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Processo n.º 298/12
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, A. reclamou, em 23 de março de 2012 (fls. 2 a 3), ao abrigo do n.º 4 do artigo 76º da Lei do Tribunal Constitucional, do despacho proferido pelo Relator junto da 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra, em 09 de março de 2012 (fls. 63), que rejeitou recurso de constitucionalidade por si interposto, em 27 de fevereiro de 2012 (fls. 58 a 61), com fundamento na falta de esgotamento dos recursos ordinários, por interpretação conjugada dos n.ºs 2 e 3 do artigo 70º da LTC.
2. A reclamação deduzida tem o seguinte teor:
«O Tribunal a quo entende que 'O Recurso para o Tribunal Constitucional não é admissível pois não foi indeferida qualquer reclamação, tendo em conta que não foi pedida, mas apenas e tão só uma aclaração.
Ora a arguida apresentou em 09.02.2012, junto do Tribunal da Relação de Coimbra a competente reclamação quanto à não admissão, dirigido ao Exmo. Senhor Juiz Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, estando a ser feita confusão com o pedido de aclaração efetuado por outro arguido.
Ora, nesta parte, a arguida alude aos art.s 29° e 32° da CRP, por entender que a não admissão do recurso em causa configura uma violação de tais artigos.
Por outro lado, é claro que a arguida/ recorrente não poderia arguir em momento anterior tal inconstitucionalidade - pela simples razão de não poder prever que a mesma se registaria em fase de Recurso!
É a interpretação que o Digno Supremo Tribunal de Justiça fez dos preceitos invocados (artigo art. 2°, n' 4 do Código Penal) que gera o vício da inconstitucionalidade que se invocou.
Se a recorrente não pudesse invocar as inconstitucionalidades resultantes da interpretação e aplicação das normas feitas pelos Tribunais Superiores (Relação ou Supremo Tribunal de Justiça) ficaria fora da alçada do Tribunal Constitucional uma grande parte da fiscalização concreta da constitucionalidade que cabe a esse alto tribunal.
Como é óbvio, também nesta particular questão a arguida/recorrente não podia pressupor, intuir, que o Tribunal da Relação de Coimbra, agiria como agiu, e interpretaria as normas do Código Penal e da própria Constituição como interpretou e aplicou.
É com a prolação da Decisão, e só nessa altura, que se tornam patentes os vícios e manifesta a interpretação inconstitucional dada às normas, afrontando de maneira gritante e inadmissível o Estado de Direito e processo Democrático, pondo em causa princípios que deviam estar mais do que consolidados na ordem jurídica portuguesa:
Assim sendo, a recorrente tem o Direito a ver apreciado o Recurso interposto para o Tribunal Constitucional no sentido de controlar a constitucionalidade:
a) Ora, entendemos salvo melhor opinião que a interpretação e aplicação do disposto no aludido art. 2°, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, ao não admitir o recurso em causa constitui uma violação dos artigos 29° e 32° da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidades essas invocadas previamente no seu recurso das Varas Mistas de Coimbra para o Tribunal da Relação de Coimbra.
É, pois, um vício que se regista somente na Decisão, que se pretende seja analisado à luz das normas da Constituição.
Desta forma, tem a recorrente o direito a ver apreciado o Recurso interposto para o Tribunal Constitucional.» (fls. 2 e 3)
3. Em sede de vista, o Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal pronunciou-se nos termos que ora se resumem:
«1. A Relação de Coimbra, por acórdão de 9 de novembro de 2011, negou provimento ao recurso interposto pela arguida do acórdão proferido em 1.ª instância, confirmando a sua condenação na pena de 6 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes.
2. Interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso não foi admitido.
3. Apresentou, então, a arguida, um requerimento em que sustentava as razões porque entendia que o recurso devia ser admitido (fls. 53 a 55).
4. O Senhor Desembargador Relator apreciou as razões invocadas, entendendo, no final, que, com aquele requerimento, a arguida tinha dado causa a incidente anómalo.
5. Desta decisão (“notificada do indeferimento da Reclamação”), a arguida interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, o qual não foi admitido porque a decisão recorrida não apreciara qualquer reclamação, antes indeferira um pedido de aclaração.
6. É desse despacho que vem apresentada a presente reclamação.
7. Efetivamente, quer na Relação, quer no Supremo Tribunal de Justiça, - como resulta do que vem afirmado na decisão reclamada –, não consideraram o requerimento de fls. 53 a 55, como uma reclamação de despacho de não admissão do recurso, ou seja, a prevista no artigo 405.º do CPP.
8. Assim sendo, a reclamante não esgotou os recursos ordinários que no caso cabiam, sendo certo que tais reclamações são, para este efeito, equiparadas a recursos (artigo 70.º, n.º 3, da LTC).
9. Faltando, pois, um requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tal seria suficiente para indeferir a reclamação.
10. Poderíamos ainda acrescentar que, nem no requerimento em causa – a suposta reclamação –, nem no requerimento de interposição do recurso, vem suscitada ou enunciada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
11. Efetivamente, nessas duas peças processuais e no que respeita à admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o que a reclamante sustenta é a aplicação do regime anterior (supomos que o anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto) porque, segundo ela, lhe era mais favorável.» (fls. 67 e 68).
4. Perante a invocação de novos fundamentos que obstariam ao conhecimento do objeto do presente recurso, a Relatora proferiu despacho, em 14 de maio de 2012 (fls. 70), ao abrigo dos artigos 703º, n.º 2, e 704º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis “ex vi” artigo 69º da LTC, e do artigo 75º-A, n.º 6, da LTC, para que a reclamante viesse, simultaneamente, pronunciar-se sobre os fundamentos aduzidos pelo Ministério Público e aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso, indicando qual a peça processual e a concreta passagem através da qual teria suscitado as questões de inconstitucionalidade normativa que pretende ver apreciadas.
No seguimento de notificação, a reclamante:
«(…) vem muito respeitosamente informar V. Exa.s que o preceito constitucional que no seu entender se mostra violado no douto acórdão em crise, é a norma constante do art. 32º da C.R.P..
Acresce que ao não aplicar o CPP anterior ao caso em apreço, por ser mais favorável para o arguido, em obediência ao disposto no art. 2º, nº 4 do CP, também se cometeu uma inconstitucionalidade.» (fls. 74)
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
5. Antes de mais, importa frisar que a reclamante não se pronunciou acerca das questões colocadas pelo despacho de convite ao aperfeiçoamento nem se pronunciou sobre os fundamentos de não conhecimento do objeto do recurso interposto aduzidos pelo Ministério Público. Portanto, não tendo indicado qual a peça processual (e respetiva passagem) através da qual teria suscitado as questões de inconstitucionalidade normativa que constituem objeto do recurso interposto – apesar de para tal expressamente convocada –, poder-se-ia, desde logo, julgar inadmissível o presente recurso, por preterição de formalidades legalmente exigíveis, com consequente privação do conhecimento do objeto do presente recurso.
6. Independentemente da ausência de outros pressupostos de admissibilidade, o recurso não pode ser alvo de conhecimento, quer porque o respetivo objeto não versa sobre uma questão de inconstitucionalidade normativa (artigo 79º-C da LTC), em sentido próprio, quer porque a ora reclamante nunca suscitou perante o tribunal recorrido tal inconstitucionalidade (artigo 72º, n.º 2, da LTC). Com efeito, se consultado o requerimento de interposição de recurso (fls. 58 a 61), constata-se que a reclamante se limitou a manifestar a sua discordância face à decisão do tribunal recorrido quanto à aplicação da lei penal no tempo, sem que, contudo, tivesse imputado qualquer inconstitucionalidade à interpretação então adotada. Aliás, a ausência de dimensão normativa, no plano da inconstitucionalidade, fica evidente no requerimento de resposta ao convite formulado pela Relatora. Nessa sede (fls. 74), a reclamante chega mesmo a afirmar que a decisão recorrida não aplicou o artigo 2º, n.º 4, do Código Penal (CP) – o que, na sua perspetiva, seria juridicamente devido. Ora, daqui resulta que a reclamante nunca considerou como inconstitucional a norma extraída do artigo 2º, n.º 4, do CP, antes tendo entendido que o comando naquele contido teria sido desrespeitado pela decisão recorrida.
Tal posição processual é, aliás, bem compatível com a total ausência de prévia e adequada suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, ao longo da sua intervenção nos autos recorridos. Com efeito, apesar de expressamente convidada para o efeito, a reclamante nem sequer logrou identificar qual a peça processual onde teria deduzido tal incidente processual. Não o fez – evidentemente – porque, analisadas as várias peças processuais se comprova, sem margem para dúvidas, que a reclamante nunca colocou o tribunal recorrido perante uma alegação de inconstitucionalidade de determinada norma ou interpretação normativa.
Em suma, entende-se confirmar a decisão reclamada.
III – Decisão
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 05 de junho de 2012. – Ana Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.