. C..., E.P., interpôs recurso da sentença de 24 de Abril de 1997 para o Tribunal da Relação do Porto.
Nas suas alegações, a recorrente sustentou que as normas desaplicadas não violam qualquer preceito constitucional.
Por seu turno, os recorridos, nas contra-alegações, sustentaram a inconstitucionalidade de tais normas, por violação do direito de propriedade, consagrado no artigo 62º, nº. 1, da Constituição.
O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 30 de Outubro de
1997, julgou o recurso improcedente, confirmando a decisão recorrida.
3. O Ministério Público e a C..., E.P., interpuseram recurso de constitucionalidade do acórdão de 30 de Outubro de 1997, ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea a), da Constituição e 70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição das normas contidas no artigo 26º, nºs 3 e 4 do Decreto-Lei nº 156/81, de 9 de Junho. Ao alegar junto do Tribunal Constitucional, o Ministério Público tirou as seguintes conclusões:
1º Nos termos do artigo 84º, nº 1, alínea e) da Constituição da República Portuguesa pertencem ao domínio público as linhas férreas nacionais, cumprindo
(nº 2) à lei definir o seu regime, condições de utilização e limites.
2º Por razões de tutela do interesse público na segurança da circulação ferroviária, a titularidade e o exercício de uma servidão de passagem, constituída sobre terrenos em que foi implantada a via férrea, pressupõe a existência de uma passagem de nível particular, não podendo aquele direito dissociar-se, no seu exercício, da existência desta.
3º Não constitui limitação excessiva ou desproporcionada ao aludido direito de servidão de passagem sobre certo troço da via férrea nacional a circunstância de a lei vigente impor a quem se arrogue a titularidade desse direito o ónus de, no prazo previsto no nº 3 do artigo 26º do Decreto-Lei nº 156/81, comprovar perante a empresa concessionária dos caminhos de ferro a existência de título suficiente de constituição da servidão, considerando-se (nº 4) extintas as servidões relativamente às quais tal ónus não for cumprido.
4º Termos em que deverá ser julgado procedente o presente recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida.
Por seu turno, a C..., E.P., também alegou, concluindo do seguinte modo: a. A pretensa servidão invocada pelos autores não é mais do que uma passagem de nível atravessando o caminho de ferro, portanto, integrada no domínio público. Pois, b. Todo o complexo que constitui o caminho de ferro se integra no domínio público, e c. As coisas do domínio público estão fora do comércio jurídico. (Art.
202º, nº 2 do C.Civil) e d. A sua afectação ao domínio público implica que o seu possuidor 'perde a posse', por a coisa 'ser posta fora do comércio' - art. 126º, nº 1, al. b) do Cód Civil, e. O que aconteceu com o estabelecimento da linha férrea, f. Provocando a extinção de qualquer pretensa 'servidão que existisse, certo como é que a sua existência implica corpus que se traduz, de algum modo, na posse. Assim e por outro lado, g. Foi publicado, entretanto, o Dec.Lei 158/81, de 9/6, que limitou taxativamente (por notórias razões de interesse público) as forma de possível existência de passagens de nível, bem se compreendendo o carácter cautelar desse regime, face à perigosidade das mesmas, o que bem explica que tenha de estar esclarecidos, conhecidas e controladas – cfr. Ac. da Rel. de Évora de 27/11/86, in Col. Ano XI, Tomo 5, pág. 292. h. De acordo com o citado Dec-Lei 158/81, de 9/6, a passagem de nível em crise (integrada no domínio público), ao respectivo regime sujeita, passou a ser considerada passagem de nível particular, pelo que, i. Nos termos do seu art. 26º, nºs 2 e 3, os titulares de passagens de nível a que se refere a al. b) do nº 1, ficam obrigados a, no prazo de um ano a contar da entrada em vigor do presente regulamento, comprovarem perante o caminho de ferro a constituição da servidão mediante título suficiente. j. Considerando-se extintas aquelas relativamente às quais não for cumprido o disposto no número anterior – artº 26º, nº 4.
É que a. nº 4, do citado art. 26º, do Dec-Lei 158/81, de 9/6 ao impor, por notórias razões de interesse público, restrições à existência de passagens de nível particulares, sobre bens do domínio público, face à sua perigosidade, o que bem explica o estabelecimento de um regime limitativo, não colide com o art.
62º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, b. Tanto mais que não restringe, por qualquer forma, o direito de propriedade ou qualquer outro real, que não existe sobre bens do domínio público, c. E muito menos aquele preceito constitucional impede que a lei ordinária regulamente, de acordo com o interesse público, o exercício e extinção de regimes de utilização, no caso em que colidem com bens do domínio público, como são as linhas férreas. d. Pelo exposto e pelo mais que V. Exa. doutamente suprirão, as disposições dos nºs 3 e 4 do Regulamento aprovado pelo Dec-Lei 156/91, de 9/6, não colidem com o nº 1, do art. 62º da Constituição da República Portuguesa. e. Deve, assim, no provimento do recurso, revogar-se o acórdão recorrido, na parte em que declaram a inconstitucionalidade das sobreditas normas, com as consequências legais. Por último, os recorridos contra-alegaram, concluindo o seguinte: A. Não pode dizer-se que não constitui limitação excessiva ou desproporcionada ao direito de servidão de passagem, impôr a quem se arrogue titular desse direito o ónus de comprovar perante a empresa concessionária dos caminhos de ferro a existência de título suficiente de constituição da servidão, B. No caso dos autos, trata-se de uma servidão constituída antes da construção da via férrea, do que resulta ser impossível aos seus titulares dispor de um título passado pela (então futura) empresa concessionária dessa via; C. Acresce que é ponto assente que a servidão foi constituída por destinação do pai de família ou, pelo menos, por usucapião, do que resulta que essa constituição não é titulada por natureza, pelo que não pode ser provada por documentos, mas apenas pela posse, sendo certo que está provado que a C... sempre reconheceu essa posse e manteve aberta a passagem; D. Ao exigir a apresentação de um título, o art. 26 do DL. 156/81 exige uma prova impossível para manter a servidão, pondo em causa um dos corolários fundamentais do direito de propriedade, que é o direito de não ser privado dela; E. Por outro lado, dos artigos 4, 12 e 13 da Lei nº 7, de 10 de Janeiro de
1865), bem como as Bases XXI e XXII do Decreto-Lei 38:246, de 9 de Maio de 1951, resulta expressamente que os direitos anteriores à construção do caminho de ferro só se extinguiram nos casos em que foram expropriados; F. Do mesmo modo, se hoje fosse aberta uma nova via férrea, a extinção de qualquer direitos de servidão que a mesma justifique só poderá efectuar-se pelo processo de expropriação e com pagamento de indemnização, G. Apesar disso, o art. 26 do DL. 156/81 prevê uma extinção do direito de servidão dos recorridos sem qualquer expropriação e sem pagamento de indemnização; H. Pelo que trata de forma diferente situações iguais, violando, além do artigo 62, o princípio da igualdade previsto no artigo 13, ambos da Constituição; I. Por outro lado ainda, o nº 6 do citado artigo 26 apenas prevê o recurso à via judicial nos casos de extinção dos direitos de servidão por desnecessidade; J. Em tudo o mais, o artigo 26 do DL. 156/81 comete em exclusivo e sem possibilidade de intervenção da via judicial o 'direito' da empresa concessionária da exploração do caminho de feito decidir da extinção do direito de servidão de que os recorridos são titulares; K. Aí se prevendo a produção de prova unicamente perante essa empresa, que a analisa pelo seu critério arbitrário e dá início e fim a todo o mecanismo de extinção do direito de servidão, excluindo qualquer intervenção dos tribunais em todo esse processo; L. Ora, como entende Meneses Cordeiro (Direitos Reais, I, 87): «... apenas ao poder judicial compete aplicar a lei patrimonial quando estejam em jogo direitos dos cidadãos reconhecidos por lei, quando haja de compor litígios ou quando se trate de aplicar sanções. Quaisquer normas que cometessem tal competência à Administração estariam feridas de inconstitucionalidade.» M. Assim, o artigo 26 do DL. 156/81, de 9/6 é inconstitucional, por violar também os artigos 62, 13, 202 (anterior 205) e 203 (anterior 206) da Constituição da República Portuguesa.
4. Corridos os vistos, cumpre decidir. II Fundamentação A As questões de constitucionalidade suscitadas pelo artigo 26º, nºs 3 e 4, do Decreto-Lei nº 156/81, de 9 de Junho
5. As normas em crise têm a seguinte redacção: Artigo 26º
(Condicionamentos)
(...)
3 - Os titulares das PN a que se refere a alínea b) do nº 1 ficam obrigados a, no prazo de um ano a contar da entrada em vigor do presente regulamento, comprovarem perante o CF a constituição da servidão, mediante título suficiente.
4 - Consideram-se extintas as servidões relativamente às quais não for cumprido o disposto no número anterior, podendo, no entanto, as PN ser mantidas em regime de licença.
(...)
6. A decisão recorrida considerou que tais normas violam o direito
à propriedade constitucionalmente consagrado, uma vez que transferem para os particulares um ónus que devia impender sobre a C.P., consagrando um modo de extinção das servidões não previsto no Código Civil.
Por seu turno, os recorridos entendem que as normas desaplicadas são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, pois o Decreto de Lei nº 7, de 10 de Janeiro de 1865, assim como as Bases XXI e XXII do Decreto-Lei nº
38 246, de 9 de Maio de 1951, consagraram a expropriação como modo de extinção dos direitos anteriores à construção do caminho de ferro, o que contrasta com o Decreto-Lei nº 156/81, de 9 de Junho, que estabelece a extinção das servidões por forma diferente, num momento posterior à construção dos caminhos de ferro
(na perspectiva do recorrido, as normas em apreciação conferem tratamento diferente a situações substancialmente iguais). Os recorridos entendem, também, que tais normas exigem uma prova impossível, dado que a servidão nunca poderia ter sido titulada por um documento, o que colide com o direito de propriedade, consagrado no nº. 1 do artigo 62º da Constituição. E sustentam, por último, que as normas em apreciação impedem o recurso à via judicial, o que violaria o disposto nos artigos 205º e 206º da Constituição. B A justificação legislativa da norma questionada e a eventual violação do direito de propriedade
7. As normas contidas nos nºs 3 e 4 do artigo 26º do Decreto-Lei nº 156/81, de
9 de Junho, prevêem a 'extinção' das servidões das quais não tiver sido feita prova da existência perante a C..., mediante 'título suficiente', dentro de um certo prazo. Tal solução visa fundamentalmente o recenseamento das passagens de nível existentes, com vista à melhoria das respectivas condições de utilização
(visibilidade, automatização, controlo, etc.), indispensável para a segurança da circulação ferroviária. É, portanto, justificável por um interesse público de segurança. O diploma em causa visou criar um sistema que permitisse, de modo eficaz, racionalizar o estabelecimento e o funcionamento das passagens de nível, para o que exigiu a comprovação, mediante título suficiente, da anterior constituição das servidões, durante o prazo de um ano. Segundo uma certa leitura deste preceito, na lógica das normas desaplicadas, uma servidão só se extinguirá se efectivamente tiver sido constituída no passado e não tiver sido demonstrada a sua constituição. Na verdade, as normas em apreço operariam logicamente num momento distinto do momento da extinção do direito: é pedida a comprovação do título constitutivo para que o direito de servidão de passagem possa garantir ao seu titular um outro direito que oneraria o domínio público. Caso essa comprovação não seja realizada, não se pode dizer que se operou uma extinção de um direito de servidão nesse momento, pois não se chegou a demonstrar a sua existência. O que se extinguiria, verdadeiramente, seria a pretensão a ver reconhecido o exercício de um direito sobre o domínio público porque a demonstração de um anterior direito de servidão constituído sobre o domínio privado não foi realizada num certo prazo. Tratar-se-ia, portanto, de um prazo de caducidade para a prova da existência de um direito de servidão de passagem, a fim de ser concedido um novo direito de passagem sobre o domínio público.
Colocada a questão nestes termos, verifica-se que a aplicação das normas sub judicio não implica directa e necessariamente a limitação (ou mesmo a eliminação) de um direito real de gozo. Apenas condicionará a subsistência, para além de um certo prazo, da pretensão à concessão de um direito de passagem. No caso dos autos, resulta da teleologia do diploma em questão que uma eventual extinção do direito de servidão de passagem é admitida, em última análise, como efeito prático-jurídico do condicionalismo previsto, em função dos interesses públicos da segurança e do bom funcionamento dos transportes ferroviários. Todavia, isso acontece, apenas, na medida em que o titular do direito de servidão, que justificaria uma concessão que oneraria o domínio público (cf. Decreto-Lei nº 158/81, de 9 de Setembro), não tem a seu favor uma possibilidade temporalmente ilimitada de provar que o seu direito existia e, consequentemente, pretender que o titular do domínio público aguarde ilimitadamente pela definição da sua própria situação jurídica, a fim de lhe ser concedido o direito de passagem. Poderá pois afirmar-se que a afectação da esfera jurídica do particular, decorrente de uma aplicação das normas em crise, se encontra juridicamente fundamentada numa ponderação de interesses bastante. O interesse na demonstração, dentro de um prazo razoável, da existência de um pressuposto justificativo da aceitação de uma oneração do domínio público prevalece sobre um ilimitado direito de ver reconhecida a existência anterior de uma servidão de passagem. E as razões de segurança ferroviária justificam adequadamente as referidas limitações temporais ao reconhecimento da existência anterior do direito de servidão de passagem.
8. Mas numa compreensão do sentido mais sintético da regulamentação levada a cabo pelo artigo 26º do Decreto-Lei nº 156/81, entender-se-á, até, que tal preceito é pura manifestação da natureza administrativa daquelas 'servidões', isto é, pura decorrência do poder de licenciamento da C.P. na concessão de tais passagens de nível particulares e que não estará de todo em causa qualquer verdadeiro direito real sobre o domínio público, mas apenas a regulamentação dos termos em que a concessão de uma passagem de nível particular se justifica.
9. Tanto numa como noutra leitura o regime subjacente ao artigo 26º do Decreto-Lei nº 156/81 não colide com o artigo 62º, nº 1, da Constituição. Na verdade, ou não haverá uma limitação do próprio direito de servidão de passagem, mas apenas um condicionamento do seu reconhecimento, justificado pelos interesses públicos prevalecentes na concessão de uma concessão de passagem sobre o domínio público, ou nem sequer se poderá considerar que seja legítimo o apelo à esfera de protecção do artigo 62º da Constituição por estar em causa uma mera autorização de passagem sobre um bem do domínio público.
10. Contra estas conclusões não se poderá opor o argumento de que as servidões constituídas antes da passagem do caminho de ferro e não expropriadas se não extinguiram e que o artigo 26º do Decreto-Lei nº 156/81, por não prever qualquer indemnização, viola os artigos 62º e 13º da Constituição.
Com efeito, resulta do artigo 26º do Decreto-Lei nº 156/81 que as passagens de nível particulares apenas podem resultar de licença passada pelos Caminhos de Ferro ou de compromisso assumido por estes por ocasião da construção da via férrea, tendo neste caso o regime que o título constitutivo e a lei prescreveram para o direito de servidão. Mas não se extrai, da legislação anterior, nomeadamente da citada pelo recorrente, que se pudessem ter mantido passagens de nível particulares como pura decorrência de servidões de passagens constituídas anteriormente sobre prédios atravessados pelos Caminhos de Ferro, sem o acordo destes, mantendo-se, na sua plenitude, mas agora sobre o domínio público, servidões de passagem. A legislação invocada apenas se refere à integração no domínio público de todos os caminhos de ferro (artigo 1º do Decreto de 31 de Dezembro de 1864, publicado no Diário de Lisboa de 10 de Janeiro de 1865) e às servidões constituídas por ocasião das obras que levaram à criação do caminho de ferro, prescrevendo o artigo 4º, nº 3º, do referido Decreto que 'O governo decretará pelo ministério das obras publicas, commercio e industria todas as providencias necessárias para tornar effectivas as servidões temporarias ou permanentes, a que as mesmas propriedades são sujeitas por este decreto, pelas leis de expropriação e pelas de viação publica' (cf., no mesmo sentido, artigos 12º e 13º deste decreto do século passado).
11. Um eventual não cumprimento das leis de expropriação no que se refere a servidões anteriormente constituídas não é, obviamente, objecto passível de apreciação pelo Tribunal Constitucional no presente recurso, até porque, se razões derivadas da natureza do controlo de constitucionalidade não o impedissem, no caso a comprovação da constituição anterior de tal servidão não foi sequer feita.
Mas já é manifestamente inatacável numa perspectiva de constitucionalidade que o diploma de 1981 declare que só através de compromisso assumido pelo Caminho de Ferro se mantiveram servidões anteriormente constituídas, dada a integração do Caminho de Ferro, desde a sua origem, no domínio público.
Assim, fica prejudicado o entendimento dos recorridos e da sentença recorrida de que a exigência de prova mediante título suficiente se traduz numa excessiva oneração do particular, pois ele apoia-se no argumento de que teria havido transferência automática de direitos de servidão anteriormente constituídos sobre bens do domínio privado para o domínio público em que tais bens se converteram. Como se disse, tal argumento não contempla a transformação essencial que se operou com a criação do Caminho de Ferro na titularidade e natureza dos bens. C A questão da eventual violação dos artigos 202º e 203º da Constituição
12. Os recorridos sustentam, por outro lado, que as normas cuja aplicação foi recusada pela decisão recorrida impedem o recurso à via judicial, retirando aos tribunais o poder de julgar litígios em matéria de direitos reais.
No entanto, mesmo admitindo que estaríamos perante verdadeiros direitos reais, nada impedia os ora recorridos de lançarem mão dos mecanismos processuais gerais através da instauração de uma acção de mera apreciação para que fosse reconhecido o seu direito anteriormente constituído, opondo esse título à C... O prazo de caducidade que a norma questionada prevê não restringe a intervenção dos tribunais na resolução de litígios associados àquelas situações, apenas interfere com o prazo durante o qual existe a possibilidade de prova de um direito de passagem sobre um prédio privado constituído anteriormente, para efeitos de concessão pelos Caminhos de Ferro de um direito de passagem sobre o domínio público.
13. Os recorridos sustentam, contudo, que o artigo 26º do Decreto-Lei nº 156/81, de 9 de Junho, atribui à empresa concessionária da exploração do caminho de ferro competência para decidir da extinção de um direito de servidão. Porém, a extinção da tutela jurídica da pretensão a ver atribuída uma concessão de passagem por força de um eventual direito de servidão, não é em si mesma uma extinção de qualquer direito de servidão e, para além do mais, resulta do decurso do prazo legal e não de uma qualquer decisão daquela empresa (decisão, aliás, inexistente nos presentes autos, desde logo porque os recorridos não demonstraram o direito nesse prazo, como foi referido).
Toda esta argumentação do recorrido não terá sequer qualquer cabimento para quem acentue a natureza administrativa de tais direitos de passagem e relativize a associação da autorização administrativa ao pressuposto de constituição prévia de uma servidão de passagem sobre um prédio de titularidade privada. D A questão da eventual violação do princípio da igualdade
14. Por último, o recorrido invoca o princípio da igualdade para fundamentar a inconstitucionalidade das normas sub judicio, confrontando-as com o quadro legal anterior que regula a expropriação das servidões constituídas antes da entrada em funcionamento dos Caminhos de Ferro e invocando o argumento de que se hoje fosse aberta uma nova via férrea, a extinção de qualquer direito de servidão implicaria a expropriação e a respectiva indemnização.
Porém, como se referiu anteriormente, não está em causa a extinção de um direito de servidão constituído anteriormente à entrada em funcionamento dos Caminhos de Ferro, seja porque é apenas do reconhecimento e comprovação de tal direito como pressuposto de uma concessão que se trata seja porque à natureza do direito em questão está associada uma concessão dos Caminhos de Ferro relativamente ao direito de passagem sobre o domínio público. III Decisão
15. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucionais as normas contidas no artigo 26º, nºs 3 e 4, do Decreto-Lei nº
156/81, de 9 de Junho, revogando a decisão recorrida, que deverá ser reformulada de acordo com o presente juízo de constitucionalidade. Lisboa, 7 de Dezembro de 1999- Maria Fernanda Palma Bravo Serra Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa