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Processo n.º 496/99
2ª Secção Relator - Paulo Mota Pinto Acordam em conferência no Tribunal Constitucional: I. Relatório
1. J..., melhor identificado nos autos de oposição n.º 35/98. veio deduzir, em 2 de Fevereiro de 1999, incidente de suspeição relativamente à Meritíssima Juíza M.... Fê-lo por meio de requerimento, o qual concluiu alegando que 'verifica-se, pois, grande intimidade entre a M.ª Juíza, ora requerida, e o requerente - o que consubstancia a previsão do artigo 127°. n.º 1, alínea g), do Código de Processo Civil'. A Magistrada visada respondeu no sentido de que 'não há razões de conveniência que fundamentem a oposta suspeição'. Em 13 de Abril de 1999, o Presidente do Tribunal Central Administrativo proferiu o seguinte despacho:
'A petição de arguição da suspeição é feita em papel com designação e signo do T. T. de 1ª Instância de Lisboa, 2° Juízo – 1ª secção. Papel como emitido do Gabinete particular do Juiz. Ora, o requerente não é juiz desse Juízo, nem de qualquer outro (porque foi aposentado compulsivamente ). E também não é advogado nos termos do art.º 19° da Lei 21/85, como se arroga. A utilização desse papel, além de abusiva, configura ilícito criminal. Assim:
1. Envie participação criminal ao DIAP pelos factos descritos ( em oficio por mim assinado);
2. Desentranhe e entregue ao participante a petição da suspeição;
3. Notifique-o de que, se no prazo de 10 dias, não apresentar petição subscrita por advogado e em papel comum, se não tomará conta do pedido.' Desta decisão pretendeu o requerente reclamar, o que fez por meio de requerimento dirigido ao 'Exm.º Senhor Juiz Desembargador Presidente Substituto do Tribunal Central Administrativo', tendo em 10 de Maio de 1999 sido proferido o despacho que se transcreve:
'A haver reclamação do despacho de fls. 51, seguramente que não seria o substituto do autor de tal despacho que teria competência para a sua apreciação porque manifestamente a lei lhe não atribui essa competência. Razão porque se não toma conhecimento da reclamação apresentada e que nos foi dirigida.' Não se conformando com a decisão de não conhecimento do incidente de suspeição, tomada por despacho de 13 de Maio de 1999, pois que 'o reclamante não deu cumprimento ao convite para apresentar nova petição no prazo legal - art.º 152°,
2 do CPC', pretendeu o requerente interpor recurso de constitucionalidade, como advogado em causa própria nos termos do artigo 19° da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais).
2. Em 16 de Setembro de 1999, o relator no Tribunal Constitucional proferiu despacho do seguinte teor:
'(...)
2. Ao requerente foi aplicada, por deliberação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais que lhe foi notificada em 2 de Abril do corrente ano, a pena de aposentação compulsiva, pena esta que, nos termos do artigo 106° do Estatuto dos Magistrados Judiciais, implica ‘a imediata desligação do serviço e a perda dos direitos e regalias conferidos por esse Estatuto, sem prejuízo do direito à pensão fixada na lei.’ Entre estes direitos conta-se o de advogar em causa própria, previsto no artigo 19° do mesmo diploma. Ora, a pena aplicada começou, nos termos do artigo 70° do Decreto-Lei n.º 24/84, de 6 de Janeiro, a produzir efeitos legais no dia seguinte ao da sua notificação ao arguido - isto é, no dia 3 de Abril de 1998. Tendo, todavia, o ora recorrente formulado pedido de suspensão de eficácia do acto de aplicação desta pena, de acordo com o artigo 80° da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, ficou suspensa provisoriamente a execução desse acto, logo que recebido o duplicado do requerimento de suspensão, e até ao momento - 15 de Abril de 1998 - em que, por resolução fundamentada, a entidade recorrida reconheceu existir grave urgência para o interesse público na imediata execução do acto de aplicação da pena. Após esta última data, portanto, o acto de aplicação da pena passou a produzir efeitos legais e continuou a ser executado, tendo, aliás, o Supremo Tribunal Administrativo indeferido o pedido para suspensão da sua eficácia. Assim sendo, conclui-se que o ora recorrente não mantinha na data em que interpôs recurso para o Tribunal Constitucional (25 de Maio de 1999) os direitos conferidos pelo Estatuto dos Magistrados Judiciais - designadamente, e no que interessa para a verificação dos pressupostos processuais no recurso de constitucionalidade, o direito de advogar em causa própria, previsto no artigo 19° desse Estatuto. Na verdade, nos termos do artigo 83°, n.º 1 da Lei do Tribunal Constitucional, nos recursos para o Tribunal Constitucional é obrigatória a constituição de advogado. Esta exigência é aplicável ao presente recorrente, que não pode advogar em causa própria, uma vez que perdeu, com a eficácia da deliberação de aposentação compulsiva, os direitos decorrentes do estatuto de magistrado (salvo o direito à pensão fixada na lei).
3. A conclusão referida não é, sequer, infirmada pelo facto de o recurso para o Tribunal Constitucional ter sido admitido - pois que, desde logo, tal decisão não vincula este Tribunal (artigo 76°, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro) -, e com efeito suspensivo. Efectivamente, trata-se apenas do efeito suspensivo da decisão recorrida que, nas palavras do recorrente, ‘além do mais, lhe mandou constituir advogado’. Ora, a exigência de patrocínio judiciário, posta pelo direito processual constitucional, impõe-se a montante da apreciação do mérito do recurso de constitucionalidade, qualquer que seja o teor da decisão de que se recorre, ainda que esta não tenha reconhecido ao recorrente o direito de advogar em causa própria e seja precisamente esta uma das questões trazidas à apreciação do Tribunal Constitucional.
É certo que as próprias normas das quais depende a imediata eficácia da deliberação de aplicação da pena (com a consequente perda do estatuto de magistrado) podem ser objecto do recurso de constitucionalidade - pelo que a eventual procedência deste recurso poderia ter como consequência que, afinal, não produzindo essa deliberação desde logo efeitos, o recorrente mantinha o direito de advogar em causa própria. Todavia, enquanto a questão de fundo da constitucionalidade não estiver decidida, e, portanto, para a verificação dos pressupostos do próprio recurso de constitucionalidade, a manutenção do estatuto de juiz (e, portanto, da possibilidade de advogar em causa própria) depende apenas de saber se a eficácia do acto está ou não suspensa, nos termos das disposições legais aplicáveis. A circunstância de o preenchimento pelo recorrente do pressuposto processual poder depender da solução da questão de fundo quanto à constitucionalidade não basta, pois, para, no momento da interposição do recurso de constitucionalidade, se dever dispensar a verificação desse pressuposto. E na mesma linha, será, por exemplo, de exigir a constituição de advogado mesmo para contestar a constitucional idade desta exigência, apesar de a manutenção futura daquele requisito poder depender da questão de fundo. Isto, sendo certo, aliás, que - no que toca ao pressuposto consistente na exigência de patrocínio judiciário - nem sequer se encerra deste modo o recorrente num círculo vicioso, impedindo-o de ver apreciada a questão de constitucional idade que lhe interessa, pois que o mesmo recorrente pode facilmente preencher tal pressuposto simplesmente constituindo advogado para o recurso.
4. Conclui-se, portanto, em face dos elementos disponíveis, que no momento de interposição do recurso de constitucionalidade o recorrente não gozava - como seria necessário, não tendo constituído advogado (artigo 83°, n.º 1 da Lei do Tribunal Constitucional) - do direito de advogar em causa própria, por o acto de aplicação da pena de aposentação compulsiva estar a produzir efeitos. Com estes fundamentos, fixo ao recorrente, nos termos do artigo 33° do Código de Processo Civil (aplicável por força do artigo 69° da Lei do Tribunal Constitucional), o prazo de 10 dias para constituir advogado. sob pena do o recurso não ter seguimento. Notifique.'
3. Inconformado, veio o recorrente, sem ter constituído advogado, apresentar uma
'reclamação para a conferência' deste despacho. Para o reclamante,
'decidir, como fez o despacho reclamado, que a recorrente tem de constituir advogado porque, precisamente por força dos referidos actos [de aplicação da pena de aposentação compulsiva], ele, recorrente, nos termos do artigo 19° da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, deixou de ter essa qualidade, é decidir que mesmos actos do CSTAF, produzem efeitos.' Segue-se, numa longa peça processual (de mais de 420 artigos), a defesa da inexistência, nulidade e ineficácia do acto do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais que aplicou ao reclamante a pena de aposentação compulsiva, bem como da resolução fundamentada tomada ao abrigo do artigo 80°, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, que reconheceu grave urgência para o interesse público na imediata execução daquele acto de aplicação da referida pena. O reclamante termina requerendo:
'sejam declarados inexistentes ou nulos:
1.1 - A pretensa deliberação do CSTAF, de 30 de Março de 1998, que pretendeu aplicar ao recorrente «a pena única de Aposentação Compulsiva» que o despacho reclamado reconheceu como «produzi[ndo] efeitos»;
1.2- A pretensa deliberação do ETAF, que pretendeu ser a resolução fundamentada a que se refere o artigo 80°, n.º 1, da LPT A, que o despacho reclamado reconheceu como «produzi[ndo] efeitos.
2. Em consequência, requer que «sobre a matéria do despacho recaia um acórdão»
(artigo 700°, n.º 3, do C PC), decidindo que o ora reclamante não está obrigado a constituir outro advogado.
- Requer ao abrigo do artigo 535°, n.º 1, do CPC - segundo o qual «incumbe ao tribunal [...] requisitar informações [...] ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade» -, que o tribunal requisite os documentos que julgar necessários, nomeadamente cópia do processo disciplinar referido.' Cumpre decidir. II. Fundamentos
4. O Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais aplicou ao reclamante, por deliberação que lhe foi notificada em 2 de Abril de 1998, a pena de aposentação compulsiva, pena esta que, nos termos do artigo 106° do Estatuto dos Magistrados Judiciais, implica 'a imediata desligação do serviço e a perda dos direitos e regalias conferidos por esse Estatuto, sem prejuízo do direito à pensão fixada na lei.' Entre estes direitos conta-se o de advogar em causa própria, previsto no artigo 19° do mesmo diploma. A pena aplicada começou, nos termos do artigo 70° do Decreto-Lei n.º 24/84, de 6 de Janeiro, a produzir efeitos legais no dia seguinte ao da sua notificação ao arguido - isto é, no dia
3 de Abril de 1998. Tendo, todavia, o ora recorrente formulado pedido de suspensão de eficácia do acto de aplicação desta pena, de acordo com o artigo
80° da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, ficou suspensa provisoriamente a execução desse acto, logo que recebido o duplicado do requerimento de suspensão, e até ao momento - 15 de Abril de 1998 - em que. por resolução fundamentada, a entidade recorrida reconheceu existir grave urgência para o interesse público na imediata execução do acto de aplicação da pena. Assim, como se verificou no despacho reclamado, após esta última data o acto de aplicação da pena passou a produzir efeitos legais, tendo, aliás, o Supremo Tribunal Administrativo indeferido o pedido para suspensão da sua eficácia, em decisão não sindicável pelo Tribunal Constitucional nestes autos. Nada há, assim, a reparar na conclusão do despacho sob reclamação, de que o ora recorrente não mantinha na data em que interpôs recurso para o Tribunal Constitucional (25 de Maio de 1999) os direitos conferidos pelo Estatuto dos Magistrados Judiciais - designadamente, e no que interessa para a verificação dos pressupostos processuais no recurso de constitucionalidade, o direito de advogar em causa própria, previsto no artigo 19° desse Estatuto. Na verdade, nos termos do artigo 83°, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, nos recursos para o Tribunal Constitucional é obrigatória a constituição de advogado. Esta exigência é aplicável ao presente recorrente, que não pode advogar em causa própria, uma vez que perdeu, com a eficácia da deliberação de aposentação compulsiva, os direitos decorrentes do estatuto de magistrado (salvo o direito à pensão fixada na lei). III. Decisão Pelos fundamentos expostos, decide-se desatender a reclamação e condenar o reclamante em custas, fixando a taxa de justiça em 15 UC. Lisboa, 24 de Novembro de 1999 Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Bravo Serra Guilherme da Fonseca Luís Nunes de Almeida