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Proc. nº 1010/98
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. No Tribunal do Trabalho de Lisboa, A. S., M. D. e M. C. intentaram contra o Estado Português acção declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, com processo sumário, pedindo, entre o mais, que fosse declarado nulo o despedimento das autoras das funções de auxiliares de acção educativa que desempenhavam na Escola C+S de Queijas. Alegaram que tinham sido admitidas para as referidas funções ao abrigo de contratos a termo certo de um ano, todos com início no mês de Setembro de 1992, contratos que o réu fez cessar, em Agosto de 1994, por declaração unilateral.
Tendo a acção sido julgada improcedente, foi pelas autoras interposto recurso de apelação.
Nas suas alegações, as autoras sustentaram que 'as normas dos artigos 9º, nº 2, do Decreto-Lei nº 184/89 e 14º, nº 3, 18º, nº 1, e 43º do Decreto-Lei nº 427/89, na interpretação feita pela sentença recorrida violam os princípios constitucionais da confiança, da igualdade e segurança no emprego consagrados nos artigos 2º, 13º e 53º da CRP'.
Por sua vez, nas contra-alegações, o Ministério Público, como representante do Estado, afirmou que 'conceber o obtenção de um emprego estável na Administração Pública através da conversão de um contrato de trabalho a termo num contrato de trabalho sem termo, nos termos da Lei Geral (DL 64-A/89, de 27 de Fevereiro), significa atribuir um conteúdo inconstitucional aos artºs 41º,
42º e 47º do DL 64-A/89, em conjugação com o disposto no artº 14º/3 do DL
427/89, na medida em que lhe permitiria invadir, sem autorização e controle da Assembleia da República, as Bases do âmbito e regime da Função Pública, que são reserva relativa de competência daquela Assembleia (artº 168º/1/v) da CRP)'
(conclusão 10ª, a fls. 136). Por acórdão de 14 de Outubro de 1998 (fls. 142 e seguintes), o Tribunal da Relação de Lisboa concedeu provimento ao recurso, declarando nulo o despedimento das autoras e condenando o Estado Português a pagar às autoras não só as retribuições que deixaram de auferir durante determinado período fixado na decisão, como também uma indemnização por antiguidade.
2. Deste acórdão foi interposto pelo Ministério Público recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº
28/82, para apreciação da:
'inconstitucionalidade do nº 3 do artº 14º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7-12, por violação do artº 47º da Constituição da República, quando interpretado [...] no sentido de que os contratos de trabalho a termo certo celebrados com o Estado, ou outras pessoas colectivas de direito público, são passíveis de conversão em contratos de trabalho sem termo'.
3. No Tribunal Constitucional, o Ministério Público concluiu assim as suas alegações:
'1º – A interpretação normativa do n.º 3 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 427/89, traduzida em considerar que a aplicação subsidiária da lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo aos contratos dessa natureza celebrados ou mantidos irregularmente pela Administração – e nulos, nos termos do artigo 291º do Código Civil – envolve a própria convertibilidade de tais relações laborais, necessariamente precárias e provisórias, em permanentes, de modo a facultar a reintegração, sem qualquer limite temporal, do trabalhador no seu «posto de trabalho» – admitindo-se, por esta via, a constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública por uma forma não constante da enumeração taxativa que, a título claramente imperativo, consta dos artigos 3º e 14º do citado diploma legal – viola o princípio constitucional do acesso igualitário e não discricionário à função pública e a regra do concurso (artigo 47º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa).
2º – Na verdade, tal interpretação, ao criar inovatoriamente e contra lei expressa, uma via «sucedânea» de acesso, a título tendencialmente perpétuo e definitivo, ao emprego na Administração Pública permitindo que pessoal irregularmente contratado, com base num processo de selecção precário e sumário, veja consolidada a relação de emprego, ao abrigo da «convertibilidade» de uma situação irregular em relação laboral permanente e duradoura propiciaria que, em verdadeira fraude à lei, os quadros de pessoal pudessem vir a ser providos, a título definitivo, sem qualquer precedência do concurso constitucional e legalmente exigido.
3º – Não constitui violação do princípio da igualdade, nem atenta contra o direito à segurança no emprego, a circunstância de estarem legalmente instituídos regimes específicos para os contratos de pessoal no âmbito da relação de emprego na Administração Pública, substancialmente diferenciados do regime geral vigente no direito laboral comum e adequados ao cumprimento das exigências formuladas pelo n.º 2 do artigo 47º da Lei Fundamental.
4º – Termos em que deverá julgar-se procedente o recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida.'
As recorridas também apresentaram alegações, que concluíram do seguinte modo:
'1ª– A interpretação do artigo 14º do Decreto-Lei nº 427/89 no sentido de que é permita a conversão do contrato de trabalho a termo certo em contrato de trabalho sem termo não ofende o princípio constitucional do acesso à função pública estabelecido pelo nº 2 do artigo 47º da Constituição da República Portuguesa.
2ª– Por consequência, não merece censura o acórdão recorrido que fez interpretação da citada norma conforme à Constituição da República. Nestes termos, deve negar-se provimento ao recurso e manter-se o acórdão recorrido. '
II
4. O presente recurso tem por objecto a apreciação da conformidade constitucional da norma constante do nº 3 do artigo 14º do Decreto-Lei nº
427/89, de 7 de Dezembro, interpretada no sentido de permitir a conversão dos contratos de trabalho a termo certo celebrados com o Estado em contratos de trabalho por tempo indeterminado.
É o seguinte o teor da norma impugnada:
'O contrato de trabalho a termo certo não confere a qualidade de agente administrativo e rege-se pela lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo, com as especialidades constantes do presente diploma.'
5. O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a norma que constitui o objecto do presente recurso.
No acórdão nº 683/99 (Diário da República, II, nº 28, de 3 de Fevereiro de 2000, p. 2351 ss), tirado em Plenário, este Tribunal, por maioria, julgou inconstitucional, por violação do artigo 47º, nº 2, da Constituição, a norma em causa, interpretada no sentido que lhe atribuiu o tribunal recorrido neste processo e que vem questionado pelo recorrente.
O Tribunal Constitucional decidiu então que:
'não só a Constituição da República não impõe – nem pela garantia da segurança do emprego, nem por força do princípio da igualdade – a aplicação aos contratos de trabalho a termo certo celebrados pelo Estado de um regime de conversão ope legis em contratos de trabalho por tempo indeterminado, como tal conversão, e a correspondente forma de acesso à função pública se revelariam violadoras da regra da igualdade nesse acesso e do princípio do concurso, consagrados no artigo 47º, nº 2, da Constituição'.
III
6. Em aplicação da jurisprudência firmada no acórdão nº 683/99, o Tribunal Constitucional decide:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 47º, nº 2, da Constituição, a norma constante do nº 3 do artigo 14º do Decreto-Lei nº
427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo;
b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso, determinando a reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente juízo de inconstitucionalidade.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 2000 Maria Helena Brito Artur Maurício Vítor Nunes de Almeida Luís Nunes de Almeida