Imprimir acórdão
Processo n.º 268/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
Por acórdão proferido no Processo Comum (Tribunal Coletivo) n.º 130/10.0JAFAR, do 2.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial de Loulé, A. foi condenado na pena de 14 anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio simples, previsto e punido pelo artigo 131.º do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 3.º, n.º 2, alínea l), e 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 17/2009, de 6 de maio, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 15 anos de prisão.
Inconformado, o arguido recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 22 de novembro de 2011, julgou parcialmente procedente o recurso na parte respeitante à medida da pena e, em consequência, decidiu reduzir para 12 anos de prisão a pena referente à prática do crime de homicídio simples, na forma consumada, previsto e púnido pelo artigo 131.º do Código Penal, fixando em 12 anos e 8 meses de prisão a pena única dos crimes em concurso.
O arguido interpôs recurso deste acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 21 de março de 2012, lhe negou provimento.
O arguido recorreu então para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), nos seguintes termos:
«A., arguido nos autos à margem indicados, notificado do douto acórdão de fls..., não se conformando, vem dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do art. 70º nº 1-b) da LTC, nos termos seguintes:
Na ótica do Recorrente, o acórdão da Relação proferido nos autos interpretou e aplicou erroneamente os arts. 410º, 412º nº 3 e 428º do C.P.P., devidamente conjugados com os arts. 368º, 369º e 374º do mesmo código, quando não apreciou a impugnação da matéria de facto relativamente a factos que, na ótica do Recorrente, deviam ter sido julgados como provados e não constam da decisão condenatória de 1.ª instância, nem como provados nem como não provados.
Estava basicamente em causa a circunstância de o tiro fatal que causou a morte da vítima ter sido disparado não só no quadro de uma acesa troca de palavras – como consta da sentença da 1.ª instância –, como também no contexto de um confronto físico entre vítima e arguido, no decurso do qual a vítima agrediu o arguido várias vezes na cabeça, provocando-lhe um ferimento na parte interna do lábio inferior.
Não estando em causa a qualificação do crime, qualquer um há de reconhecer que tal contexto altera substancialmente o grau da culpa.
Em face de tal interpretação errónea da lei do processo, o arguido interpôs recurso daquele acórdão do Tribunal da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, no qual sustentou que a Relação, em sede de apreciação da impugnação da matéria de facto, tem o dever de apreciar a impugnação que se reporte a factos omitidos na sentença condenatória, cuja relevância seja sustentada pelo recorrente.
Logo se arguiu, nesse recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, a inconstitucionalidade da interpretação normativa dada aos arts. 368º nº 2, 369º e 374º nº 2 do C.P.P. – por si sós conjugados ou lidos em conjugação com os arts. 410º nº 1, 412º nº 3 e 428º do mesmo Código – no sentido em que não pode ser objeto do recurso – num recurso para a Relação sobre a matéria de facto – a factualidade objeto da prova produzida na 1.ª instância, que o Recorrente sustente como relevante para a decisão da causa, quando tal matéria não conste do elenco dos factos provados e não provados da decisão recorrida, nem conste da acusação ou da contestação.
Pelo douto acórdão ora recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça adoptou o mesmo entendimento que a Relação de Lisboa quanto à limitação do âmbito da impugnação da matéria de facto nos termos acima censurados.
E, relativamente à inconstitucionalidade arguida, tal aresto, ora recorrido veio dizer:
“Podemos concluir que a interpretação seguida pela Relação restringindo a impugnação da matéria de facto ao horizonte contextual vertido na sua fundamentação factual, tal como o art. 374º nº 2, do CPP, a conforma, em termos de ela só poder incidir no esquema antinómico facto provado - facto não provado, não é atentatória do direito ao recurso nem da Constituição.”
Porém, o Recorrente continua a entender que é inconstitucional a interpretação normativa dada aos arts. 374º nº 2, 410º nº 1, 412º nº 3 e 428º do C.P.P., conjugadamente considerados, no sentido em que não pode ser objeto da impugnação da matéria de facto – num recurso para a Relação sobre a matéria de facto – a factualidade objeto da prova produzida na 1.ª instância, que o Recorrente-arguido sustente como relevante para. a decisão da causa, quando tal matéria não conste do elenco dos factos provados e não provados da decisão recorrida.
Tal entendimento normativo viola o direito ao recurso que o art. 32º nº 1 da CRP consagra (bem como o art. 2º do protocolo nº 7 à CEDH), contemplando uma restrição desproporcionada e injustificada ao direito ao recurso em matéria de facto.”
O recorrente apresentou alegações, concluindo da seguinte forma:
«A) É pacífico o entendimento de que a garantia constitucional do direito ao recurso tanto abrange a matéria de direito como a matéria de facto.
Não oferece igualmente contestação que não se trata de um direito absoluto, o qual, assim, pode ser restringido de acordo com um critério de razoabilidade e proporcionalidade.
O problema dos autos é, pois, o de saber se é ou não razoável e proporcional – em função dos valores assegurados pela Constituição – a limitação do direito ao recurso em matéria de facto adotada no entendimento normativo em apreço: ou seja, a de que não pode ser objeto de recurso matéria que não conste do elenco dos factos dados como provados e não provados na sentença da 1.ª instância.
B) Há algum motivo atendível que imponha que uma questão essencial para a defesa – que foi efetivamente objeto da prova – não possa ser valorada, em recurso sobre a matéria de facto, no âmbito do exame crítico substitutivo que cabe fazer à Relação?
Não se vislumbra que tal motivo atendível exista.
C) Veja-se o caso dos autos. Discute-se no recurso para a Relação se o tiro fatal – que produziu a morte da vítima – ocorreu ou não no quadro de um grave confronto físico entre agressor e vítima, no decurso do qual a vítima também agrediu o arguido.
Se a 1.ª instância ignorou tal enquadramento, é legítimo excluir a apreciação da ocorrência ou não de tal factualidade do âmbito do recurso? Julgamos que não.
D) Assim sendo, não é razoável nem proporcional restringir o âmbito do recurso à factualidade dada como provada e não provada pela sentença da 1.ª instância, excluindo factualidade relevante – in casu, relevantíssima – que também ocorreu, foi objeto da prova e simplesmente não foi equacionada pela sentença recorrida.
E) Pelo exposto, é inconstitucional a interpretação normativa dada aos arts. 410º nº 1, 412º nº 3 e 428º do C.P.R, devidamente conjugados com os arts. 339º nº 4, 368º nº 2 e 374º nº 2, do mesmo código, no sentido em que não pode ser objeto da impugnação da matéria de facto – num recurso para a Relação sobre a matéria de facto – a factualidade objeto da prova produzida na 1.ª instância, que o Recorrente-arguido sustente como relevante para a decisão da causa, quando tal matéria não conste do elenco dos factos provados e não provados da decisão recorrida, por violação do direito ao recurso que o art. 32º nº 1 da CRP consagra (bem como o art. 2º do protocolo nº 7 à CEDH).
Termos em que o recurso merece provimento com as legais consequências.»
O Ministério Público apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1º - É a fundamentação das decisões penais condenatórias que permite o exercício de um efetivo direito ao recurso em matéria de facto.
2º - Nos termos do artigo 374.º, n.º 2, do CPP, da fundamentação deve constar a enumeração dos factos provados e não provados.
3º - Das disposições conjugadas dos artigos 339.º, n.º 4, 368.º, n.º 2 e 374.º, n.º 2, do CPP, extrai-se que o elenco dos factos provados e não provados deve ser constituído por aqueles que foram alegados pela acusação, pela contestação e os que resultam da discussão da causa e mostrem relevantes.
4º - A Relação, conhecendo em recurso da matéria de facto, apenas pode sindicar o resultado do exame crítico da prova produzida em 1.ª instância, considerando provados factos que não o foram ou vice-versa.
5.º - De outra forma, a Relação estaria, pela primeira vez e sem imediação a apreciar e a valorar a prova produzida na 1.ª instância, subvertendo a ideia de recurso.
6.º - Assim, a interpretação normativa que constitui objeto do recurso, ou seja: “ a inconstitucionalidade da interpretação normativa dada aos arts. 368.º, n.º 2 e 374.º, n.º 2 do C.P.P. – por si só conjugados ou lidos em conjugação com os arts. 410.º, n.º 1, 412.º, n.º 3 e 428.º do mesmo Código – no sentido em que não pode ser objeto do recurso – num recurso para a Relação sobre a matéria de facto – a factualidade objeto da prova produzida na 1.ª instância, que o Recorrente sustente como relevante para a decisão da causa, quando tal matéria não conste do elenco dos factos provados e não provados da decisão recorrida, nem conste da acusação ou da contestação”, não é inconstitucional, por violação das garantias da defesa e do direito ao recurso (artigo 32.º, n.º 1 da Constituição).
7.º - A questão colocada pelo presente recurso, deve colocar-se ao nível das nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 1, alínea a) do CPP).
8.º - Termos em que deverá negar-se provimento ao recurso.”
Fundamentação
O Recorrente pretende ver sindicada a constitucionalidade da «interpretação normativa dada aos arts. 410º nº 1, 412º n.º 3 e 428º do C.P.P., devidamente conjugados com os arts. 339º nº 4, 368º nº 2 e 374º nº 2, no sentido em que não pode ser objeto da impugnação da matéria de facto – num recurso para a Relação sobre a matéria de facto – a factualidade objeto da prova produzida na 1ª instância, que o Recorrente-arguido sustente como relevante para a decisão da causa, quando tal matéria não conste do elenco dos factos provados e não provados da decisão recorrida».
Segundo o Recorrente, tal entendimento normativo viola o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição (bem como no artigo 2.º, do Protocolo n.º 7, da CEDH), constituindo uma restrição desproporcionada e injustificada ao direito ao recurso em matéria de facto.
Vejamos, antes de mais, o teor das disposições legais indicadas pelo Recorrente, sobre as quais se formou a interpretação normativa que este pretende sindicar.
O n.º 1 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, tem o seguinte teor:
«Artigo 410.º
Fundamentos do recurso
1 – Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
[…]»
Por sua vez, o n.º 3 do artigo 412.º do aludido Código, na redação dada pela Lei nº 48/2007, de 29 de agosto, dispõe o seguinte:
«Artigo 412º
Motivação do recurso e conclusões
[…]
3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
[…]»
O artigo 428.º, também do Código de Processo Penal (na redação dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, corrigida pela Declaração de Retificação nº 100-A/2007, de 26 de outubro, e pela Declaração de Retificação nº 105/2007, de 9 de novembro), sob a epígrafe «Poderes de cognição», estabelece que «As relações conhecem de facto e de direito».
Por sua vez, o artigo 339.º, n.º 4, do mesmo Código prevê o seguinte:
«Artigo 339.º
Exposições introdutórias
[…]
4 – Sem prejuízo do regime aplicável à alteração dos factos, a discussão da causa tem por objeto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, tendo em vista as finalidades a que se referem os artigos 368º e 369º.»
O artigo 368.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, por seu turno, dispõe o seguinte:
«Artigo 368º
Questão da culpabilidade
[…]
2 – Em seguida, se a apreciação do mérito não tiver ficado prejudicada, o presidente enumera discriminada e especificadamente e submete a deliberação e votação os factos alegados pela acusação e pela defesa, e bem assim os que resultarem da discussão da causa, relevantes para as questões de saber:
a) Se se verificaram os elementos constitutivos do tipo de crime;
b) Se o arguido praticou o crime ou nele participou;
c) Se o arguido atuou com culpa;
d) Se se verificou alguma causa que exclua a ilicitude ou a culpa;
e) Se se verificaram quaisquer outros pressupostos de que a lei faça depender a punibilidade do agente ou a aplicação a este de uma medida de segurança;
f) Se se verificaram os pressupostos de que depende o arbitramento da indemnização civil.
[…]»
Finalmente, o artigo 374.º, do Código de Processo Penal, dispõe o seguinte nos seus n.ºs 1 e 2:
«Artigo 374.º
Requisitos da sentença
1 – A sentença começa por um relatório, que contém:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis;
c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido;
d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.
2 – Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
[…]».
No nosso sistema processual penal a fundamentação da sentença penal exige, por um lado, a enumeração dos factos provados e não provados e, por outro lado, a exposição completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.
A enumeração dos factos provados e dos factos não provados, segundo decorre do artigo 368.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, acima transcrito, traduz-se na tomada de posição por parte do tribunal sobre todos os factos sujeitos à sua apreciação e sobre os quais a decisão terá de incidir, isto é, sobre os factos constantes da acusação ou da pronúncia, da contestação e do pedido de indemnização, e ainda sobre os factos com relevância para a decisão que, embora não constem de nenhuma daquelas peças processuais, tenham resultado da discussão da causa.
Esta enumeração revela-se de extrema importância, pois evidencia quais os factos que foram efetivamente considerados e apreciados pelo tribunal e sobre os quais recaiu um juízo de prova.
No presente caso, o arguido, em recurso, impugnou a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, pretendendo que o Tribunal da Relação considerasse provados determinados factos que, no seu entendimento, haviam resultado da discussão da causa e que não constavam na lista de factos provados e não provados.
O Tribunal da Relação não conheceu o recurso, nesta parte, sustentando que não é suscetível de integrar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto a pretensão do Recorrente de que sejam considerados provados factos que na sua opinião resultaram da discussão da causa, mas que não foram contemplados na lista dos factos provados e não provados constante do acórdão proferido na 1.ª instância.
O Recorrente acusa este critério normativo, que foi confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão recorrido, de violar o direito ao recurso em processo penal, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.
Em matéria penal, o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição que, relativamente à sentença condenatória, se traduz na necessidade de assegurar ao arguido a faculdade de pedir a sua reapreciação, quer quanto à matéria de direito, como à matéria de facto, por um tribunal superior.
Mas, o direito ao recurso constitucionalmente garantido não exige que o controlo efetuado pelo tribunal superior se traduza num julgamento ex-novo da matéria de facto, face às provas produzidas, podendo esse controlo limitar-se a aferir se a instância recorrida não cometeu um error in judicando, conforme já se decidiu no Acórdão n.º 59/2006 deste Tribunal (acessível em www.tribunalconstitucional.pt), onde se escreveu:
“Na verdade, seria manifestamente improcedente sustentar que o recurso para o Tribunal da Relação da parte da decisão relativa à matéria de facto devia implicar necessariamente a realização de um novo julgamento, que ignorasse o julgamento realizado em 1ª instância. Essa solução traduzir-se-ia num sistema de “duplo julgamento”. A Constituição em nenhum dos seus preceitos impõe tal solução…”
Daí que o direito do arguido recorrer da sentença condenatória, na parte em que decidiu a matéria de facto, possa não contemplar a possibilidade do tribunal de recurso considerar provados determinados factos que, no entendimento do recorrente, hajam resultado da discussão da causa, mas que não constam da lista de factos provados e não provados da sentença recorrida. É que tal fundamento de recurso já não se situa em sede de apreciação da correção do julgamento da instância inferior que não incluiu tais factos, visando antes a realização de um novo julgamento pelo tribunal de recurso da prova produzida na primeira instância.
Isto não quer dizer que a falta de consideração pela sentença recorrida de factos abordados na discussão da causa, não fazendo recair sobre eles um juízo de prova, não deva ser passível de reação pelo arguido, de forma a assegurar na plenitude os seus direitos de defesa (vide sobre a importância do tribunal incluir na lista dos factos provados e não provados os factos relevantes para a decisão da causa, mesmo que apenas tenham sido referidos em julgamento, SÉRGIO POÇAS, em “Da Sentença Penal – fundamentação de facto”, na Revista Julgar, Setembro-Dezembro 2007, págs. 24-25).
Mas o mecanismo processual que possibilite essa reação não passa necessariamente pela consagração do direito de solicitar a um tribunal de recurso que ajuíze, em primeira mão, se os factos omitidos, face à prova produzida, resultaram demonstrados, sendo suficiente que o arguido tenha a possibilidade de invocar a nulidade resultante da respetiva omissão de pronúncia, cabendo ao tribunal de recurso verificá-la e determinar o seu suprimento pelo tribunal de 1.ª instância.
Esse meio de reação encontra-se, aliás, previsto no artigo 379.º, do Código de Processo Penal, que no n.º 1, a), sanciona com a nulidade a sentença que não contenha as menções referidas no n.º 2, do artigo 374.º, onde consta a enumeração dos factos provados e não provados, o que inclui aqueles que resultaram da discussão da causa (artigo 368.º, n.º 2), devendo essa nulidade ser arguida ou conhecida em recurso, sem prejuízo do tribunal recorrido a poder suprir (n.º 2, do artigo 379.º).
Ora, o critério sindicado se não admite que possa ser fundamento do recurso da decisão sobre a matéria de facto a pretensão do Recorrente de que sejam considerados provados factos que na sua opinião resultaram da discussão da causa, mas que não foram contemplados na lista dos factos provados e não provados constantes do Acórdão proferido na 1.ª instância, não impede que essa omissão seja qualificada como uma nulidade invocável pelo arguido perante o tribunal superior.
Ora, em situações como a dos autos, revela-se suficiente um regime de nulidade que sancione a eventual ocorrência de um vício de omissão de pronúncia sobre determinados factos que o recorrente entenda como relevantes para a decisão da causa, não sendo necessário, por essa razão, conferir a possibilidade de direta impugnação da matéria de facto. A proteção dos direitos de defesa do arguido nesta situação não exige um alargamento da possibilidade de recurso em matéria de facto que permita que o mesmo se estenda a factos sobre os quais a primeira instância não se pronunciou.
Em suma, existindo no regime processual penal, quanto à matéria em questão, outro mecanismo (arguição de nulidade) que confere ao arguido uma plena exequibilidade do seu direito de defesa perante omissões no elenco dos factos provados e não provados, e não tendo a interpretação sindicada afastado o exercício desse meio de reação, é manifesto que a interpretação sindicada não coloca em causa a garantia do direito de defesa, designadamente do direito ao recurso de uma sentença condenatória.
Assim sendo, e pelas razões expostas, impõe-se concluir que a interpretação normativa objeto de fiscalização não viola o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, nem qualquer outro parâmetro constitucional, pelo que o presente recurso não merece provimento.
Decisão
Nestes termos, decide-se:
a) Não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 410.º, n.º 1, 412.º, n.º 3, e 428.º, conjugados com os artigos 339.º, n.º 4, 368.º, n.º 2, e 374.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal, na interpretação de que não pode ser objeto da impugnação da matéria de facto, num recurso para a Relação, a factualidade objeto da prova produzida na 1ª instância, que o Recorrente-arguido sustente como relevante para a decisão da causa, quando tal matéria não conste do elenco dos factos provados e não provados da decisão recorrida;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 (vinte e cinco) unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).
Lisboa, 20 de junho de 2012.- João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – Rui Manuel Moura Ramos.