Imprimir acórdão
Processo n.º 438/2012
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 347/2012:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente a Condomínio Edifício …. e recorrida a Fazenda Pública, foi interposto recurso, em 15 de maio de 2012 (fls. 416 a 418), ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão proferido, em conferência, pela Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, em 12 de janeiro de 2012 (fls. 277 a 301), que viria a ser alvo de recurso excecional de revista para o Supremo Tribunal Administrativo que, por sua vez, mediante acórdão proferido em 02 de maio de 2012 (fls. 393 a 411), viria a rejeitar o recurso interposto, com fundamento na sua inadmissibilidade legal, decorrente da falta de preenchimento dos requisitos fixados pelo artigo 150º, n.º 1, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Pretende a recorrente que seja apreciada a constitucionalidade da “norma contida no nº 3 do artº 49º da Lei Geral Tributária na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 100/99, de 26 de julho, quando interpretada no sentido de que a prescrição se suspende com a paragem do processo de execução fiscal, mesmo que tal paragem não seja notificada ao executado” (fls. 417).
Posto isto, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. O recurso foi admitido por despacho do Relator junto do tribunal “a quo”, proferido em 06 de junho de 2012 (fls. 417). Porém, por força do n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que deve começar-se por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.
Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não foram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. O Tribunal Constitucional apenas pode conhecer da inconstitucionalidade de normas jurídicas (ou das correspondentes interpretações normativas) que tenham sido efetivamente aplicadas pelos tribunais recorridos enquanto fundamento decisivo das respetivas decisões. Ora, desde logo, verifica-se que a interpretação normativa extraída pelo tribunal recorrido do n.º 3 do artigo 49º da Lei Geral Tributária (LGT) não corresponde integralmente ao teor da interpretação normativa que o recorrente fixou como objeto do presente recurso. Com efeito, decidiu o tribunal recorrido:
«Refira-se que, ao contrário daquilo que sustenta o Recorrente, o facto de aquele despacho que determinou a suspensão da instância executiva não lhe ter sido notificado não tem qualquer efeito impeditivo da suspensão da prescrição. Com efeito, a suspensão do processo executivo não deriva do despacho que a determina mas da instauração do processo a que a lei atribui efeito suspensivo da execução fiscal. É o que, claramente, resulta do disposto no artigo 52º, nº 1 da LGT (sem que se desconheça que a suspensão da execução depende da prestação de garantia idónea, nos termos que decorrem do nº 2 do artigo 52º da LGT). Como assim, não dependendo a suspensão da execução do despacho que a determine por maioria de razão também não dependerá da notificação desse despacho» (fls. 292)
Daqui decorre que a decisão recorrida não se limitou a entender que “a prescrição se suspende com a paragem do processo de execução fiscal, mesmo que tal paragem não seja notificada ao executado” (fls. 417), como entendeu o recorrente fixar o objeto do recurso ora em apreço. Bem pelo contrário, a decisão recorrida foi bastante mais longe. Entendeu que a suspensão do processo de execução fiscal ocorre automaticamente, sem precedência de qualquer despacho, a partir do momento em que são indicados bens à penhora – in casu, pelo próprio recorrente – como garantia idónea da dívida tributária exequenda. Por conseguinte, mais entendeu a decisão recorrida que nem sequer havia qualquer dever legal de notificação do executado.
Fica assim evidente que a interpretação efetivamente aplicada pela decisão recorrida não corresponde àquele que constitui objeto do presente recurso, razão pela qual fica impossibilitado o conhecimento do respetivo objeto, nos termos do artigo 79º-C da LTC.
III – DECISÃO
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se não conhecer do objeto do recurso interposto.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.»
2. Inconformada com esta decisão, a recorrente reclamou nos seguintes termos, que ora se resumem:
«(…)
Salvo o devido respeito, não pode concluir, sem mais, como consta da decisão sumária em análise, que o que foi entendido na decisão recorrida é que a suspensão do processo de execução fiscal ocorre automaticamente a partir do momento em que são indicados bens à penhora — in casu pelo próprio recorrente,
Pelo que o que estaria em causa não seria a notificação do despacho que determina a suspensão da execução ao executado, mas sim o facto de se ter entendido que não havia sequer qualquer dever legal de notificação do executado.
Na verdade, cumpre anotar que, no caso subjudice, o recorrente não indicou bens à penhora ou prestou garantia para suspender o processo de execução fiscal — sendo certo que a penhora foi feita diretamente pelo Serviço de Finanças respetivo, conforme se verifica do ponto 4 da matéria de facto dada como provada.
E tal circunstância altera o entendimento em causa, na medida em que, muito embora não se aceitando, concede-se que no caso em que o executado preste garantia com o fim de suspender o processo de execução fiscal, tal suspensão nåo dependa de despacho que lhe seja notificado, ocorrendo automaticamente.
Mas no caso em que a suspensão decorre de despacho que considera suficientes os bens penhorados pelos serviços de finanças para assegurar o pagamento da quantia exequenda, conforme ocorreu nos autos, não se pode aceitar que tal despacho tenha a virtualidade de suspender o decurso do prazo de prescrição sem que seja notificado ao executado.
Aceita-se que ocorra uma paragem do processo de execução fiscal; mas que tal paragem tenha a virtualidade de suspender o decurso do prazo da prescrição sem que o executado tenha conhecimento da mesma, é caso bem diferente, que não se pode aceitar.
Assim, a questão essencial, do ponto de vista do recorrente, é a de se ter entendido que o facto de ter sido proferido despacho de suspensão do processo de execução fiscal não notificado ao executado, teve a virtualidade de suspender o prazo de prescrição que estava a decorrer (vd. requerimento de interposição do presente recurso).
E é tal entendimento que o recorrente entende estar ferido de inconstitucionalidade, designadamente nos casos em que — como sucedeu nos autos — não foi o executado quem indicou bens à penhora, ou prestou garantia para suspender o processo de execução fiscal.
Entende o recorrente que tal entendimento viola o disposto no nº 3 do art. 268º da Constituição da República Portuguesa, que consagra o direito à notificação dos atos administrativos, na medida em que, no caso em análise, existe efetivamente um ato administrativo que nunca foi notificado ao executado e que é, ele próprio, constitutivo do facto que, posteriormente, vai conduzir automaticamente à suspensão do processo de execução fiscal: O facto de ser ter considerado idónea a penhora feita para assegurar o pagamento da quantia exequenda.
Entende o recorrente, nestes termos, que ocorre uma violação da Lei Fundamental quando se considera, sem mais, que a paragem do processo de execução fiscal tem a virtualidade de suspender o decurso do prazo da prescrição, ainda que tal paragem não seja notificada ao executado.
Obviamente que os pressupostos que conduzem à paragem em causa têm que ser notificados ao executado, quando resultem de ato administrativo, como foi o caso, sob pena de se pactuar com um processo construído automaticamente à margem do administrado, mas com consequências graves na sua esfera pessoal, que importa salvaguardar.
Por esse motivo, o recorrente mantém o entendimento expresso no requerimento de interposição do presente recurso, o qual deverá ser conhecido.
Termos em que, concedendo-se provimento à presente reclamação, deverá ordenar-se prosseguimento dos presentes conhecimento do recurso interposto.»
3. Notificado para o efeito, a Fazenda Pública veio responder nos seguintes termos.
«1. A decisão sumária n.º 347/2012 não merece qualquer censura.
2. Como corretamente nela se afirma, o acórdão em recurso não decidiu que a suspensão do prazo da prescrição resulta do despacho do Chefe do SF que determinou a paragem do processo executivo.
3. Decidiu, sim, que essa suspensão decorre da instauração da impugnação judicial associada à existência de penhora de bens que garante a dívida exequenda e o acrescido.
4. Atento o exposto, a interpretação normativa feita pelo TCAN não corresponde àquela que a Recorrente, no seu requerimento de interposição, fixou como objeto do presente recurso.
5. E nem sequer corresponde a um efetivo ataque à decisão recorrida, de cujo teor inteiramente se alheia.
6. Na verdade, e por muito que custe à Recorrente, pouco interessa cuidar da necessidade da notificação de um despacho que o TCAN considerou irrelevante para a contagem da prescrição.
7. Para que o presente recurso (ou o antecedente recurso de revista excecional) tivesse algum sentido útil, impunha – se, sim, que ele subvertesse a tese do acórdão quanto ao caráter automático da suspensão por força da verificação conjunta da impugnação e da penhora suficiente para garantir a dívida e o acrescido.
8. Aliás esse facto já foi assinalado pela FP nas suas contra-alegações no recurso de revista excecional, como se extrai do excerto que segue:
Note-se, aliás, que o Tribunal recorrido não assinalou qualquer efeito especial ao citado despacho, nem dele retirou qualquer consequência. O acórdão recorrido é, nesse aspeto, absolutamente claro. O efeito suspensivo resulta da instauração do processo a que a lei atribui esse efeito e não de qualquer outro facto. Ou como lapidarmente aí se refere « não dependendo a suspensão da execução do despacho que a determina por maioria de razão também não dependerá da notificação desse despacho.
De nada vale, pois, à Recorrente esgrimir com a falta de notificação de um ato que, tal como ela própria deseja e reclama, não tem qualquer influência na contagem da prescrição. O que se lhe impunha, sim, é que ela questionasse a tese de que a suspensão resulta automaticamente da lei, na hipótese de verificação do binómio reclamação, impugnação, recurso/garantia idónea, penhora equivalente. Ao não afrontar a questão, ela acaba por não controverter diretamente a sentença em recurso, deduzindo defesa completamente alheia às efetivas razões que determinaram o seu insucesso nos autos. »
9.Pelo exposto e sem mais, a decisão sumária reclamada deve ser mantida.
Termos em que se solicita o indeferimento da reclamação deduzida pela Recorrente.»
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A ora reclamante persiste na tese de que a decisão recorrida teria aplicado a norma extraída do n.º 3 do artigo 49º da Lei Geral Tributária (LGT), no sentido de que “a prescrição se suspende com a paragem do processo de execução fiscal, mesmo que tal paragem não seja notificada ao executado”. Ora, conforme já demonstrado na decisão ora reclamada, tal não corresponde ao concreto teor da decisão tomada pelo tribunal recorrido, que expressamente entendeu que a falta de notificação de um despacho que teria – na perspetiva da ora reclamante – determinado a suspensão da instância executiva seria processualmente irrelevante, do ponto de vista da contagem da prescrição, pois tal suspensão “não deriva do despacho que a determina mas da instauração do processo a que a lei atribui efeito suspensivo da execução fiscal. (…) Como assim, não dependendo a suspensão da execução do despacho que a determine por maioria de razão também não dependerá da notificação desse despacho» (fls. 292).
Assim, sendo confirma-se o teor da decisão reclamada, indeferindo-se a reclamação apresentada.
III – Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 9 de agosto de 2012. – Ana Guerra Martins – Vítor Gomes – Rui Manuel Moura Ramos