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Processo n.º 558/12
Plenário
Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. A Presidente da Mesa da Assembleia de Freguesia de Crestuma submeteu ao Tribunal Constitucional, por carta enviada ao seu Presidente datada de 25/7/2012 e com registo de entrada neste Tribunal em 26/07/2012, requerimento para efeitos de fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade, nos termos do artigo 25.º e seguintes da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de Agosto (doravante LORL), que aprova o regime jurídico do referendo local (alterada pelas Leis Orgânicas n.ºs 3/2010, de 15 de dezembro, e 1/2011, de 30 de novembro), da deliberação da Assembleia de Freguesia de Crestuma, tomada na sua sessão extraordinária de 19.07.2012, «com vista à realização de referendo local», a qual aprovou por unanimidade o Ponto 1 da Ordem de Trabalhos «Votação de proposta de referendo local, na freguesia de Crestuma, sobre a agregação de freguesias, prevista na Lei 22/2012 da reorganização administrativa».
2. A Presidente da Assembleia de Freguesia, no requerimento de fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade, solicitou ainda ao Tribunal Constitucional «se digne determinar o Reenvio Prejudicial ao referido tribunal [de justiça europeu], nos termos previstos no Tratado europeu, com vista à resposta das questões do doc. n.º 2 e eventualmente de outras que o tribunal entenda aduzir».
3. O requerimento subscrito pela Presidente da Assembleia de Freguesia de Crestuma vem instruído com 4 documentos: i) doc. n.º 1, denominado «(…) proposta de Referendo Local, aprovada pela Junta de Freguesia em 28/06/2012(…)» (Acta 1120 da reunião da Junta de Freguesia de Crestuma realizada em 28/6/2012); ii) doc. n.º 2, denominado «(…) anexo à referida proposta, subscrito pela Junta de Freguesia (…)» (Anexo à proposta de referendo); iii) doc. n.º 3, denominado «documento comprovativo da data de recepção da proposta da Junta de Freguesia, datado de 5/07/2012» (Aviso de recepção-de entrega, de 5/07/2012); iv) doc. n.º 4 denominado «Acta» da Assembleia Freguesia), «datada de 19/07/2012, comprovativa da deliberação tomada pela Assembleia, relativamente à proposta referida em 1» (doc. n.º 1 – proposta de Referendo Local, aprovada pela Junta de Freguesia em 28/06/2012) – também denominado «Minuta da acta da Assembleia» na carta dirigida a este Tribunal.
4. O requerimento foi admitido pelo Presidente do Tribunal Constitucional em 26/07/2012 tendo sido por este ordenada, na mesma data, a distribuição do processo, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 29.º da LORL.
5. Apresentado o memorando a que se refere o n.º 2 do artigo 29.º da LORL, e fixada a orientação do Tribunal, cumpre elaborar acórdão nos termos do n.º 3 do artigo 30.º da mesma Lei.
II - FUNDAMENTAÇÃO
6. Dos documentos juntos aos autos, tem-se por assente, com relevância para a decisão, o seguinte:
6.1 Em 28 de Junho de 2012, na reunião da Junta de Freguesia de Crestuma, foi apresentada, «analisada e aceite por todos os membros da Junta» (leia-se aprovada), no âmbito do Ponto 1 da Ordem de Trabalhos, uma proposta de referendo, e respectivo anexo, com vista a «Promover a iniciativa de realização de um referendo local, na freguesia de Crestuma, sobre a agregação de freguesias, prevista na lei da reorganização administrativa territorial autárquica» – a ser entregue, nos termos do Art.º 10.º e 11.º da lei do Referendo Local, para apreciação e aprovação da Assembleia de Freguesia de Crestuma – com o seguinte teor:
«(…)1º - Considerando que a existência do nome ou identidade de Crestuma remonta, segundo textos conhecidos e publicados, a período anterior à própria nacionalidade;
2º - Considerando a responsabilidade histórica que a execução da lei de reorganização administrativa envolve, não somente para os fregueses de Crestuma, mas também e em particular para os membros eleitos desta Junta, que não podem nem devem aceitar, sem a participação activa do povo, qualquer acto do qual possa resultar em última instância a extinção da freguesia;
3º - Considerando, ainda e mais especificamente, que do património da freguesia fazem parte a memória colectiva, tradições, usos e costumes das pessoas, e, não menos significativo, o seu termo ou limite territorial, tudo concorrendo para a verdadeira identidade;
4º - Estando esta Junta segura de que, perante uma medida que a afecta tão profundamente, tem o povo da freguesia de expressar a sua vontade, devendo para isso serem proporcionados e implementados os meios necessários existentes no quadro legal em vigor;
5º - Tendo desde logo em conta que a Carta Europeia das Autarquias Locais (CEAL) de 15-10-1985, adoptada pelo Conselho da Europa, e ratificada por Decreto do Presidente da República nº 58/90, de 23 de Outubro, publicado no Diário da República, I Série, nº 245/90, determina no art.º 5º:
As autarquias locais interessadas devem ser consultadas previamente relativamente a qualquer alteração dos limites territoriais locais, eventualmente por via de referendo, nos casos em que a lei o permita
6º - Considerando que num estado democrático nenhuma decisão que condicione ou altere a vida das populações deve ser tomada sem a sua prévia audição e participação (artº 2º e 9º da CRP);
7º - Considerando que o referendo local está previsto na Constituição da República Portuguesa (art.º 240 CRP), nos casos, nos termos e com a eficácia que a lei estabelecer, prevendo o art.º 3º da Lei do Referendo que este pode ter por objecto questões de relevante interesse local que devam ser decididas pelos órgãos autárquicos municipais ou de freguesia, que se integrem nas suas competências, quer exclusivas quer partilhadas com o Estado;
8º - Considerando que esta Junta tem a oportunidade de implementar a proposta de referendo, na medida em que através de auscultação da freguesia em diversas ocasiões, como no caso duma sessão de esclarecimento em que foi vivamente aclamada a ideia da sua realização;
São apresentadas, para serem respondidas, estas perguntas:
1ª - Concorda com a alteração dos limites territoriais da freguesia de Crestuma?
2ª - Concorda com a junção da freguesia de Crestuma, com a freguesia de Lever, ou Sandim, ou Olival? (…)»
«ANEXO À PROPOSTA DE REFERENDO
1 – Entrou em vigor a Lei nº 22/2012 de 30 Maio, publicada no DºRº, 1ª série, nº 105 de 30 Maio de 2012, que prevê essencialmente a reorganização das freguesias, mediante parâmetros de agregação, em cujo teor se prevê a redução do seu número para 55%, quanto a freguesias situadas total ou parcialmente em lugar urbano, ou lugares urbanos sucessivamente contíguos, e para 35%, no caso de freguesias rurais (artº 6º), cuja classificação em ambas as formas foi artificialmente tabelada pela lei; em concretização dessa reorganização, cada assembleia de freguesia apenas pode emitir parecer que a assembleia municipal acatará, “desde que se conforme com os princípios e parâmetros definidos na lei” (artº 11º), o que significa sem dúvida alguma, e em última análise, que é meramente opinativo ou de mera inutilidade;
2 – Visto que a aplicação estrita da lei implica a extinção desta freguesia e a agregação a outras que a população liminarmente pode rejeitar, ou seja, pode ser-lhe imposta por determinação legal (artº 14º) uma solução à inteira revelia da vontade do povo, com inimagináveis consequências futuras, entendeu esta Junta deliberar a propositura de um Referendo Local, conforme fundamentado na Proposta de Referendo, para se determinar a vontade expressa da população;
3 - A solicitação de Referendo ao TC, conforme teor da proposta desta Junta de Freguesia, funda-se, em primeira linha, na Carta Europeia de Autonomia Local (CEAL) de 15-10-1985, adoptada pelo Conselho da Europa, e ratificada por Decreto do Presidente da República nº 58/90 de 23 de Outubro, publicado no DR, I série nº 245/90;
4 – O preceituado na Carta vincula o Estado Português, com a supremacia que lhe é reconhecida (artº 8 CRP e primado do direito da União), em toda a sua extensão, na medida em que o Estado decidiu não proceder a qualquer notificação (Secretário Geral do Conselho da Europa) para limitação do seu âmbito, como lhe era lícito ao abrigo do preceituado dos artº 12º e 13º dessa Carta.
5 – Vigorando assim plenamente a dita Carta na Ordem Jurídica Portuguesa desde 1 de Abril de 1991, do Preâmbulo da Carta consta especialmente:
- 3º Considerando: “que as autarquias locais são um dos principais fundamentos de todo o regime democrático”
- 4º Considerando: “que o direito de os cidadãos participar na gestão dos assuntos públicos faz parte dos princípios democráticos comuns a todos os Estados membros do Conselho da Europa”
- 5º Considerando: “convencidos de que é ao nível local que este direito pode ser mais directamente exercido”
- 7º Considerando: “conscientes do facto de que a defesa e o reforço da autonomia local nos diferentes países da Europa representam uma contribuição importante para a construção de uma Europa baseada nos princípios da democracia e da descentralização do poder”
- 8º Considerando: “que o exposto supõe a existência de autarquias locais dotadas de órgãos de decisão constituídos democraticamente e beneficiando de uma ampla autonomia quanto às competências, às modalidades do seu exercício e aos meios necessários ao cumprimento da sua missão”
6 – No seu artº 2º determina-se que “O princípio da autonomia local deve ser reconhecido pela legislação interna e tanto quanto possível pela Constituição”; e quanto ao seu âmbito refere-se no artº 4º nº 4 que “As atribuições confiadas às autarquias locais devem ser normalmente plenas e exclusivas, não podendo ser postas em causa ou limitadas por qualquer autoridade central ou regional, a não ser nas termos da lei”; e no nº 6 do mesmo artigo – “As autarquias locais devem ser consultadas, na medida do possível, em tempo útil e de modo adequado, durante o processo de planificação e decisão relativamente a todas as questões que directamente lhes interessem”
7 – E quanto à protecção dos limites territoriais das autarquias locais consigna-se no artº 5º : “As autarquias locais interessadas devem ser consultadas previamente relativamente a qualquer alteração dos limites territoriais locais, eventualmente por via de referendo, nos casos em que a lei o permita”
8 – Em segunda linha, há que registar o princípio da Constituição da República Portuguesa no qual se afirma que Portugal é um estado de direito democrático, e de acordo com ele compete ao Estado Português garantir a participação activa das populações nos assuntos que lhes respeitem, não devendo pois tomar qualquer decisão, que condicione ou altere a vida das populações, sem a sua prévia audição e participação (artº 2º e 9º da CRP);
9 – Posto isto, em ordem à boa decisão do Processo de Referendo, importa verificar se a lei portuguesa (Lei orgânica 4/2000 de 24-08) contraria a referida Carta Europeia, quanto ao exercício do Referendo, tanto mais que é posterior ao compromisso assumido pelo Estado Português na CEAL, e se pode ser aplicada em caso de incompatibilidade com os princípios e determinações consignados na referida Carta de forma directa, clara e incondicional.
10 – Em vista disso, caso se entenda que a referida Lei orgânica 4/2000 não contempla o exercício do direito de Referendo Local quanto à matéria em causa, solicita-se, ao abrigo do disposto no artº 267 do TFUE, que o Tribunal Constitucional, a título de Reenvio Prejudicial, consulte o Tribunal de Justiça Europeu, formulando-se para o efeito as seguintes questões:
a) – Os princípios e disposições constantes da Carta Europeia de Autonomia Local, designadamente os do Preâmbulo e dos artº 2º e 4º nº 6, são compatíveis com a Lei orgânica 4/2000 supra referenciada (designada Lei do Referendo Local), se esta não admite que os órgãos eleitos de uma autarquia local de base (freguesia) consultem os seus eleitores sobre se concordam ou não com a extinção da sua freguesia, com vista à sua agregação a outras, determinada por via administrativa?
b) – A referida Carta Europeia deve ser interpretada como opondo-se a que uma lei (Lei nº 22/2012, apelidada de reorganização administrativa territorial autárquica) se aplique a autarquias locais de base (freguesias), parte delas com uma identidade de séculos, que não preveja a audição efectiva, em tempo útil, das populações (fregueses) ou dos seus órgãos eleitos?
c) – O artº 4º nº 6 da Carta Europeia de Autonomia Local deve ser interpretado com o sentido e alcance de se opor a uma legislação que imponha a extinção de uma freguesia com órgãos autárquicos eleitos, por via da fusão, incorporação, ou outra forma, sem a prévia e efectiva audição de qualquer daqueles órgãos?
d) – A disposição contida no artº 5º da Carta Europeia opõe-se a qualquer alteração dos limites territoriais de uma freguesia, determinada por via administrativa, se não for essa a vontade dos fregueses, declarada por qualquer meio, nomeadamente por via do Referendo?
e) – Tendo a freguesia de Crestuma órgãos democraticamente eleitos (Junta de Freguesia e Assembleia de Freguesia), os princípios e determinações da dita Carta Europeia são compatíveis com a lei portuguesa existente, se esta impedir que os titulares desses órgãos exerçam o seu mandato, auscultando a vontade popular, no caso de entenderem que o devem fazer?».
6.2 A Assembleia de Freguesia de Crestuma reuniu extraordinariamente, no dia 19 de Julho de 2012, tendo o Ponto n.º 1 da Ordem de Trabalhos o seguinte teor: «Votação da proposta de Referendo local, na freguesia de Crestuma, sobre a agregação de freguesias, prevista na Lei 22/2012 da reorganização administrativa».
6.3 De acordo com acta desta reunião, aprovada em minuta na mesma, estiveram presentes, além da Presidente, do 1.º e do 2.º secretários, mais dois elementos da Coligação Gaia na Frente, dois elementos pelo partido Socialista e dois elementos pelo Movimento Cívico de Crestuma, num total de 9 membros.
6.4 Submetido o Ponto 1 da Ordem de Trabalhos da mesma reunião à apreciação da Assembleia de Freguesia, a votação obteve o seguinte resultado:
«(…) o ponto 1 da ordem de trabalhos depois de colocada à votação, foi aprovado por unanimidade».
6.5 O texto da acta da reunião extraordinária em que foi tomada a deliberação em causa da Assembleia da Freguesia, aprovada em minuta na mesma reunião (doc. n.º 4), tem o seguinte teor:
«Aos 19 de Julho de 2012, reuniu extraordinariamente a Assembleia de Freguesia de Crestuma, na sede da Autarquia com a seguinte ordem de trabalhos:
Ponto nº 1 – Votação de proposta de Referendo local, na freguesia de Crestuma, sobre a agregação de freguesias, prevista na Lei 22/2012 da reorganização administrativa.
Ponto nº 2 – Período para intervenção do público.
A mesa foi constituída pela Srª Teresa Costa como presidente, Sr. Luís Pedro Sousa como 1º secretário e Joaquim Gomes como 2º secretário.
Além destes 3 elementos da Coligação Gaia na Frente estiverem presentes a Srª Liliana Sousa e o Sr. José Silva. Por parte do Partido Socialista estiveram presentes o Sr. Faustino Sousa e o Sr. Pedro Moreira e pelo Movimento Cívico de Crestuma o Sr. Manuel Moura e o Sr. João Oliveira.
Tendo dado início à Assembleia, o ponto 1 da Ordem de trabalhos depois de colocado à votação, foi aprovado por unanimidade.
Depois de dada a palavra ao público presente, a Assembleia extraordinária da freguesia de Crestuma, foi dada por encerrada eram 21h55m, sendo lavrada a presente minuta que colocada a votação foi aprovada por unanimidade.»
6.6 Na sequência da deliberação da Assembleia de Freguesia, a respectiva Presidente da Mesa enviou ao Presidente do Tribunal Constitucional, em 26/07/2012, um requerimento com o seguinte teor:
«(…) A Assembleia de Freguesia de Crestuma, representada pelo signatário abaixo assinado, vem ao abrigo do disposto no art.º 25 e ss da LORL requerer a V. Exª a fiscalização preventiva da constitucionalidade e legalidade da deliberação desta Assembleia, com vista à realização de
REFERENDO LOCAL
nos termos e com os fundamentos que seguem:
1 – Damos aqui por inteiramente reproduzido o teor da proposta de Referendo Local, aprovada pela Junta de Freguesia em 28/06/2012 – doc. nº 1
2 – Dá-se também por reproduzido o teor do anexo à referida proposta, subscrito pela Junta de Freguesia e do inteiro conhecimento de todos os seus termos pelos membros desta Assembleia de Freguesia – doc. nº 2
3 – Junta-se documento comprovativo da data de recepção da proposta da Junta de Freguesia, datado de 5/07/2012 - doc. nº 3
4 – Junta-se acta desta Assembleia, datada de 19/07/2012, comprovativa da deliberação tomada pela Assembleia, relativamente à proposta referida em 1 – doc. nº 4
5 – Conforme decorre da justificação do pedido de Referendo Local (doc. nº 1 e 2), os especiais destinatários da Lei nº 22/2012 de 30 de Maio são as freguesias (art.º 19 nº 2 da Lei nº 22/2012), e só excepcionalmente os municípios (art.º 16 da mesma lei)
6 – É que só às freguesias é pela lei imposto um ónus, na medida em que os parâmetros estabelecidos (de redução ou agregação) visam tão-somente aquelas e já não os municípios, pois, quanto a estes, a reorganização administrativa é simplesmente facultativa.
7 – Por outro lado, não prevendo a lei de reorganização administrativa um mecanismo de audição prévia das freguesias sujeitas à agregação, com a mesma amplitude e força da referida na Carta Europeia da Autonomia Local, julga-se plenamente justificada a iniciativa da proposta de Referendo, aprovada por esta Assembleia, e com apelo à Carta Europeia.
8 – Pressupondo-se incompatibilidade entre o sentido dos princípios e normas concretas da referida Carta Europeia, assinalados no documento referido (doc. nº 2), e a previsão do inoperante parecer da Assembleia de Freguesia, aludido no art.º 11 nº 4 da Lei nº 22/2012,
9 – Entende-se ser justificado o Reenvio solicitado ao tribunal de justiça europeu, a título prejudicial – art.º 267 TFUE
10 – Por último, importa notar que o princípio da autonomia local, a que alude o art.º 3º nº 2 da LORL, só pode ter algum conteúdo e sentido, desde que não seja coarctado aos fregueses desta freguesia o direito de escolha do seu destino, tão pouco o servindo a pronúncia da Assembleia Municipal (art.º 11 da Lei nº 22/2012), que até pode nem existir.
Em consequência do exposto,
Requerer-se a V. Exª se digne mandar proceder à fiscalização do pedido, para o fim constante do deliberado na Assembleia de Freguesia de Crestuma, mais se requerendo, para este efeito, se digne determinar o Reenvio Prejudicial ao referido tribunal, nos termos previstos no Tratado europeu, com vista à resposta das questões do doc. nº 2 e eventualmente de outras que o tribunal entenda aduzir.
Juntam-se: 4 documentos
O Presidente da Mesa da Assembleia de Freguesia».
7. Compete ao Tribunal Constitucional, em fiscalização preventiva obrigatória, verificar a constitucionalidade e a legalidade do referendo, incluindo a apreciação dos requisitos relativos ao respetivo universo eleitoral, bem como ao âmbito material e limites temporais do referendo e à validade das perguntas que nele se pretende formular (artigo 223.º, n.º 2, alínea f), da CRP; artigos 11.º e 105.º da Lei que aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e sucessivas alterações, doravante LTC) e artigo 25.º e ss. da LORL.
7.1 A requerente tem legitimidade para o pedido de fiscalização preventiva do referendo local, na qualidade de presidente do órgão da autarquia (Assembleia de Freguesia de Crestuma) que deliberou a sua realização, conforme previsto no artigo 25.º da LORL.
7.2 A deliberação foi tomada pela Assembleia de Freguesia de Crestuma em 19 de Julho de 2012 e o requerimento deu entrada no Tribunal Constitucional no dia 26 de Julho, e, por isso, dentro do prazo legalmente previsto para a sujeição a fiscalização preventiva nos termos do artigo 25.º da LORL.
7.3 O pedido não vem instruído com cópia da acta da sessão em que foi tomada a deliberação, como prevê o artigo 28.º, n.º 1, parte final, da LORL mas apenas – e conforme referido na carta que acompanha o requerimento – com uma minuta dessa mesma ata, aprovada por unanimidade e assinada pela Presidente e pelos 1.º e 2.º Secretários, de cujo teor consta a aprovação de «proposta de referendo local, na freguesia de Crestuma, sobre a agregação de freguesias, prevista na Lei 22/2012 da reorganização administrativa» – possibilidade permitida pelo artigo 92.º, n.º 3, da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro (e sucessivas alterações, entre as quais as introduzidas pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro e pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro) e, também pelo artigo 27.º, n.º 3, do Código de Procedimento Administrativo (doravante CPA), permitindo conferir eficácia à deliberação em causa.
Conforme já afirmado por este Tribunal (Acórdãos n.º 100/2009 (II, 4) e n.º 394/10 (II, 4.) disponíveis, como os demais acórdãos deste Tribunal adiante citados, em http://tribunalconstitucional.pt), a prova documental que assim é efectuada, relativamente à deliberação de realização do referendo, apesar de não corresponder, em rigor, à exigência constante do citado artigo 28.º, n.º 1, da LORL, que impõe que o pedido seja «acompanhado do texto da deliberação e de cópia da acta da sessão em que tiver sido tomada», não deixa de fazer prova plena dos factos que se refere terem sido praticados, assumindo um valor certificativo equivalente ao que poderia resultar do registo lavrado em acta.
Com efeito, e como se afirma no Acórdão n.º 394/10 (II, 4), «(…) o artigo 92.º, n.º 3, da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, alterada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, admite expressamente que as actas ou o texto das deliberações mais importantes possam ser aprovadas em minuta, no final das reuniões, formalidade esta que, de acordo com o disposto no n.º 4 do referido artigo 92.º, confere aos actos em tais termos documentados uma imediata eficácia externa.
A conjugação do disposto nos n.ºs 3 e 4 do art. 92.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, alterada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, com a norma constante do n.º 1 do art. 28.º, da LORL, conduz, assim, a que esta deva ser extensivamente interpretada no sentido de se considerar que a «acta da sessão» aqui referida possa ser a minuta da acta elaborada nos termos daquelas disposições. (…)».
7.4 Quanto ao «texto da deliberação» que deve acompanhar o pedido de verificação da constitucionalidade e da legalidade nos termos consagrados pelo n.º 1 do artigo 28.º da LORL e que consta da ata, aprovada em minuta, da reunião extraordinária da Assembleia da Freguesia (junta ao requerimento como doc. n.º 4), o mesmo não menciona expressamente a deliberação da Junta de Freguesia de 28/6/2012 sobre a iniciativa referendária para deliberação pela Assembleia de Freguesia (nos termos dos artigos 10.º e 24.º, n.º 1, da LORL), nem remete para a mesma, não contendo expressamente o texto das perguntas referendárias constante daquela iniciativa, em que a consulta se iria consubstanciar, tal como iriam ser apresentadas aos cidadãos eleitores. Não obstante, o teor material do requerimento enviado a este Tribunal pela Presidente da Mesa da Assembleia de Freguesia e dos demais documentos anexos ao mesmo permite apreender e identificar os elementos essenciais inerentes à deliberação sobre o referendo – a iniciativa apresentada pela Junta de Freguesia, bem como as perguntas referendárias e respetivo teor.
Naquele requerimento dá-se, aliás, «por inteiramente reproduzido o teor da proposta de Referendo Local, aprovada pela Junta de Freguesia em 28/6/2012 (cf. ponto 1 do requerimento e doc. n.º 1); de igual modo «Dá-se também por reproduzido o teor do anexo à referida proposta, subscrito pela Junta de Freguesia e do inteiro conhecimento de todos os seus termos pelos membros desta Assembleia de Freguesia» (cf. ponto 2 do requerimento e doc. n.º 2) e ao mesmo é junto «documento comprovativo da data da receção da proposta da Junta de Freguesia, datado de 5/07/2012» (cf. ponto 3 do requerimento). Do teor dos documentos n.º 1 e n.º 2 anexos ao requerimento apresentado neste Tribunal – documentos que a Presidente da Assembleia de Freguesia dá por inteiramente reproduzidos e, o segundo, «do inteiro conhecimento de todos os seus termos pelos membros da Assembleia de Freguesia» – decorre, pois, quer a identificação do órgão que exerceu a iniciativa representativa (Junta de Freguesia de Crestuma) quer o teor da «proposta de deliberação» e o teor das perguntas do referendo.
7.5 Nada obsta, portanto, a que se considere o requerimento regularmente instruído atendendo ao respetivo teor e ao conjunto dos documentos anexos.
Cumpre de seguida apreciar a verificação dos requisitos relativos ao objeto do referendo, ao seu âmbito, à matéria, à iniciativa e proposta e à competência para a deliberação de realização do referendo, prazo de deliberação e quórum.
8. O artigo 240.º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) permite a submissão a referendo local, pelas autarquias locais, de «matérias incluídas nas competências dos seus órgãos, nos casos, nos termos e com a eficácia que a lei estabelecer».
9. Por seu turno a LORL, que concretiza o disposto na CRP, dispõe, no n.º 1 do seu artigo 3.º, que «O referendo local só pode ter por objecto questões de relevante interesse local que devam ser decididas pelos órgãos autárquicos municipais ou de freguesia e que se integrem nas suas competências, quer exclusivas quer partilhadas com o Estado ou com as Regiões Autónomas» e ainda, no seu n.º 2, que «A determinação das matérias a submeter a referendo local obedece aos princípios da unidade e subsidiariedade do Estado, da descentralização, da autonomia local e da solidariedade interlocal».
10. Há que determinar, em primeiro lugar, qual o objecto do referendo e, em segundo lugar, se o mesmo se enquadra nas competências da Assembleia de Freguesia de Crestuma – quer exclusivas, quer partilhadas com o Estado ou as Regiões Autónomas – e, ainda, se as matérias não se encontram excluídas do âmbito do referendo local por força dos limites previstos no artigo 4.º da LORL.
10.1 De acordo com a ata da reunião extraordinária de 19/07/2012, a deliberação de realização do referendo tomada pela Assembleia de Freguesia de Crestuma e submetida à apreciação do Tribunal Constitucional identifica, por remissão para o teor do ponto 1 da Ordem de Trabalhos da mesma reunião de 19/07/2012, o objecto do referendo, o qual incide «sobre a agregação de freguesias prevista na Lei 22/2012 da reorganização administrativa».
10.2 A identificação da matéria do referendo local objecto daquela deliberação reporta-se à «reorganização administrativa do território das freguesias» no âmbito da reorganização administrativa territorial autárquica e prevista nos artigos 4.º a 15.º da Lei n.º 22/2012, de 30 de Maio.
10.3 O artigo 164.º, alínea n), da CRP consagra uma reserva de competência exclusiva da Assembleia da República (doravante AR) em matéria de «Criação, extinção e modificação de autarquias locais e respectivo regime (…)», pelo que a competência de modificação dos limites territoriais das freguesias – uma das categorias de autarquias locais no continente previstas no artigo 236.º, n.º 1, da CRP –, incluindo da freguesia de Crestuma, não pertence à Assembleia de Freguesia de Crestuma, pelo que tal matéria ficaria excluída do referendo local por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da LORL.
10.4 Todavia, o artigo 11.º, n.º 4, da Lei n.º 22/2012, de 30 de maio, confere às assembleias de freguesia competência para a apresentação de «pareceres sobre a reorganização administrativa territorial autárquica, os quais, quando conformes com os princípios e os parâmetros definidos na presente lei, devem ser ponderados pela assembleia municipal no quadro da preparação da sua pronúncia», esta prevista no n.º 1 da mesma disposição.
10.5 Aqueles «pareceres», cuja natureza se afigura, nos termos da lei (cf. artigo 11.º, n.º 4, in fine, da Lei n.º 22/2012, de 30 de maio), não vinculativa, integram-se no âmbito de procedimento complexo que visa promover a participação de órgãos das autarquias mediante parecer das assembleias de freguesias (parecer não obrigatório e não vinculativo) e pronúncia das assembleias municipais (pronúncia não vinculativa) previamente ao exercício da competência legislativa por parte da Assembleia da República (cf. artigos 1.º, n.º 1, 11.º e 12.º da Lei n.º 22/2012, de 30 de maio).
10.6 Tendo em conta a remissão para a lei ordinária efectuada pelo n.º 1 do artigo 240.º da CRP, é de concluir que o objecto do referendo constitui matéria que se enquadra na competência da Assembleia de Freguesia de Crestuma nos termos – e apenas nestes – da Lei n.º 22/2012, de 30 de maio, pelo que, nessa medida, a deliberação daquela Assembleia não se afigura contrária ao artigo 240.º da CRP.
11. Quanto ao âmbito do referendo local, este pode verificar-se em qualquer autarquia local, com a excepção prevista na parte final do n.º 1 do artigo 2.º da LORL. Dado que a deliberação da Assembleia de Freguesia se reporta a «proposta de referendo local, na freguesia de Crestuma» e não se verifica aquela excepção (cf. doc. n.º 4, na parte em que se refere aos seus membros eleitos), a deliberação de realização de referendo afigura-se conforme com a lei.
12. Quanto à matéria do referendo local, o artigo 3.º, n.º 1, a LORL dispõe, em termos de limites positivos, que aquele «só pode ter por objecto questões de relevante interesse local que devam ser decididos pelos órgãos autárquicos municipais ou de freguesia e que se integrem nas suas competências, quer exclusivas quer partilhadas com o Estado e as regiões autónomas (limites positivos) e o artigo 4.º, n.º 1 e 2, da LORL exclui do âmbito do referendo local um conjunto de matérias, entre as quais as integradas na esfera de competência legislativa reservada aos órgãos de soberania (alínea a) do n.º 1).
12.1 Decorre do supra exposto que o objecto do referendo incide sobre a agregação de freguesias no âmbito da reorganização territorial autárquica e, concretamente, da reorganização administrativa do território de freguesias prevista pela Lei n.º 22/2012, de 30 de maio – reorganização com carácter obrigatório nos termos do n.º 2 do artigo 1.º daquela Lei.
12.2 Prevendo a mesma Lei, no n.º 4 do artigo 11.º, integrado no Capítulo II sobre «Reorganização administrativa do território das freguesias», que as assembleias de freguesia apresentam «pareceres sobre a reorganização administrativa territorial autárquica que podem ser ponderados pela assembleia municipal no quadro da preparação da sua pronúncia» afigura-se evidente que o objecto do referendo – agregação de freguesias – constitui uma questão de «relevante interesse local» (área territorial da autarquia e, em concreto, da freguesia de Crestuma) e, ainda, que se trata de matéria sobre a qual a assembleia de freguesia pode decidir no âmbito da sua competência (consultiva, e não exclusiva) de emissão de parecer.
12.3 A deliberação de realização do referendo submetida à apreciação do Tribunal Constitucional cumpre assim o disposto no artigo 3.º, n.º 1, da LORL.
12.4 E, tendo em conta a natureza daquela competência, a matéria objecto de referendo – agregação de freguesias – também não se afigura desconforme com o disposto no artigo 4.º, em especial, n.º 1, alínea a), da LORL.
13. Quanto à iniciativa do referendo de âmbito local, dispõe a LORL que aquela pode assumir a forma de iniciativa representativa – caso em que cabe aos deputados, às assembleias de freguesia, à câmara municipal e à junta de freguesia, consoante se trate de referendo municipal ou de freguesia (cf. artigos 10.º, n.º 1 e 11.º da LORL) – ou de iniciativa popular – caso em que cabe a grupos de cidadãos recenseados na respectiva área (cf. artigos 10.º, n.º 2 e 13.º e ss. da LORL).
No presente caso, decorre do teor do requerimento dirigido ao Presidente do Tribunal Constitucional pela Presidente da Assembleia de Freguesia e respetivos anexos (docs. n.ºs 1, 2 e 3) que a iniciativa foi exercida pelo órgão executivo colegial (Junta de Freguesia) de Crestuma com a vista à deliberação por parte da Assembleia de Freguesia de Crestuma (iniciativa representativa, sob a forma de «proposta de deliberação»).
14. Quanto à competência para a deliberação sobre a realização do referendo de âmbito local, dispõe o artigo 23.º da LORL que aquela compete, consoante o seu âmbito, à assembleia municipal ou à assembleia de freguesia.
14.1 No caso em apreço, tratando-se de referendo ao nível de freguesia (cf. o teor do Ponto 1 da Ordem de Trabalhos constante do doc. n.º 4), a competência para a respectiva deliberação caberá à assembleia de freguesia.
14.2 Tendo a competência sido exercida, no caso em apreço, pela Assembleia de Freguesia de Crestuma, não se verifica desconformidade, quanto a este requisito, da deliberação sobre a realização do referendo com o disposto no artigo 23.º da LORL.
15. Ainda quanto à deliberação sobre a realização do referendo, da competência, no caso em apreço, da Assembleia de Freguesia, a LORL dispõe sobre o respectivo procedimento, em especial sobre o prazo de tomada da deliberação e o quórum da deliberação (cf. artigo 24.º, n.º 1 e n.º 4 da LORL).
15.1 A deliberação em causa é obrigatoriamente tomada, em sessão ordinária ou extraordinária, no prazo de 15 dias após o exercício ou recepção da iniciativa referendária, caso esta tenha origem representativa (artigo 24.º. n.º 1, da LORL) e a deliberação do referendo é tomada à pluralidade de votos dos membros presentes, tendo o presidente voto de qualidade (artigo 24.º, n.º 5, da LORL).
15.2 De acordo com o requerimento apresentado neste Tribunal e respectivos documentos anexos, a iniciativa referendária, oriunda da Junta de Freguesia de Crestuma, foi recebida pela Assembleia de Freguesia em 5/07/2012 (cf. ponto 3 do requerimento e doc. n.º 3), a reunião extraordinária da Assembleia de Freguesia teve lugar em 19/07/2012, dentro do prazo legal, pelo que se encontraria cumprida a exigência prevista no n.º 1 do artigo 24.º da LORL.
15.3 Além disso, de acordo com o teor da ata da reunião extraordinária da Assembleia de Freguesia realizada em 19/07/2012, o Ponto 1 da Ordem de Trabalhos, relativo à «proposta de referendo local, na freguesia de Crestuma, sobre a agregação de freguesias», colocado à votação, foi aprovado por unanimidade, pelo que se encontra cumprida a exigência consagrada pelo n.º 5 do artigo 24.º da LORL.
16. No âmbito da apreciação dos requisitos materiais do referendo, cumpre apreciar a questão respeitante aos limites temporais dentro dos quais podem ser praticados os atos relativos à convocação ou à realização da consulta popular local.
16.1 O n.º 1 do artigo 8.º da LORL estipula que «Não pode ser praticado nenhum ato relativo à convocação ou à realização de referendo entre a data de convocação e a realização de eleições gerais para os órgãos de soberania, eleições do governo próprio das Regiões autónomas e do poder local, dos deputados ao Parlamento Europeu, bem como de referendo regional autonómico ou nacional».
16.2 Posteriormente à data da deliberação da Assembleia de Freguesia de Crestuma (19/07/2012) o Decreto do Presidente da República n.º 107/2012, de 30 de Julho (DR, 1.ª Série, n.º 146, de 30 de Julho de 2012, p. 3916), fixou o dia 14 de Outubro de 2012 para a eleição dos deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, pelo que, de acordo com o disposto no artigo 8º da LORL, nenhum ato relativo à convocação ou à realização do referendo em perspetiva poderá ser praticado até ao dia 14 de Outubro de 2012.
16.3 Em face da publicação daquele Decreto importa apreciar no caso em apreço a questão dos limites temporais dentro dos quais podem ser praticados os atos relativos à convocação e à realização do referendo, tendo em conta o processo relativo à convocação e à realização do referendo local e respetivos trâmites e prazos procedimentais.
16.4 Segundo tais trâmites e prazos previstos nos artigos 26.º e 31.º a 33.º da LORL, considerando o cômputo máximo de todos os prazos aplicáveis, correspondentes a cada uma das fases do procedimento, isto é, na hipótese de todas as entidades envolvidas virem a esgotar os prazos legalmente previstos para a prática dos atos que se lhes encontram atribuídos, no caso em apreço o ato de marcação da data do referendo (convocação do referendo), entre outros, teria lugar forçosamente numa data compreendida entre a data de convocação e a data de realização da eleição dos deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (o mesmo sucedendo se os intervenientes, por mera hipótese, não esgotassem os prazos máximos legalmente previstos para a prática dos atos que se lhes encontram atribuídos distribuídos).
16.5 De acordo com uma interpretação literal do artigo 8.º da LORL, o referendo cuja realização foi deliberada pela Assembleia de Freguesia de Crestuma ficaria juridicamente inviabilizado por os atos relativos à sua convocação e à sua realização, ou parte deles, entre os quais se contando o ato futuro de fixação da data do referendo (ato relativo à convocação), terem forçosamente de ocorrer, atento o estipulado nos artigos 32º e 33º da LORL, entre a data de convocação e a de realização da eleição dos deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores.
16.6. Todavia, a questão da violação dos limites temporais de realização do referendo carece de apreciação, no presente caso, também à luz da doutrina do Acórdão n.º 435/2011 deste Tribunal no qual, estando em causa a convocação da eleição dos deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira e a realização de um referendo local no continente,
se concluiu pela inexistência de violação dos limites temporais previstos no artigo 8.º da LORL, com o fundamento seguinte (II, 6): (…)
«O artigo 8.º da LORL vem estabelecer para os referendos locais uma limitação temporal semelhante à constante do artigo 8.º da Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril (com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 4/2005, de 8 de Setembro, e pela Lei Orgânica n.º 3/2010, de 15 de Dezembro), relativamente à realização de referendo de âmbito nacional de acordo com o estabelecido no artigo 115.º, n.º 7, da CRP.
Confrontando os respectivos regimes, pode concluir-se que, quanto a essa matéria, ambos partilham a mesma teleologia fundamentante, devendo reconhecer-se que, em qualquer dos casos, a previsão de tais limites temporais tem como finalidade evitar eventuais “confusões” entre actos eleitorais e consultas populares ou destas entre si, como poderia suceder nos casos em que se solicitasse, num momento temporal coincidente ou bastante aproximado, a intervenção do mesmo colégio eleitoral, ou de parte deste. Como refere Benedita Urbano, ainda que a propósito dos limites temporais do referendo de âmbito nacional (“O referendo– Perfil Historico-evolutivo do Instituto – Configuração Jurídica do Referendo em Portugal”, in Boletim da Faculdade de Direito – Studia Juridica 30, p. 213), “o legislador constituinte terá sem dúvida sido fortemente sensibilizado pelo argumento da confusão – a repercutir-se numa eventual distorsão dos resultados – que resultaria da realização simultânea (ou temporalmente bastante próxima) de um referendo e de eleições para cargos políticos – confusão e distorsão que se manifestariam em ambos os actos eleitorais, naturalmente em consequência das recíprocas interferências que cada um operaria em relação ao outro (no fundo e genericamente falando, ter-se-á pretendido evitar fricções entre o referendo e o regime representativo)”.
Nessa mesma linha, Gomes Canotilho/Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, 4.ª edição, nota X ao artigo 115.º, Coimbra, p. 106), referem que a previsão dos referidos limites temporais do referendo “visa garantir a sua autonomia face aos sufrágios eleitorais, procurando evitar que eles sejam contaminados pelos resultados destes (e vice-versa) e a promover a independência face às escolhas partidárias dos eleitores”.
Ora, considerando o alcance da limitação temporal em apreço, constata-se que o interesse que nela vai acautelado não é posto em causa ou afectado na situação emergente dos presentes autos em que se pondera a convocação de um referendo local num município não pertencente à Região Autónoma onde vai ocorrer a eleição dos deputados à respectiva Assembleia Legislativa, por não existir coincidência entre as esferas territoriais envolvidas, e, consequentemente, por ser diferente o colégio eleitoral que intervirá em ambos os actos.
Nessa medida, se, por um lado, os interesses perseguidos pela limitação temporal constante do artigo 8.º da LORL não se encontram minimamente afectados nos presentes autos, e se, por outro lado, a própria intencionalidade prático-normativa do preceito impõe uma diferenciação das hipóteses gramaticalmente previstas à luz do problema normativo regulado, justifica-se, perante tais pressupostos, uma redução teleológica do artigo 8.º da LORL, perante a qual se pode concluir pela inexistência de violação dos limites temporais aí previstos.».
16.7 Situação idêntica à subjacente ao referido Acórdão n.º 435/2011 se verifica no caso presente, em que o ato eleitoral convocado não tem âmbito nacional, mas sim âmbito regional (Região Autónoma dos Açores) e está em causa a realização de um referendo local numa freguesia não pertencente à Região Autónoma onde vai decorrer a eleição dos deputados à respetiva Assembleia Legislativa (Açores), pelo que inexistem no presente caso circunstâncias que justifiquem a alteração do entendimento expresso no referido Acórdão n.º 435/2011, concluindo-se assim pela inexistência de violação dos limites temporais previstos no artigo 8.º da LORL (no sentido de nada dever impedir a realização simultânea de eleições de âmbito regional e a realização de um referendo a nível local, estando o essencial nesta hipótese «na clara distinção de objectos de decisão», se pronuncia Jorge MIRANDA (Manual de Direito Constitucional, Tomo VII, Estrutura Constitucional da Democracia, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 313).
17. Quanto à formulação das perguntas referendárias o referendo local em apreço padece de ilegalidade porquanto a formulação das mesmas não obedece aos critérios constantes do n.º 2 do artigo 7.º da LORL, nos termos do qual «As perguntas são formuladas com objectividade, clareza e precisão e para respostas de sim ou não, sem sugerirem directa ou indirectamente o sentido das respostas».
17.1 De acordo com a deliberação de 28/06/2012 da Junta de Freguesia, enquanto órgão executivo detentor de iniciativa representativa (cf. artigo 11.º da Lei n.º 22/2012, de 30 de maio), as duas perguntas constantes da «proposta» (denominada «proposta de deliberação» no artigo 11.º da Lei 22/2012), a ser entregue «para apreciação e aprovação da Assembleia de Freguesia de Crestuma», anexa ao requerimento da Presidente da Assembleia de Freguesia dirigido a este Tribunal, têm o seguinte teor:
«1.ª – Concorda com a alteração dos limites territoriais da freguesia de Crestuma?
2.ª – Concorda com a junção da freguesia de Crestuma, com a freguesia de Lever, ou Sandim, ou Olival?».
17.2 A formulação da primeira pergunta não preenche o requisito da «precisão» na medida em que não permite a compreensão de qual a «alteração» (dos limites territoriais da Freguesia de Crestuma) que está em causa e respetivo alcance.
17.3 Quanto à segunda pergunta, esta também não obedece aos critérios enunciados no n.º 2 do artigo 7.º da LORL, na parte em que dispõe que as perguntas são formuladas «(…) para respostas de sim ou não (…)»
Com efeito, o teor da 2.ª pergunta comporta, em rigor, três hipóteses alternativas distintas de agregação da freguesia de Crestuma – e correspondentes perguntas subjacentes – a junção da freguesia de Crestuma com a freguesia de Lever; a junção da freguesia de Crestuma com a freguesia de Sandim e a junção da freguesia de Crestuma com a freguesia de Olival – pelo que pode indiciar uma resposta que identifique uma ou várias das três freguesias indicadas em alternativa, não estando por isso formulada para respostas de sim ou não.
A formulação da 2.ª pergunta, por comportar, ao menos implicitamente, três alternativas distintas de integração (e, nessa medida, de resposta) não permite que o referendo venha a ter, quanto a essa pergunta, uma resposta concludente ou inequívoca quanto à real vontade do eleitorado chamado a pronunciar-se por via de referendo – pois a resposta de sim à 2.ª pergunta, formulada em alternativa, não permite apurar com qual (ou quais) das três hipóteses de agregação da freguesia de Crestuma subjacente à pergunta cada cidadão chamado a pronunciar-se concorda, nem qual a vontade popular maioritária em relação a cada uma das três hipóteses distintas de agregação.
18. Face à ilegalidade da deliberação de referendo decorrente da desconformidade da formulação das perguntas referendárias com o disposto no artigo 7.º, n.º 2, da LORL, e tendo em conta o disposto no n.º 1 do artigo 27.º da LORL – deliberação no sentido da sua reformulação –
no presente caso, não se coloca a questão da utilidade do referendo na medida em que, se não forem esgotados todos os prazos legais, se afigura possível a sua realização.
19. Por último, no requerimento de submissão da deliberação de realização de referendo ao Tribunal Constitucional para efeitos de fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade, subscrito pelo Presidente da mesa da Assembleia de Freguesia de Crestuma é ainda solicitado ao Tribunal Constitucional, quanto à matéria em causa, que coloque ao «tribunal de justiça europeu» [leia-se Tribunal de Justiça da União Europeia], «nos termos previstos no Tratado europeu» [leia-se ao abrigo do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, doravante TFUE], «com vista à resposta das questões do doc. n.º 2 e eventualmente de outras que o tribunal entenda aduzir (cf. ponto 9 do requerimento e doc. n.º 2 (Anexo à proposta de referendo), ponto 10, a) a e)).
19.1 Nos termos do artigo 267.º, do TFUE, na redação resultante do Tratado de Lisboa que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia assinado em Lisboa, em 13 de Dezembro de 2007 (in JOUE C 306, de 17/12/2007, p. 1 e ss.) e que entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2009 (vide as Versões consolidadas do Tratado da União Europeia e do TFUE, in JOUE C 83, de 30/03/2010, p. 1 e ss. e, ainda, a Acta de Rectificação do Tratado de Lisboa que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia, in JOUE C 378 de 23/12/2011, p. 3 e ss.):
«O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:
a) Sobre a interpretação dos Tratados;
b) Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre a questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.
Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível».
19.2 Ainda que o Tribunal Constitucional se enquadre na noção de «órgão jurisdicional» de um Estado-membro, para efeitos do disposto no 267.º do TFUE, sendo competente, ao abrigo desta disposição, para a formulação de questões prejudiciais – questões prejudiciais de interpretação ou de validade – ao Tribunal de Justiça da União Europeia, o pedido do requerente e a apreciação da questão ficam prejudicados desde logo pela não verificação da condição prevista no ponto 10 do doc. n.º 2 anexo ao requerimento – o entendimento que a LORL «não contempla o exercício do direito de referendo local quanto à matéria em causa») – e, em qualquer caso, pelo facto de o enunciado das questões apresentado pelo requerente não ser susceptível de constituir objeto de uma questão prejudicial.
III – DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide:
i) Não ter por verificada a legalidade do referendo local que a Assembleia de Freguesia de Crestuma, na sua reunião extraordinária de 19 de Julho de 2012, deliberou realizar, por violação do artigo 7.º, n.º 2, da LORL.
ii) Ordenar a notificação do presidente da Assembleia de Freguesia de Crestuma, nos termos do artigo 27.º da LORL, para que, no prazo de 8 dias, este órgão delibere, querendo, no sentido da reformulação das perguntas do referendo, expurgando-as das ilegalidades.
iii) Ficar prejudicada a apreciação do pedido do requerente de colocação, pelo Tribunal Constitucional, de questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
Lisboa, 9 de Agosto de 2012. – Maria José Rangel de Mesquita – Maria de Fátima Mata-Mouros – João Cura Mariano – Ana Maria Guerra Martins – Catarina Sarmento e Castro – Joaquim de sousa Ribeiro – Vítor Gomes – Fernando Vaz Ventura – Maria Lúcia Amaral – Maria João Antunes – Carlos Fernandes Cadilha – Rui Manuel Moura Ramos