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Proc. nº 766/98
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. No Tribunal do Trabalho de Lisboa, S. L. e M. A. intentaram contra o Estado Português acção declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, com processo sumário, pedindo, entre o mais, que fosse declarado nulo o despedimento das autoras das funções de escriturárias-dactilógrafas que desempenhavam na Escola Secundária Padre António Vieira (primeira autora) e na Escola Secundária Pedro Alexandrino (segunda autora). Alegaram que tinham sido admitidas para as referidas funções ao abrigo de contratos a termo certo, todos com início no mês de Setembro de 1987, contratos que o réu fez cessar, em Agosto de 1994, por declaração unilateral.
Tendo a acção sido julgada improcedente, foi pelas autoras interposto recurso de apelação.
Nas suas alegações, as autoras sustentaram que a interpretação dada na sentença recorrida às normas dos artigos 9º, nº 2, do Decreto-Lei nº 184/89,
14º, nº 3, e 43º nº 1 do Decreto-Lei nº 427/89, e 41º, nº 2, 44º e 47º do Decreto-Lei nº 64-A/89 viola os princípios constitucionais da confiança, da igualdade e segurança no emprego consagrados nos artigos 2º, 13º e 53º da CRP.
Por sua vez, nas contra-alegações, o Ministério Público, como representante do Estado, afirmou que 'conceber o obtenção de um emprego estável na Administração Pública através da conversão de um contrato de trabalho a termo num contrato de trabalho sem termo, nos termos da Lei Geral (DL 64-A/89, de 27 de Fevereiro), significa atribuir um conteúdo inconstitucional aos artºs 41º,
42º e 47º do DL 64-A/89, em conjugação com o disposto no artº 14º/3 do DL
427/89, na medida em que lhe permitiria invadir, sem autorização e controle da Assembleia da República, as Bases do âmbito e regime da Função Pública, que são reserva relativa de competência daquela Assembleia (artº 168º/1/v) da CRP)'
(conclusão 10ª, a fls. 185).
Por acórdão de 17 de Junho de 1998 (fls. 191 e seguintes), o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
2. S. L. e M. A. interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, para apreciação da inconstitucionalidade da interpretação dada às normas do artigo 7º, nº 2, do Decreto-Lei nº 184/89, dos artigos 14º, nºs 1 e 3, e 43º, nº 1, do Decreto-Lei nº 427/89, e dos artigos 41º, nº 2, 44º e 47º do Decreto-Lei nº 64-A/89, por violação dos artigos 2º, 13º e 53º da Constituição da República Portuguesa.
3. No Tribunal Constitucional, as recorrentes concluíram assim as suas alegações:
'1ª– O acórdão recorrido, com base nas normas dos artigos 14º nº 1, 15º, 18º e
43º nº 1 do Decreto-Lei nº 427/89, de 7.12, e do artigo 7º nº 2 do Decreto-Lei nº 184/89, de 2.6, decidiu que a Administração Pública não podia celebrar com as recorrentes contratos de trabalho a termo certo para satisfação de necessidades permanentes e que ao fazê-lo os contratos são nulos e ainda que existe impossibilidade legal de conversão do contrato de trabalho a termo certo em contrato de trabalho sem termo.
2ª– As citadas disposições, na interpretação e aplicação que delas fez o douto Acórdão recorrido, são inconstitucionais por ofensa ao que promana dos artigos
2º, 13º e 53º da Constituição da República.
3ª– Por consequência, devem julgar-se inconstitucionais as referidas normas na interpretação e aplicação delas feita pelo Acórdão recorrido quanto à impossibilidade de conversão do contrato de trabalho a termo certo das recorrentes em contratos de trabalho sem termo e quanto à nulidade dos mesmos contratos. Termos em que deve dar-se provimento ao recurso e ordenar-se a reforma do Acórdão recorrido. '
O Ministério Público formulou as seguintes conclusões:
'1º – A interpretação normativa dos artigos 14º, nºs 1 e 3 e 43º, nº 1, do Decreto-Lei nº 427/89, do artigo 7º, nº 2, do Decreto-Lei nº 184/89 e dos artigos 41º, nº 2, 44º e 47º do Decreto-Lei nº 64-A/89 traduzida em considerar que a aplicação subsidiária da lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo aos contratos dessa natureza celebrados ou mantidos irregularmente pela Administração – e nulos, nos termos do artigo 294º do Código Civil – envolve a própria convertibilidade de tais relações laborais, necessariamente precárias e provisórias, em permanentes, de modo a facultar a reintegração, sem qualquer limite temporal, do trabalhador no seu «posto de trabalho» – admitindo-se, por esta via, a constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública por uma forma não constante da enumeração taxativa que, a título claramente imperativo, consta dos artigos 3º e 14º do citado diploma legal – viola o princípio constitucional do acesso igualitário e não discricionário à função pública e a regra do concurso (artigo 47º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa).
2º – Na verdade, tal interpretação, ao criar inovatoriamente e contra lei expressa, uma via «sucedânea» de acesso, a título tendencialmente perpétuo e definitivo, ao emprego na Administração Pública permitindo que pessoal irregularmente contratado, com base num processo de selecção precário e sumário, veja consolidada a relação de emprego, ao abrigo da «convertibilidade» de uma situação irregular em relação laboral permanente e duradoura propiciaria que, em verdadeira fraude à lei, os quadros de pessoal pudessem vir a ser providos, a título definitivo, sem qualquer precedência do concurso constitucional e legalmente exigido.
3º – Não constitui violação do princípio da igualdade, nem atenta contra o direito à segurança no emprego, a circunstância de estarem legalmente instituídos regimes específicos para os contratos de pessoal no âmbito da relação de emprego na Administração Pública, substancialmente diferenciados do regime geral vigente no direito laboral comum e adequados ao cumprimento das exigências formuladas pelo n.º 2 do artigo 47º da Lei Fundamental.
4º – Termos em que deverá julgar-se improcedente o recurso, confirmando-se inteiramente a decisão recorrida.'
II
4. O presente recurso tem por objecto a apreciação da conformidade constitucional da interpretação normativa do artigo 7º, nº 2, do Decreto-Lei nº
184/89, de 2 de Junho, dos artigos 14º, nºs 1 e 3, e 43º, nº 1, do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, e dos artigos 41º, nº 2, 44º e 47º do Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, traduzida em não permitir a conversão dos contratos de trabalho a termo certo celebrados com o Estado em contratos de trabalho por tempo indeterminado.
5. O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a questão de constitucionalidade que constitui o objecto do presente recurso.
No acórdão nº 683/99 (Diário da República, II, nº 28, de 3 de Fevereiro de 2000, p. 2351 ss), tirado em Plenário, este Tribunal, por maioria, julgou inconstitucional, por violação do artigo 47º, nº 2, da Constituição, a norma constante do nº 3 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo.
O Tribunal Constitucional decidiu então que:
'não só a Constituição da República não impõe – nem pela garantia da segurança do emprego, nem por força do princípio da igualdade – a aplicação aos contratos de trabalho a termo certo celebrados pelo Estado de um regime de conversão ope legis em contratos de trabalho por tempo indeterminado, como tal conversão, e a correspondente forma de acesso à função pública se revelariam violadoras da regra da igualdade nesse acesso e do princípio do concurso, consagrados no artigo 47º, nº 2, da Constituição'.
III
6. Em aplicação da jurisprudência firmada no acórdão nº 683/99, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que se refere à questão de constitucionalidade. Custas pelas recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta, por cada uma.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 2000 Maria Helena Brito Artur Maurício Vítor Nunes de Almeida Luís Nunes de Almeida