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Procº nº 105/2000
1ª Secção Relator: Cons. Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
1. - Nos presentes autos de execução vindos do 1º Juízo Cível de Lisboa, em que figuram como exequente o Hospital S... e como executado o Sindicato B... foi proferida decisão que julgou inconstitucional o artigo 1º do Decreto-Lei nº
274/97, de 8 de Outubro , e em consequência indeferiu o pedido da entidade exequente no sentido de se mandar proceder à penhora de determinados bens do executado com posterior notificação deste para deduzir, querendo, os correspodentes embargos.
2. - Desta decisão interpôs o Ministério Público recurso de constitucionalidade ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, cujas alegações produzidas neste Tribunal terminam com as seguintes conclusões:
'1º - O regime constante do artigo 1º do Decreto-Lei nº 274/97, de 8 de Outubro, ao mandar aplicar à execução para pagamento de quantia certa, de valor não superior à alçada dos tribunais de 1ªinstância, mesmo que fundada em título extra-judicial, e em que não sejam penhorados imóveis ou estabelecimento comercial, o regime estabelecido no Código de Processo Civil para a execução de sentença condenatória, não viola, em termos desproporcionados e constitucionalmente ilegítimos, o princípio do contraditório, ínsito no direito de acesso aos tribunais, afirmado pelo artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
2º - O diferimento do contraditório do executado para momento ulterior à realização da penhora – permanecendo esta como provisória até julgamento da oposição eventualmente deduzida na sequência da notificação pessoal do executado, nos termos do artigo 926º do Código de Processo Civil – ditado por prementes razões de celeridade e eficácia na efectivação prática e em tempo útil do direito do credor, não viola o referido princípio constitucional, atento o regime globalmente traçado para a tramitação de tal acção executiva.
3º - Na verdade – e para além de o próprio título executivo ser um documento que certifica ou indicia necessariamente, em termos julgados bastantes, a existência do débito - cumpre ao juiz, antes de ordenar a penhora, proferir despacho liminar, nos termos dos artigos 925º e 811º-A do Código de Processo Civil, devendo indeferir o requerimento executivo nos casos previstos nesta disposição legal, e sendo subsequentemente facultada ao executado, na sequência de notificação pessoal, nos termos do artigo 926º, o pleno contraditório, quanto à própria execução, ao despacho determinativo da penhora e à realização desta
(artigos 926º, nº 3, 863º-A e 815º do Código de Processo Civil).
4º - E podendo o credor, que haja instaurado de forma temerária ou negligente execução com base em crédito inexistente ou já extinto, ser responsabilizado por todos os danos que tenha causado ao executado em consequência do desapossamento dos bens penhorados, através da possível condenação como litigante de má fé, nos termos dos artigos 456º e 457º, nº 1 do Código de Processo Civil.
5º - Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com um juízo de constitucionalidade da norma desaplicada na decisão recorrida.'
3. - O Hospital de Santa Marta, que entretanto agravara do despacho que indeferira o requerimento executivo, veio, com o processo já neste Tribunal, declarar que perdera o interesse no agravo que interpusera, por inutilidade superveniente da lide, em razão do estabelecido no protocolo celebrado entre o Ministério da Saúde e o Sindicato executado, de que juntou fotocópia, e consequentemente não alegou no presente recurso. Tal não obsta a que dele se conheça, dado permanecer no ordenamento uma decisão judicial proferida com fundamento no julgamento de inconstitucionalidade de uma norma, matéria sobre a qual cabe ao Tribunal Constitucional a última palavra, tanto mais que o Tribunal tem perante si um recurso de interposição obrigatória pelo Ministério Público. Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
4. - A questão de constitucionalidade que constitui objecto do presente recurso tem sido posta em processos similares de acção executiva para pagamento de quantia certa, vindos do mesmo Juízo da Comarca de Lisboa, e vem recebendo resposta, embora com votos de vencido, no sentido da não inconstitucionalidade da norma questionada, constante do artigo 1º do Decreto-Lei nº 274/97, de 8 de Outubro. Não se encontra razão para divergir do juízo de não inconstitucionalidade formulado, entre outros, nos Acórdãos nºs 162/2000, de 22 de Março de 2000;
177/2000, de 22 de Março de 2000; 227/2000, de 5 de Abril de 2000; 259/2000, de
2 de Maio de 2000; 264/2000 e 265/2000, ambos de 3 de Maio de 2000. Por essa razão, remete-se para a fundamentação do Acórdão nº 259/2000, de que se junta cópia e do qual se faz uma síntese da respectiva fundamentação. No referido Acórdão entendeu-se que a norma em causa não viola o princípio do contraditório atendendo-se a que o executado não fica colocado em posição de indefensão, visto que pode opor-se à execução como também à penhora. O contraditório é simplesmente diferido para depois da efectivação da penhora, porque a lei pretende assegurar uma mais efectiva realização dos direitos do credor e exequente, desta forma visando também objectivos de celeridade processual. A solução legal, por outro lado, aplica-se a dívidas de pequeno valor, documentadas por título administrativo ou por escrito assinado pelo devedor, o que confere probabilidade acrescida da existência do crédito, título esse que apresenta apenas uma diferença de grau – não de natureza – em relação
às próprias sentenças condenatórias. E conclui-se em termos a que se adere inteiramente: «a norma sub iudicio (ou seja,: a norma que consta do artigo 1º do Decreto-Lei n º 274/97, de 8 de Outubro) que manda aplicar o regime estabelecido no Código de Processo Civil para a execução para pagamento de quantia certa, de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância [ no presente recurso no valor de 16 400$00 ] mesmo que fundada em título extrajudicial, desde que, aí, não sejam penhorados bens imóveis, estabelecimento comercial ou móveis onerados por penhor, não é inconstitucional. Ela não atinge, designadamente, em termos desproporcionados e constitucionalmente ilegítimos, o princípio do contraditório, ínsito no direito de acesso aos tribunais (consagrado no artigo
20º da Constituição).» Igualmente tal norma não viola o direito de propriedade nem o princípio da proporcionalidade, pois que «não afecta intolerável e desproporcionalmente o direito do executado, na medida em que a penhora não implica privação do direito de propriedade sobre o bem penhorado.», tal como ficou decidido nos Acórdãos nºs
162/2000 e 227/2000, citados.
5. - Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 1º do Decreto-Lei nº 274/97, de 8 de Outubro, e, em consequência, conceder provimento ao recurso, determinando a reformulação da decisão recorrida de acordo com o presente julgamento da questão de constitucionalidade. Lisboa, 24 de Outubro de 2000 Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa