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Proc. nº 815/98
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam na 1ªa Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. No Tribunal do Trabalho de Almada, B. M. intentou contra o Estado Português acção declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, com processo sumário, pedindo, entre o mais, que fosse declarado nulo o despedimento da autora das funções de auxiliar de acção educativa que desempenhava na Escola Secundária de Anselmo de Andrade. Alegou que tinha sido admitida para as referidas funções ao abrigo de contrato a temo certo, com início no mês de Novembro de 1988, contrato que o réu fez cessar, em Agosto de
1994, por declaração unilateral. A acção foi julgada procedente, tendo sido declarado ilícito o despedimento da autora promovido pelo réu; consequentemente, o réu foi condenado a pagar à autora uma indemnização por antiguidade (sentença de 30 de Outubro de 1997, fls.
121 e seguintes).
2. O Ministério Público, em representação do Estado Português, interpôs recurso de apelação. Nas suas contra-alegações, a autora sustentou que:
'[...]
3ª– A violação das normas que regem os contratos de trabalho a termo certo no
âmbito do Decreto-Lei n° 184/89 e 427/89 não impede a nulidade do termo aposto ao contrato ou a sua conversão em contrato sem termo.
4ª– O entendimento de que os contratos a termo certo são nulos quando violem as disposições dos citados diplomas legais, violam a lei e, em especial, os princípios da confiança, ínsito no Estado de Direito Democrático (artigo 2°), da igualdade (artigo 13°) e da segurança no emprego (artigo 53°) todos da CRP .
[...]'
Por acórdão de 17 de Junho de 1998 (f1s. 161 e seguintes), o Tribunal da Relação de Lisboa concedeu provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e absolvendo o réu do pedido.
3. B. M. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70°, n° 1, alínea b), da Lei n° 28/82, para apreciação da inconstitucionalidade da interpretação dada às normas dos artigos 14°, nºs 1 e
3, 15°, 18° e 43°, n° 1, do Decreto-Lei n° 427/89, de 7 de Dezembro, do artigo
7°, n° 2, do Decreto-Lei n° 184/89, de 2 de Junho, e do artigo 294° do Código Civil, por violação dos artigos 2°, 13° e 53° da Constituição da República Portuguesa.
4. No Tribunal Constitucional, a recorrente concluiu assim as suas alegações:
'1ª– O acórdão recorrido, com base nas normas do artigo 7° n° 2 do Decreto-Lei n° 184/89, e nos artigos 14° n° 1 e 43° n° 1 do Decreto-Lei n° 427/89, de 7 de Dezembro, decidiu que a Administração Pública não podia celebrar com a recorrente contratos de trabalho a termo certo para satisfação de necessidades permanentes e que, ao fazê-lo, o contrato deve ser considerado nulo por força do disposto no artigo 294° do Código Civil, e que havia impossibilidade legal de conversão do contrato de trabalho a termo certo em contrato de trabalho sem termo.
2ª– As normas dos artigos 7° n° 2 do Decreto-Lei n° 184/89 e dos artigos 14° n°
1 e 43° n° 1 do Decreto-Lei n° 427/89, e o artigo 294° do Código Civil, na interpretação e aplicação que delas fez o douto Acórdão recorrido, são inconstitucionais por ofensa dos princípios consagrados nos artigos 2°, 13° e
53° da Constituição da República.
3ª– Por consequência, devem julgar-se inconstitucionais as referidas normas na interpretação e aplicação delas feita pelo Acórdão recorrido quanto à impossibilidade de conversão do contrato de trabalho a termo certo da recorrente em contratos de trabalho sem termo e quanto à nulidade do mesmo contrato. Nestes termos e nos mais de direito do suprimento de V. Exª deve dar-se provimento ao recurso e ordenar-se a reforma do acórdão recorrido.'
O Ministério Público formulou as seguintes conclusões:
1º– A interpretação normativa dos artigos 14°, nºs 1 e 3, 15°, 18° e 43°, n° 1, do Decreto-Lei n° 427/89, e do artigo 7°, n° 2, do Decreto-Lei n° 184/89, traduzida em considerar que a aplicação subsidiária da lei geral sobre contrato de trabalho a termo certo aos contratos dessa natureza celebrados ou mantidos irregularmente pela Administração – e nulos, nos termos do artigo 294° do Código Civil – envolve a própria convertibilidade de tais relações laborais, necessariamente precárias e provisórias, em permanentes, de modo a facultar a reintegração, sem qualquer limite temporal, do trabalhador no seu «posto de trabalho» – admitindo-se, por esta via, a constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública por uma forma não constante da enumeração taxativa que, a título claramente imperativo, consta dos artigos 3° e 14° do citado diploma legal – viola o princípio constitucional do acesso igualitário e não discricionário à função pública e a regra do concurso (artigo 47°, n° 2, da Constituição da República Portuguesa).
2º– Na verdade, tal interpretação, ao criar inovatoriamente e contra lei expressa, uma via «sucedânea» de acesso, a título tendencialmente perpétuo e definitivo, ao emprego na Administração Pública permitindo que pessoal irregularmente contratado, com base num processo de selecção precário e sumário, veja consolidada a relação de emprego, ao abrigo da «convertibilidade» de uma situação irregular em relação laboral permanente e duradoura propiciaria que, em verdadeira fraude à lei, os quadros de pessoal pudessem vir a ser providos, a título definitivo, sem qualquer precedência do concurso constitucional e legalmente exigido.
3º – Não constitui violação do princípio da igualdade, nem atenta contra o direito à segurança no emprego, a circunstância de estarem legalmente instituídos regimes específicos para os contratos de pessoal no âmbito da relação de emprego na Administração Pública, substancialmente diferenciados do regime geral vigente no direito laboral comum e adequados ao cumprimento das exigências formuladas pelo n.º 2 do artigo 47° da Lei Fundamental.
4º – Termos em que deverá julgar-se improcedente o recurso, confirmando-se inteiramente a decisão recorrida.'
II
5. O presente recurso tem por objecto a apreciação da conformidade constitucional da interpretação normativa do artigo 7º, nº 2, do Decreto-Lei nº
184/89, de 2 de Junho, dos artigos 14º, nºs 1 e 3, 15º, 18º e 43º, nº 1, do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, e do artigo 294º do Código Civil, traduzida em não permitir a conversão dos contratos de trabalho a termo certo celebrados com o Estado em contratos de trabalho por tempo indeterminado.
6. O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a questão de constitucionalidade que constitui o objecto do presente recurso.
No acórdão nº 683/99 (Diário da República, II, nº 28, de 3 de Fevereiro de 2000, p. 2351 ss), tirado em Plenário, este Tribunal, por maioria, julgou inconstitucional, por violação do artigo 47º, nº 2, da Constituição, a norma constante do nº 3 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo.
O Tribunal Constitucional decidiu então que:
'não só a Constituição da República não impõe – nem pela garantia da segurança do emprego, nem por força do princípio da igualdade – a aplicação aos contratos de trabalho a termo certo celebrados pelo Estado de um regime de conversão ope legis em contratos de trabalho por tempo indeterminado, como tal conversão, e a correspondente forma de acesso à função pública se revelariam violadoras da regra da igualdade nesse acesso e do princípio do concurso, consagrados no artigo 47º, nº 2, da Constituição'.
III
7. Em aplicação da jurisprudência firmada no acórdão nº 683/99, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que se refere à questão de constitucionalidade. Custas pelas recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta, por cada uma.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 2000 Maria Helena Brito Artur Maurício Vítor Nunes de Almeida Luís Nunes de Almeida