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Proc. nº 572/99
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. No processo executivo a correr termos no 3º Juízo Cível de Coimbra, em que figura como exequente o Banco P..., SA, e como executada M..., foi interposto recurso pelo exequente do despacho que indeferiu o requerimento de anulação da praça realizada em 14 de Novembro de 1997. Nas alegações apresentadas não foi suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa.
O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 2 de Fevereiro de
1999, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Banco P..., SA, interpôs recurso do acórdão de 2 de Fevereiro de
1999 para o Supremo Tribunal de Justiça. Nas alegações de recurso apresentadas não foi igualmente suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 15 de Junho de 1999, negou provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido.
2. O Banco P..., SA, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alíneas b) e f), da Lei do Tribunal Constitucional. No respectivo requerimento, afirmou que o recurso tem por fundamento a violação do princípio ínsito nas alegações de recurso. Afirma, contudo, que só teve oportunidade e conveniência processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade no seguimento do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
O recurso de constitucionalidade não foi admitido, por despacho de 9 de Julho de 1999, em virtude de as questões de inconstitucionalidade e de ilegalidade não terem sido suscitadas durante o processo.
3. O Banco P..., SA, reclamou do despacho de não admissão do recurso, ao abrigo do artigo 76º, nº 4, e 77º, da Lei do Tribunal Constitucional, afirmando ter invocado a violação de disposições e princípios constitucionais nas alegações de recurso e, concomitantemente, não ter tido oportunidade processual de suscitar a questão de constitucionalidade antes da interposição do recurso.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
4. Corridos os vistos, cumpre decidir. II Fundamentação
5. Sendo o recurso que o reclamante pretende ver admitido interposto ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b), e nº 2, alínea d), da Constituição e 70º, nº 1, alíneas b) e f), da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário, para que se possa tomar conhecimento do seu objecto, que as questões de inconstitucionalidade e de ilegalidade hajam sido suscitadas durante o processo.
O Tribunal Constitucional tem entendido este requisito num sentido funcional. De acordo com tal entendimento, uma questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade normativa só se pode considerar suscitada de modo processualmente adequado quando o recorrente identifica a norma que considera inconstitucional ou ilegal e indica o princípio, a norma constitucional ou a lei que considera violados. Não se considera assim suscitada uma questão de constitucionalidade ou de legalidade normativa quando o recorrente se limita a afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional ou ilegal, sem indicar a norma que enferma desse vício, quando imputa a inconstitucionalidade ou ilegalidade a uma decisão ou a um acto administrativo ou quando apenas invoca a violação, em abstracto, de vários princípios, sem indicar as normas que os violariam.
Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem igualmente entendido que a questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade tem de ser suscitada antes da prolação da decisão recorrida, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela. Não se considera assim suscitada durante o processo a questão de constitucionalidade ou de ilegalidade normativa invocada somente no requerimento de aclaração, na arguição de nulidade ou no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade (cf., entre muitos outros, o Acórdão nº 155/95, D.R., II Série, de 20 de Junho de 1995).
6. Ora, o reclamante não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade normativa durante o processo. Com efeito, da leitura das alegações de recurso constantes dos autos (ou até mesmo do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional e da reclamação posteriormente apresentada) não resulta que haja sido suscitada qualquer questão das referidas nas alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
O reclamante afirma, porém, que não teve oportunidade de suscitar a questão antes da prolação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, sustentando, concomitantemente, que invocou nas alegações de recurso a violação de disposições e princípios constitucionais.
Todavia, não foi proferida qualquer decisão objectivamente inesperada nos presentes autos. Na verdade, o Tribunal da Relação de Coimbra confirmou o despacho recorrido, tendo o acórdão daquele tribunal sido, por sua vez, confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, que expressamente acompanhou
'o entendimento perfilhado pelo acórdão [então] recorrido'.
Não se verifica, por conseguinte, uma daquelas situações excepcionais e anómalas em que o Tribunal Constitucional considera ser dispensável o cumprimento do ónus da suscitação da questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade durante o processo por falta de oportunidade processual (cf. o Acórdão nº 155/95), pelo que sobre o reclamante impendia tal ónus.
6. Conclui-se, pois, pela improcedência da presente reclamação, uma vez que não foi suscitada durante o processo qualquer questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade normativa [artigo 70º, nº 1, alíneas b) e f), da Lei do Tribunal Constitucional].
III Decisão
7. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando consequentemente a decisão de não admissão do recurso de constitucionalidade reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 18 UCs. Lisboa, 24 de Novembro de 1999 Maria Fernanda Palma Bravo Serra Luís Nunes de Almeida