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Processo nº 71/00
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - R..., notificado da acusação contra si deduzida nos autos de inquérito a correr termos nos serviços do Ministério Público na comarca de Coimbra – nos quais se constituiu assistente B... -, solicitou verbalmente a emissão de fotocópias de várias peças processuais, alegadamente para assim preparar a sua defesa. Não chegou, no entanto, a levantar essas fotocópias uma vez que, contrariamente ao seu entendimento a respeito da natureza gratuita do acto, foi o mesmo sujeito à tributação prevista no nº 2 do artigo 106º do Código das Custas Judiciais (CCJ).
A reclamação oportunamente feita foi desatendida por decisão do magistrado competente, o que o levou a arguir a nulidade do despacho, nos termos do artigo 119º, alínea e), do Código de Processo Penal (CPP), ou, então, a declaração da sua invalidade, de acordo com o artigo 123º do mesmo diploma.
Conclusos os autos ao respectivo Juiz de Instrução Criminal, este, por despacho de 26 de Março de 1999, indeferiu a pretensão do requerente.
Recorreu R... para o Tribunal da Relação de Coimbra, alegando violação pela decisão recorrida das normas dos artigos 13º, 18º, nº 2,
20º e 32º da Constituição da República (CR), e, bem assim, das normas dos artigos 60º, 63º, 89º, nº 1, 286º, nºs. 1 e 2, e 287º, nºs. 1, alínea a), 2 e 3, todos do CPP.
Designadamente, aí defendeu que 'uma interpretação e aplicação dos artigos 89º, nº 1, do CPP e 106º, nº 2, do CCJ como fez a decisão recorrida, torna essas normas inconstitucionais por violação dos artigos 18º,
20º, nº 1, e 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa'.
2. - O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 7 de Dezembro de 1999, negou provimento ao recurso.
Nele se escreveu, a dado passo:
'[...] a questão submetida à nossa consideração resume-se a saber se as cópias a que se refere o nº 1, do artigo 89º, são ou não gratuitas, defendendo o recorrente nas suas conclusões que o fornecimento dessas cópias tem que ser gratuito, por, ao contrário do que se entendeu no douto despacho impugnado, não constituir o mesmo um acto avulso, mas sim um acto inserido no decorrer normal do processo, como tal previsto na lei. Ora, salvo o devido respeito pela opinião contrária, o fornecimento das cópias em causa tem de ser considerado um acto avulso desde logo porque, além de não constituir um acto inserido no desenvolvimento comum do processo, uma vez que tal fornecimento depende de solicitação dos interessados, podendo, por isso, o processo prosseguir normalmente sem este acto, tais cópias não ficam a fazer dele parte integrante. Por outro lado, o Código das Custas Judiciais enumera, nos seus artigos 105º a
109º, como actos avulsos, a afixação de editais, a notificação judicial avulsa, as certidões,. os traslados, a busca e a confiança de processos, a procuração ou subestabelecimento apud acta e também 'as cópias ou extractos requeridos no processo penal pelos sujeitos processuais ou por terceiros, ainda que por fotocópia' (cfr. nº 2, do artigo 106º, do CCJ). E é outrossim neste sentido a opinião de Salvador da Costa expressa no seu Código das Custas Judiciais Anotado e Comentado, edição de 1997, página 341, ao escrever: 'Às cópias e aos extractos mencionados (no nº 2, do artigo 106º do CCJ), reportam-se o nº 1 do artigo 89º e o nº 1 do artigo 90º do Código de Processo Penal...'. Assente que o fornecimento das cópias solicitado pelo arguido constitui um acto avulso, nos termos daquele nº 2, do artigo 106º, do CCJ, por cada lauda das cópias é devido 1/120 de UC.'
E mais se ponderou no citado aresto, ao encarar a questão de constitucionalidade equacionada pelo recorrente:
'E não se diga que este entendimento viola as normas dos artigos 13º, 18º, 20º e
32º, da CRP. Com efeito, o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º, da Constituição da República Portuguesa, assim como obriga a tratar de forma igual o que é igual, obriga a tratar de forma desigual o que é desigual e, como é óbvio, em processo penal, o Ministério Público, como titular da acção penal, não tem o mesmo estatuto que o arguido. Por outro lado, exigir o pagamento das cópias em causa não constitui uma ofensa aos direitos, liberdades e garantias do arguido nem um obstáculo levantado ao exercício do seu direito de defesa. Na verdade, o nº 1, do artigo 89º, começa por permitir ao arguido, sem qualquer contrapartida, o acesso directo ao processo, para consulta, na secretaria ou noutro local onde estiver a ser realizada qualquer diligência. E só quando, para sua comodidade, o arguido pretender cópias, extractos ou certidões do processo, terá de satisfazer o respectivo custo em conformidade com o estabelecido no CCJ. Estão, pois, devidamente assegurados os seus direitos, liberdades e garantias, embora nesta última hipótese tenha de pagar uma quantia variável segundo o número de cópias, extractos ou certidões que pretender. Pagamento que também não ofende qualquer preceito constitucional, porquanto, como é consabido, a nossa lei fundamental não optou pelo acesso gratuito aos tribunais. No entanto, para o caso de o arguido não dispor de meios económicos para o efeito e no seguimento do determinado no nº 1, do artigo 20º, da Constituição da República Portuguesa (a justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios económicos), poderá o mesmo arguido requerer o benefício do apoio judiciário para conseguir, gratuitamente, as cópias, extractos e certidões que solicitar, nos termos do estabelecido no Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro.'
3. - Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro.
Pretende a apreciação da constitucionalidade das normas dos artigos 89º, nº 1, do CPP e 106º, nº 2, do CCJ, quando interpretadas no sentido que – em sua tese – o acórdão o fez, ou seja, interpretadas de modo a qualificar como acto avulso, como tal sujeito a custas judiciais, o requerimento do arguido para obtenção de cópia de peças processuais, com o fim de preparar a sua defesa.
Entende o interessado que semelhante interpretação viola o disposto nos artigos 13º, 18º, 20º, 32º, nº 1, 202º, nº 1, 203º e 204º da CR.
4. - Recebido o recurso, alegou o arguido em tempo oportuno, tendo concluído do seguinte modo:
'I. O arguido solicitou, ao abrigo do disposto no art. 89º, nº 1, in fine, do CPP, o fornecimento gratuito de fotocópias de autos do processo em que é o arguido, a fim de poder preparar a sua defesa face ao despacho acusatório que lhe imputou a autoria de um crime de abuso de liberdade de imprensa. II. A secretaria exigiu ao arguido o pagamento de uma taxa de justiça por cada fotocópia, acto que veio a ser sucessivamente confirmado por despacho do meritíssimo Juiz de Instrução e pelo acórdão recorrido. III. Esta última decisão considerou que a obtenção de tais fotocópias constituía um acto avulso e, como tal teria, de ser tributada nos termos estabelecidos no artº 106º, nº 2, do CCJ. IV. Ora, o fornecimento de cópias de autos do processo, requeridas por um arguido, ao abrigo do artº 89º, nº 1, do CPP, para os efeitos de fundamentar devidamente um requerimento de abertura da instrução, dentro do prazo para tal fixado, não pode ser considerado um acto avulso. V. A entender-se de modo diferente, como faz o aresto recorrido, qualquer intervenção de um arguido no processo teria de ser considerada como um acto avulso, já que o processo poderia ficar prosseguir normalmente sem qualquer intervenção do arguido. VI. Desenvolvendo coerentemente a lógica da decisão recorrida, teriam de ser consideradas como actos avulsos e, como tal tributadas, as notificações de testemunhas indicadas pelo arguido durante o inquérito e até nas fases de instrução ou de julgamento, já que a marcha do processo poderia ter lugar sem esses actos. VII. A única norma legal que prevê o pagamento de fotocópias é a norma do artº
106º, nº 2, do CCJ mas tal artigo está inserido no Título IV desse código, o qual se refere apenas a actos avulsos. VIII. A pretensão do arguido não pode, in casu, ser considerada um acto avulso, quer porque as cópias pretendidas se destinavam a ser usadas dentro do próprio processo a que se referem, na preparação da defesa do arguido, quer porque a mesma pretensão é invocada por um sujeito do próprio processo. IX. Um acto avulso é por definição e por natureza um acto «arrancado à força»,
«separado», «desligado do corpo ou colecção de que fazia parte, desirmanado»
(cfr. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª Edição, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1986) ou então «um acto arrancado ou separado por força ou violência», «desligado», «isolado», «solto» (cfr. Dicionário da Língua Portuguesa, 7ª Edição, Porto Editora, Porto, 1996). X. A interpretação acolhida no acórdão recorrido segundo a qual «Às cópias e aos extractos mencionados no nº 2 do artº 106º do CCJ reportam-se o nº 1 do artigo
89º e o nº 1 do artigo 90º do Código de Processo Penal...» não tem o mínimo suporte na letra nem no espírito das referidas normas legais. XI. Assim interpretadas e aplicadas essas normas violam desde logo o artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, porque consubstanciam uma violação do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei. XII. Com efeito, o princípio da igualdade consagrado naquela norma constitucional obriga não só a tratar de forma igual o que é igual, mas também a tratar de forma desigual o que é desigual. XIII. Ora, um cidadão acusado num processo penal que pretenda obter fotocópias de autos desse processo para impugnar a acusação de foi alvo, não pode ser tratado da mesma forma, em matéria de tributação, que uma qualquer pessoa estranha a esse processo que a ele pretenda aceder. XIV. O Arguido num processo não pode ser tratado igualmente em relação a um terceiro porque não são iguais dentro desse processo. XV. A interpretação e aplicação, feita na decisão recorrida, das normas das normas dos artºs. 89º, nº 1 do CPP e 106º, nº 2 do CCJ violam o artº 18º da CRP, já que restringem desproporcionadamente direitos liberdades e garantias do arguido, ora recorrente. XVI. Uma tal interpretação e aplicação daquelas normas pode levar, em alguns casos, a que os arguidos não usem de todas as faculdades legais que a lei permite para a sua defesa, e, nessa medida, traduz-se, de facto, numa diminuição das garantias de defesa, diminuição essa que, in casu, pode ter como consequência a submissão do arguido à desnecessária humilhação de um julgamento público. XVII. A interpretação e aplicação no acórdão recorrido das normas do artº 89º, nº 1 do CPP e 106º, nº 2 do CCJ, torna essas normas ofensivas do estatuído do artº 20º da CRP, na medida em que se traduz num impedimento de o arguido aceder ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva. XVIII. Segundo a insólita interpretação e aplicação daquelas normas, qualquer passo processual do arguido poderia ser tributado e nesse medida só os cidadãos em condições de beneficiar do apoio judiciário ou os muito ricos estariam em condições de usar cabalmente todas as faculdades processuais previstas na lei. XIX. Assim, o arguido não pode, no caso sub judicio, usar todos os direitos e recursos processuais que a lei põe ao seu dispor, nomeadamente, a passagem à fase da instrução. XX. A interpretação e a aplicação que o acórdão recorrido fez das normas do art.
89º, nº 1 do CPP e do art. 106º, nº 2 do CCJ violam o art. 32º, nº 1 da CRP, já que se traduz numa diminuição das garantias de defesa constitucionalmente consignadas. XXI. Assim interpretadas e aplicadas, as normas do art. 89º, nº 1, do CPP e do art. 106º, nº 2 do CCJ negam a possibilidade do arguido requerer a passagem do processo à fase da instrução, já que impõem o pagamento de taxa de justiça por cópias de autos necessários à fundamentação do respectivo requerimento. XXII. O aresto recorrido traduz-se numa flagrante violação do princípio da igualdade de armas do processo penal, já que ao arguido foi, de facto, negado o acesso ao processo, assim o impedindo de poder preparar a sua defesa, quando já tinha sido proferido o despacho acusatório. XXIII. Não se pode aceitar, num Estado de Direito Democrático, que o Ministério Público disponha inteiramente do processo durante meses ou anos e o arguido seja impedido de aceder ao mesmo, depois de proferida acusação, em condições de poder preparar a sua defesa nos escassos 20 dias de que dispõe para tal. XXIV. O arguido não pode consultar o processo em condições de dignidade, depois da prolação de despacho de acusação, a fim de poder requerer a abertura da instrução. XXV. O arguido só pode consultar o processo ao balcão da secretaria e em pé, já que não havia uma sala, nem sequer uma mesa e uma cadeira disponíveis para o mandatário do arguido poder utilizar. XXVI. O arguido pretendeu aceder ao processo nas condições solicitadas não com ou por «comodidade» mas com a dignidade que o estatuto funcional do seu mandatário impõe. XXVII. O arguido não pôde sindicar os meios de prova que fundamentaram a decisão de o acusar, porque não teve acesso ao processo em condições de poder estudar ponderadamente todos os elementos relevantes, nomeadamente, os autos com depoimentos das testemunhas que serviram para o incriminar. XXVIII. Termos em que deve ser declarada a inconstitucionalidade das normas dos artºs. 89º, nº 1 do CPP e do artº 106º, nº 2 do CCJ com a consequente projecção dos respectivos efeitos a nível do Tribunal da relação de Coimbra, de modo a que o recorrente possa obter gratuitamente as fotocópias oportunamente solicitadas na secretaria a fim de poder fundamentar o requerimento de abertura de instrução. Se assim se fizer, criar-se-ão condições para que venha a ser feita Justiça.'
Por seu turno, ao contra-alegar, o magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal rematou assim:
'1º Não viola os princípios constitucionais do acesso à justiça e das garantias de defesa do arguido, consignados nos artigos 20º, nº 1, e 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação normativa dos artigos 89º, nº 1, do Código de Processo Penal e 106º, nº 2, do Código das Custas Judiciais, traduzida em fazer suportar pelo arguido os custos emergentes da passagem de cópia de peças processuais, por ele requerida após consulta do processo na secretaria, para melhor e mais comodamente organizar a sua defesa, estando expressamente ressalvada a gratuitidade de tal acto processual se o arguido requerer e obtiver apoio judiciário, com base na desproporção entre tais custos e a respectiva capacidade económica.
2º Termos em que deverá improceder o presente recurso.'
Finalmente, o assistente constituído nos autos defendeu igualmente a improcedência do recurso.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II
1. - O nº 2 do artigo 89º do CPP estabelece, no tocante à fase processual anterior à abertura da instrução, o regime de acesso aos autos para consulta e obtenção de certidões a eles relativas, mormente quando se trata dos próprios arguidos.
O acesso destes últimos, concretizado na passagem de cópia das peças processuais que lhes interessam para organizarem a sua defesa, está, no entanto, de acordo com o nº 2 do artigo 106º do CCJ, sujeita a custas.
O objecto do presente recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade é, assim, delimitado à interpretação conjugada destas normas que, no caso sub judice, se aplicou.
Como é óbvio, está em causa a constitucionalidade de um juízo interpretativo relativo à tributação em custas judiciais de um determinado acto processual, mas não qualquer juízo a respeito da qualificação jurídica feita pelas instâncias relativamente à subsunção desse concreto acto ao conceito de acto avulso – para efeitos do Título IV do CCJ -, pois, pese embora a dúvida que possa assistir à significação semântica da expressão, essa matéria está naturalmente subtraída à competência do Tribunal Constitucional.
Também não está posto em causa o direito de acesso aos autos para consulta, na sua dimensão processual, mas apenas uma sua específica vertente, relacionada com a não-gratuitidade de um acto processual praticado pelo arguido e por este tido como útil ou necessário à organização eficiente da sua defesa.
Assim, o parâmetro relevante da questão de constitucionalidade em apreço é, desde logo, constituído pela articulação do nº
1 do artigo 20º da CR – ao consagrar o acesso ao direito e aos tribunais sem discriminações derivadas de situação económica dos interessados – com a eficácia das garantias de defesa do arguido em processo penal, tal como asseguradas estão no nº 1 do artigo 32º do mesmo texto – merecendo o convocado enfoque da igualdade uma subsidiária apreciação.
2. - O texto constitucional não estabelece a gratuitidade dos serviços de administração da justiça em nenhum dos seus preceitos ou dos princípios dele emanentes.
Assim, não lhe é desconforme a exigência de uma contrapartida decorrente da prestação desses serviços, e assim, de resto, o tem entendido a jurisprudência deste Tribunal (assim, os acórdãos nºs. 307/90, publicado no Diário da República, II Série, de 4 de Março de 1991, e nº
214/2000, inédito).
No entanto, e tendo presente o disposto na parte final do nº 1 do artigo 20º da CR, constituiria ofensa ao direito fundamental do acesso à justiça uma onerosidade tal que, na prática, dificultasse o acesso aos tribunais e aos actos judiciais ou, então, a inexistência de uma mecânica de apoio aos economicamente mais carenciados. De outro modo, seria meramente teórico o direito à via judiciária, como se observou, inter alia, nos acórdãos nºs. 160/90 e 409/94, publicados naquele jornal oficial, II Série, de 11 de Setembro de 1990 e 5 de Setembro de 1994, respectivamente (cfr., a este respeito, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993, pág. 165).
A questão subjacente reside, por conseguinte, em apurar se a interpretação dada às normas impugnadas pelo acórdão recorrido – que é a meramente literal – se mostra contrária ao enquadramento constitucional assinalado.
A resposta é claramente negativa.
Com efeito, a exigência legal de pagamento das cópias em causa não ofende direitos, liberdades e garantias do arguido nem obstaculiza o exercício da sua defesa (poderá, quando muito, tornar menos 'cómodo' o acesso aos elementos pretendidos), uma vez que sempre o interessado sem meios económicos pode requerer o benefício de apoio judiciário específico e, desse modo, obter gratuitamente os elementos que necessita.
Não se coloca, sequer, um problema de proporcionalidade: sempre se poderia dizer que, assegurado o acesso irrestrito aos autos mediante consulta na secretaria ou noutro local onde estiver a ser realizada qualquer diligência, a eventual desproporção entre o custo das cópias e a capacidade económica de quem as pretende não faz sentido, pois o arguido tem sempre ao seu alcance, mediante o apoio judiciário, meio de superar a debilidade económica que porventura sofra. E, de qualquer modo, e decisivamente, não está questionada a constitucionalidade da norma do Código das Custas Judiciais enquanto fixa o montante do custo das fotocópias mas sim na medida em que não cria a gratuitidade do acesso aos autos para consulta e obtenção das certidões pretendidas.
A esta luz não é pertinente, também, invocar uma suposta violação do princípio da igualdade.
Esta seria representável no âmbito da necessidade de se criar igualdade de oportunidades no acesso à justiça, independentemente da situação económica dos intervenientes – o que ocorreria, por exemplo, se dependesse da situação económica do arguido a sua disponibilidade em aceder, livre e adequadamente, aos autos.
É, de resto, sentido do inciso constitucional o de garantir igualdade de oportunidades no acesso à justiça, sem relevar a situação económica do interessado. Como já a Comissão Constitucional observou, verificar-se-ia a violação desse normativo se e na medida em que na ordem jurídica portuguesa, tendo em vista o sistema jurídico-económico aí em vigor para o acesso aos tribunais, pudesse o cidadão, por falta de medidas legislativas adequadas, ver frustrado o seu direito à justiça, devido à insuficiência de meios económicos (cfr. parecer nº 8/78, in – Pareceres da Comissão Constitucional, 5º volume, pág. 11). Ou, então, se a lei estabelecesse um regime discriminatório, em que uma das partes fosse injustificadamente privilegiada ou prejudicada em relação à outra no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa ou na aplicação de cominações ou sanções processuais, como escreve Carlos Lopes do Rego (cfr. 'Acesso ao Direito e aos Tribunais', in Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Lisboa, 1993, pág. 69 e segs.).
Não sendo esse o caso, também não se surpreende vício de inconstitucionalidade na normação questionada, nesta perspectiva da igualdade. Não havendo, assim, lugar à invocação dos artigos 202º, nº 1, 203º ou 204º, todos da CR.
III
Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida, no que à matéria de constitucionalidade respeita.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 15 unidades de conta. Lisboa, 11 de Outubro de 2000 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Messias Bento Luís Nunes de Almeida