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Procº nº 373/2000.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 2 de Junho de 2000 lavrou o relator nos presentes autos (fls.
217 a 221) decisão sumária com o seguinte teor:-
'1. Pelo Tribunal de comarca do Funchal intentaram JN... e mulher, AN..., contra J... e mulher, E..., acção, seguindo a forma de processo sumário, solicitando a condenação dos réus a pagaram aos autores a quantia de Esc. Esc.750.000$00, acrescida de juros, computando-se os vencidos em Esc.
406.000$00.
Seguindo a acção seus termos, de entre os quais avulta a efectivação de pedido reconvencional formulado pelos réus e por intermédio do qual estes solicitaram a condenação dos autores a pagarem àqueles Esc. 1.250.000$00, acrescidos de juros vencidos e vincendos, sendo os primeiros fixados em Esc.
1.021.000$00, vieram os réus a ser absolvidos do pedido contra eles formulado pelos autores, vindo estes últimos a ser condenados a pagarem aos réus Esc.
1.250.000$00.
Não se conformando com o assim decidido, apelaram os autores para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Após terem manifestado a sua intenção de recorrer, os autores arguiram ainda determinada nulidade que, por despacho de 17 de Fevereiro de
1997, foi julgada improcedente, sendo os arguentes condenados como litigantes de má fé na multa de 4 unidades de conta, despacho do qual os mesmos autores agravaram para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Por acórdão de 21 de Outubro de 1997, foram julgados improcedentes o agravo e a apelação e condenados os autores, como litigantes de má fé, na multa de 5 unidades de conta.
Desse acórdão pediram os autores revista, sendo que na alegação que foi produzida não se suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade reportadamente a norma ou normas constantes do ordenamento jurídico infra-constitucional.
Tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 1 de Fevereiro de
2000, negado a revista, veio a autora (já que, entretanto, falecera seu marido) arguir a nulidade desse aresto.
No requerimento consubstanciador dessa nulidade, disse, inter alia:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................
Como se vê, a Recorrente pediu ao Supremo Tribunal para que tomasse em conta aquela outra factualidade assente e consequentemente que revogasse o Acórdão recorrido e quando não assim que ordenasse a baixa dos autos à Relação a fim de que a decisão de facto fosse ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito e a consistir na condenação dos RR. a apagarem aos AA. 750 contos e juros.
Como e em último caso pediu então que a decisão a proferir nos presentes autos fosse outra que obstasse ao reconhecimento do pedido e anulasse o processo ou então que ordenasse tambrém a restituição do locado de forma que impedissem assim aos efeitos da referida nulidade parcial e enriquecedora dos RR. à custa da pobreza dos AA.. e sempre sem multas ou com elas no minimo.
Mas o douto Acórdão passou por cima de tudo e òbviamente no final fez o mesmo que já haviam feito as Instâncias ou seja condenou os AA. em vez dos RR. e isso sem atender às razões invocadas por estes naquelas suas três primeiras conclusões e com o que acabou por não se pronunciar sobre questão que devia apreciar e condenar em objecto diverso do pedido e o que corresponde através de processo não equitativo, à violação dos principios da negação da justiça, acesso ao direito e aos Tribunais e do Estado de direito democrático consignados nos artigos 20º nºs 1 e 4, 268º, nº 4 e 2º da Constituição da República Portuguesa e a interpretar implicitamente os artigos 660º, nº 2; 668º, nº 1, alinea d) e e);
713º, nº 2, 721º, 722º, 724º, 726º e 729º todos do C.P.C. de forma que violam aqueles mesmos principios.
Face ao exposto afigura-se que o Venerando Supremo Tribunal de Justiça não poderá deixar de pronunciar-se sobre as ditas questões, fundamento de nulidade por omissão de pronúncia e condenação em objecto diverso do pedido nos termos do artigo 668º, nº 1, alineas d) e e) primeira e segunda partes, respectivamente do Código de Processo Civil.
............................................................................................................................................................................................................................................’
Tendo, por acórdão de 4 de Abril de 2000, sido indeferida a arguida nulidade, a autora veio apresentar nos autos requerimento onde manifestou a sua intenção de, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 79º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, recorrer para o Tribunal Constitucional, quer deste aresto, quer do de 1 de Fevereiro de 2000.
Nessa peça processual disse a recorrente que o recurso era devido a:-
‘...............................................................................................................................................................................................................................................................não se ter conhecido das questões suscitadas pela recorrente e de condenar em objecto diverso do pedido e o que equivale à violação dos princípios da negação da justiça, acesso ao direito e aos Tribunais e do Estado de direito democrático consignados nos artigos 20º nº 1 e 4; 268º, nº 4 e 2º da Constituição da República Portuguesa e implicitamente interpretar os artigos 660, nº2, 668º, nº
1 alíneas d) e e); 713º, nº 2, 721º, 722º, 724º, 726º, e 729º do C.P.C. de forma que violam aqueles princípios.
Esta questão de inconstitucionalidade foi suscitada no requerimento em que foi arguida a nulidade por omissão de pronúncia do aliás douto acórdão que decidiu a revista e não antes uma vez que não era possível prever que o Venerando Supremo Tribunal de Justiça deixaria de pronunciar-se sobre a matéria condensada nas conclusões 3ª a 5ª das alegações relativas à revista interposta do acórdão da Relação em qualquer dos temos preconizados naquelas outras seguintes conclusões 11ª a 13ª..
............................................................................................................................................................................................................................................’
Por despacho proferido pelo Conselheiro Relator em 10 de Maio de 2000 foi o recurso admitido.
2. Não obstante tal despacho, porque o mesmo não vincula este Tribunal e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, a presente decisão, por meio da qual se não toma conhecimento do objecto da vertente impugnação.
De facto, desde logo ressalta do requerimento de interposição de recurso acima parcialmente transcrito que o que é intento da impugnante é a colocação sob a censura do Tribunal Constitucional dos arestos prolatados pelo nosso mais Alto Tribunal da ordem dos tribunais judiciais, dada a circunstância de (pelo menos no primeiro) se não ter conhecido de questões que teriam sido suscitadas pela recorrente e de se ter condenado em objecto diverso do pedido.
E, para pretender atingir esse desiderato, necessitou de acrescentar uma asserção de harmonia com a qual os acórdãos pretendidos pôr em causa fizeram implicitamente uma interpretação inconstitucional das normas ínsitas nos artigos
660º, nº 2, 668º, nº 1, alíneas d) e e), 713º, nº 2, 721º, 722º, 724º, 726º, e
729º, todos do Código de Processo Civil, numa determinada interpretação.
Porém, nunca essa interpretação foi explícita e claramente indicada pela recorrente no requerimento de interposição de recurso, sendo que, de idêntico modo, já o não tinha sido aquando do requerimento consubstanciador da arguição de nulidade do acórdão de 1 de Fevereiro de 2000.
Sendo isto assim, então haverá que concluir que o que é questionado sob o ponto de vista da sua inconstitucionalidade é, em boa verdade, a própria decisão jurisdicional que, desta sorte, é visualizada pela recorrente como padecendo de um erro de julgamento sustentado naquele vício.
Ora, como é sabido, objecto dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade são normas jurídicas e não outros actos do poder público tais como, verbi gratia, as decisões judiciais qua tale consideradas.
2.1. Mas, mesmo que (o que se concebe por efeitos argumentativos) se pudesse considerar que, embora remotamente, a recorrente tinha desejo de questionar a compatibilidade com a Lei Fundamental de determinada interpretação das normas vertidas nos artigos 660º, nº 2, 668º, nº 1, alíneas d) e e), 713º, nº 2, 721º, 722º, 724º, 726º, e 729º, todos do Código de Processo Civil, interpretação essa de acordo com a qual era permitido a um tribunal não resolver todas as questões submetidas pela «parte» à sua apreciação e condenar em objecto diverso do pedido - e dando de barato que ainda era momento processualmente adequado para a suscitação dessa questão de inconstitucionalidade fazê-lo em requerimento de arguição de nulidades - o que é certo é que, de um lado, não só essas normas, em face do seu teor literal, não comportam essa interpretação como, por outro, e é isso o que mais releva, o acórdão de 1 de Fevereiro de 2000 e, bem assim, o de 4 de Abril seguinte, não fizeram, de modo directo ou indirecto, explicito ou implícito, uma tal interpretação.
De facto não é, de todo em todo, possível sustentar que do discurso utilizado nos dois arestos resultasse:-
- que o Supremo Tribunal de Justiça entendeu haver qualquer norma jurídica que lhe permitia não resolver questões que, com pertinência, lhe foram submetidas pelas «partes» (e desde que a sua decisão não estivesse prejudicada pela decisão conferida a outras);
- que entendeu também existirem normas jurídicas que lhe permitiam condenar em objecto diferente do pedido;
- que conferiu às normas existentes, designadamente às indicadas no requerimento de interposição de recurso (e aproveite-se o presente momento para realçar que não é minimamente entendível a invocação, neste particular, das normas constantes dos artigos 721º, nº 2, 722º, 724º, 726º e 729º do diploma adjectivo civil) uma interpretação que conduzisse às permissões acima indicadas.
Ora, mesmo nesta senda, haveria de concluir-se que faltava aqui um dos requisitos da impugnação que se reporta a alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
3. Em face do exposto, não se toma conhecimento do objecto do recurso, condenando-se a recorrente nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em cinco unidades de conta'.
2. Da transcrita decisão sumária deduziu reclamação Antónia da Conceição Nunes, dizendo que a interpretação implícita dos artigos 660º, nº 2,
668º, nº 1, alínea d), 713º, nº 2, 721º, 724º, 726º e 729º, todos do Código de Processo Civil, levada a efeito pelo acórdão lavrado no Supremo Tribunal de Justiça 'foi suscitada e levantada no processo não por uma mas por duas vezes, como foi feita a justificação porque só então o foi'.
Disse-se no requerimento corporizador da reclamação:-
'........................................................................................................................................................................................................................................................................................
Que nas Instâncias deixassem de pronunciar-se sobre questão que lhe foi posta e condenassem em objecto diverso do pedido (para mais sem atenderem à respectiva factualidade, ainda se poderia esperar embora mal) mas que o Supremo fizesse igual apesar de chamado à atenção pela Recorrente, isso é que nunca!!!
Que todos condenassem a Reclamante como litigante de má fé, sem tomar em alguma conta a factualidade alegada que não só a afastaria como necessariamente implicaria a procedência da acção, não é nada curial e a única maneira de nos convencermos do acerto de tais condenações seria òbviamente apreciar as questões que lhes foram postas tendo em conta essa outra factualidade.
E vai daí que a Reclamante tenha procurado guarida e protecção junto do Tribunal Constitucional, naqueles termos, como superior órgão fiscalizador daqueles preceitos e princípios constitucionais que garantem o acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva e para o que citou como violados os artigos 2º, 20 nº 1 e 268º nº 4 do nosso Diploma Fundamental além daqueles outros processuais.
Questiona-se o douto Acordão do Supremo de 1/2/2000 não tanto pelo que fez mas sobretudo pelo que deixou de fazer ou por não ter atendido à factualidade alegada para fundamentar o pedido que lhe foi posto ao Tribunal e o que efectivamente corresponde à violação dos princípios da negação de Justiça, acesso ao direito, aos Tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva e a um Estado de Direito Democrático e implicitamente a interpretar os citados artigos processuais por forma que violam estes princípios e disposições constitucionais e o que tudo foi citado no processo como justificada foi a razão de o ser só então.
Isto é, o que verdadeiramente está em causa é a violação por aquele Acordão dos princípios e normas constitucionais referidos, por ter deixado de apreciar as questões que lhe foram postas (e já antes também suscitadas nas Instâncias) e de ter condenado em objecto diverso do pedido esquecendo de todo em todo a factualidade propositadamente alegada deixando à vista a negação da Justiça desde da primeira hora reclamada pela Recorrente e ora Reclamante bem como o desprezo que por ela mostra ou pelo seu direito à justiça e o que corresponde às citadas violações constitucionais.
Por último, o Exmº Relator na parte final da sua douta decisão ora reclamada, refere que ‘não é minimamente atendível a invocação, neste particular das normas constantes dos artigos 721 nº 2, 722, 724, 726 e 729 do diploma adjectivo civil na interpretação que conduzisse às premissas acima indicadas’.
Ora e se a invocação dessas disposições não é minimamente atendível é porque o é a das restantes tanto mais ou na medida em que a questão fundamental
é a de uma negação da Justiça em concreto e mais especificamente do direito fundamental consignado no artigo 20 da Constituição e directamente aplicável nos termos do artigo 18º do mesmo Diploma.
Não será despiciendo transcrever os artigos 8º e 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem:
........................................................................................................................................................................................................................................................................................'
Cumpre decidir.
3. Não obstante a pouca intelegibilidade do que é referido na reclamação em apreço, o que é certo é que se não descortina o mínimo fundamento que abale a corte de considerações efectuada na decisão sumária ora impugnada.
Antes, e pelo contrário, se se atentar no que é aduzido em tal reclamação, maior se torna a convicção segundo a qual, verdadeiramente, objecto da pretendida impugnação foi a decisão judicial em si e não qualquer norma ou dimensão normativa.
Por outro lado, não se poderá pôr em causa que o acórdão desejado questionar não levou a cabo a interpretação que teria sido posta em causa pela agora reclamante (e a admitir-se - o que, repetindo o que foi dito na decisão sumária, só se concebe de modo hipotético e para efeitos meramente argumentativos - que teria sido isso o que a recorrente pretendeu fazer) referentemente às normas contidas nos artigos 660º. nº 2, 668º, nº 1, alíneas d) e e), e 713º, nº 2, todos de Código de Processo Civil, como é bem demonstrado naquela decisão.
Por fim é por demais evidente que o que é argumentado na parte final da reclamação em apreço e que acima se transcreveu não tem a mínima consistência, quer de um ponto de vista lógico, quer de um ponto de vista jurídico.
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se a reclamante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em 15 unidades de conta. Lisboa, 25 de Outubro de 2000 Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa