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Proc.º n.º 7/2000
1ª Secção Consº Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
I – RELATÓRIO
1. - P..., LDA deduziu oposição contra a execução fiscal que lhe foi instaurada pela Repartição de Finanças de Faro para restituição de uma quantia recebida no âmbito das comparticipações do Fundo Social Europeu.
A oposição deduzida foi julgada improcedente por sentença do Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Faro, que considerou que não se verifica a nulidade prevista no artigo 251º, alínea b) do Código de Processo Tributário, já que a certidão foi extraída pela entidade competente, estando a cobrança através de execução fiscal prevista nos Decretos- Leis n.º 158/90, de
17 de Maio e nº 246/91, de 6 de Julho.
Desta decisão foi interposto recurso jurisdicional para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), tendo a recorrente, nas conclusões que apresentou, reiterado a questão da inconstitucionalidade dos DL 158/90 e 246/91, por violação do artigo 106º, n.ºs 2 e 3, artigo 108º, n.ºs 1, 2 e 4, artigo
167º, alínea p) e 202º, alínea b), todos da Constituição da República Portuguesa.
O STA, por acórdão de 20 de Outubro de 1999, julgou improcedente o recurso, negando-lhe provimento e, quanto à questão de constitucionalidade disse o seguinte: 'Finalmente – cfr. conclusão c) – a inconstitucionalidade dos Decs.-Leis 158/90 e 246/91 vem reportada á incompetência dos Tribunais Tributários para a execução, mas também esta não constitui fundamento da oposição.[...] De qualquer modo, não consideram a dívida em causa como um imposto, limitando-se a permitir a respectiva cobrança por aqueles tribunais, em nada alterando a respectiva natureza.'.
2. - P..., LDA, notificada desta decisão veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional. Porém, como não referiu os elementos exigidos pelo artigo 75º A da Lei do Tribunal Constitucional, foi convidada a completar os elementos em falta, o que fez pela forma seguinte:
'Entende a recorrente que existe inconstitucionalidade dos Decs.- Leis 158/90 e
246/91 por violarem de forma flagrante os art.ºs 106º, n.ºs 2 e 3, 108º, n.ºs 1,
2 e 4, 167º, al. p) e artº 202º, al. b) todos da Constituição da República Portuguesa'
Neste Tribunal foi a recorrente de novo notificada para indicar as normas que pretende que o Tribunal aprecie, o que não fez durante o processo.
Em cumprimento do ordenado, a recorrente veio dizer o seguinte:
'3º. Pois tem vindo a ora recorrente a defender a tese da inconstitucionalidade por acção dos Dec.-Lei 158/90 e 246/91 por violação do artº 104º, nº2, artº
105º, artº 106º, todos da Constituição da República Portuguesa, porquanto
4º. Não está previsto na Lei Fundamental que 'as restituições de adiantamentos recebidos tenham a forma de um imposto, pois de acordo com o artº 104º, nº2 da C.R.P. a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.
5º. E no caso em apreço o Governo ao facultar ao D.A.F.S.E. através dos supra referidos Dec.-Lei 158/90 e 246/91 o acesso à cobrança das 'restituições de adiantamentos recebidos' através dos Tribunais Fiscais, vem equiparar tais receitas às de um imposto.
6º. Ora, se de um imposto se tratasse, de acordo com o artº 105º, nº1, alínea a) da Constituição da República, a mesma receita deveria ser discriminada nas receitas do Estado, e tal não sucede no caso 'sub judice'
7º. Assim sendo, se de um imposto se tratasse o mesmo teria de ser criado nos termos da Constituição, tendo de ser previsto no respectivo Orçamento de Estado e fiscalizada a sua cobrança pelo Tribunal de Contas e pela Assembleia da República Portuguesa, nos termos dos artigos 104º, 105º, 106º e 107º, todos da Constituição da República Portuguesa.'
Como decorre da transcrição feita, a recorrente continua a não identificar as normas que entende serem inconstitucionais, reportando tal inconstitucionalidade aos próprios diplomas.
Assim, dado que o Tribunal Constitucional apenas conhece da inconstitucionalidade de normas e não de diplomas legais ou de decisões judiciais, parece que não se devia conhecer do recurso assim interposto.
Porém, analisados os diplomas em questão, constata-se que a recorrente apenas podia questionar uma norma – a mesma norma – em ambos os diplomas, constituídos, o primeiro apenas por três artigos e o segundo apenas por dois artigos.
A norma em causa só podia ser o artigo 1º do Decreto-Lei nº 158/90, de 17 de Maio, no qual se prevê que a restituição de quantias recebidas no âmbito de comparticipações do Fundo Social Europeu e do Estado Português que não sejam efectuadas no prazo estipulado, será realizada através de execução fiscal, tendo-se limitado o artigo 1º do Decreto-Lei nº 246/91, de 6 de Julho, a dar nova redacção ao nº 2 daquele preceito e acrescentando um nº 3, como se verá adiante.
Face a este condicionalismo, entendeu-se que estava suficientemente definido o objecto do recurso, por forma a dele se poder conhecer, tendo-se determinado a produção das pertinentes alegações
Uma vez produzidas estas, a recorrente concluíu as que apresentou pela forma seguinte:
'Deverá ser efectuada pelo Tribunal Constitucional nos termos do artº 70º nº1 alínea b) da sua Lei Orgânica a fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade dos Decretos-Lei 158/90, de 17 de Maio e 246/91, de 6 de Julho, por violação do disposto nos artigos 104º, 106º, 107º, 212º, nº3, todos da Constituição da República Portuguesa.'
A Fazenda Pública não apresentou alegações.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTOS
3. – A questão que a recorrente suscita nos presentes autos é a da inconstitucionalidade da norma que atribui ao tribunais tributários competência para, através da execução fiscal, cobrarem as dívidas ao Fundo Social Europeu e ao Estado Português relativas à restituição de quantias recebidas e não devolvidas dentro do respectivo prazo pelas entidades obrigadas a tal restituição.
A tal respeito, invocou nas alegações para o STA a violação dos artigos 106º, 108º e 202º, da Constituição, formulando nesse contexto considerações semelhantes às que reeditou na resposta ao convite que, neste Tribunal, lhe foi feito e que estão atrás transcritas. Invoca ainda a violação do artigo 167º, alínea p), mas sem qualquer desenvolvimento. Porém, nas alegações para este Tribunal, e tendo a ver com este último preceito, alega que tais comparticipações não são impostos e, por isso, a sua cobrança através dos tribunais tributários e da execução fiscal só poderia ter lugar se fosse estabelecida por lei da Assembleia da República ou por diploma do Governo devidamente autorizado, o que não acontece no caso em apreço: daí a inconstitucionalidade da norma em causa.
Nestes termos, tratar-se-ia de inconstitucionalidade orgânica, mas a norma violada não poderia ser a norma da alínea p) do artigo
167º - como, certamente por lapso, vem referido pela recorrente -, e antes a norma do artigo 167º, alínea q), da Constituição, na Revisão de 1989.
Importa , antes de mais, ver o teor das normas questionadas.
O Decreto-Lei nº 158/90, de 17 de Maio estabelece:
'Artigo 1º
1 – Sempre que as entidades obrigadas à restituição de qualquer quantia recebida no âmbito das comparticipações do Fundo Social Europeu e do Estado Português não cumpram a sua obrigação no prazo estipulado, será a mesma realizada através de execução fiscal.
2 – O pedido de execução fiscal referido no número anterior, a promover pelo Ministério Público em representação do Estado Português, é instruído com os seguintes documentos, que servirão de título executivo para todos os efeitos legais: a. Cópia da notificação da decisão de aprovação do apoio financeiro em causa e da declaração da respectiva aceitação ou documento equivalente; b. Cópia das autorizações de pagamento emitidas pelo Departamento dos Assuntos do Fundo Social Europeu (DAFSE); c. Cópia do despacho do director-geral do DAFSE que determinou a restituição; d. Cópia da notificação à entidade do despacho referido na alínea anterior.' Pelo seu lado, o artigo 1º do Decreto-Lei nº246/91, de 6 de Julho, que deu nova redacção ao nº 2 do artigo 1º do diploma de 1990 e acrescentou um número 3 a esse preceito, dispõe como segue:
'1- .....................................
2 – A execução fiscal será promovida pelos serviços competentes de justiça fiscal com base em certidão do despacho do director-geral do Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu que determine a restituição e a sua notificação à entidade devedora.
3 – A representação do exequente nos Tribunais Tributários faz-se nos termos do disposto no artigo 42º do Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril.'
Importa ainda referir que os diplomas em questão contêm ainda uma outra norma (no Decreto-Lei nº 158/90 é o artigo 3º e no Decreto-Lei nº 246/91 é o artigo 2º) de teor idêntico e que estabelece que cada um dos diplomas 'se aplica às reposições pendentes à data da sua entrada em vigor'.
É esta norma – a do artigo 1º do Decreto-Lei nº 158/90, na redacção do Decreto-Lei nº 246/91, na medida em que manda efectuar a cobrança das restituições das verbas adiantadas pelo FSE e pelo Estado e não voluntariamente devolvidas através do processo de execução fiscal - que a recorrente considera que deve ser julgada inconstitucional quer por violação dos artigos 106º, nºs 2 e 3, 107º, nºs 1,2 e 4, quer por violação do artigo 167º, nº1, alínea q), todos da Constituição da República Portuguesa [versão de 1989 – hoje: artigos 103, nºs 2, 3, 104, 1,2 e 4,e 165º, nº1, alínea p)].
Vejamos a situação dos autos.
A recorrente solicitou apoio financeiro para promover um curso de formação tendo recebido um adiantamento financeiro que, por decisão posterior do Instituto do Emprego e Formação Profissional, lhe foi retirado, tendo-se ordenado a restituição das comparticipações adiantadamente recebidas, sem que a recorrente procedesse a essa restituição, pelo que foi instaurada a presente execução fiscal.
Trata-se, assim, da cobrança coerciva de uma dívida ao Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu relativa à restituição de adiantamento de financiamento indevidamente pago ou não justificado.
4. – O Fundo Social Europeu (FSE) foi criado pelo artigo
123º do Tratado de Roma para obviar á resolução dos problemas sociais derivados da integração no espaço comunitário, tendo-se orientado no sentido de a sua intervenção se alargar por forma a favorecer a estabilidade do emprego e ajudar
à criação de novos empregos, facilitando também a formação profissional com vista à obtenção de melhores possibilidades de emprego.
A actuação do FSE traduzia-se usualmente no fornecimento de meios financeiros aos países da Comunidade com vista á realização daquelas finalidades, assim potenciando a intervenção do próprio país.
A aplicação da reforma da vertente Fundo Social Europeu do Quadro Comunitário de Apoio iniciou-se em 1990, na sequência da aprovação do Regulamento (CEE) nº 4255/88 (in Jornal Oficial das Comunidades, de 19 de Dezembro de 1988), tendo por base o Despacho Normativo nº 68/91, de 25 de Março. Face às alterações introduzidas pelo Regulamento (CEE) nº 2084/93 (in Jornal Oficial das Comunidades, de 31 de Julho de 1993), foram efectuadas alterações e ajustamentos, sendo o resultado o Decreto Regulamentar nº 15/94, de 6 de Julho.
De acordo com este diploma, a soma da contribuição comunitária com a contribuição pública nacional designa-se por financiamento público das acções de apoio ao emprego e à formação profissional, no âmbito do Fundo Social Europeu, cabendo ao Ministro do Emprego e da Segurança Social a gestão de programas.
Nos termos do artigo 32º do Decreto Regulamentar 15/94, compete ao Departamento de Assuntos do FSE (DAFSE) notificar as entidades promotoras que formularam pedidos de financiamento da obrigação de restituírem os montantes indevidamente pagos ou não justificados.
Estas importâncias, quer provenientes do FSE quer do Orçamento do Estado, devem ser depositadas em conta bancária a favor do serviço e criada para o efeito, segundo o artigo 4º do Decreto-Lei nº 432/89, de 16 de Dezembro (diploma que permite aos serviços da administração central que movimentem verbas do FSE adquirirem autonomia administrativa parcial).
Conclui-se, assim, que as comparticipações financeiras do FSE devem ser voluntariamente restituídas em caso de não utilização ou de utilização para fins diferentes daqueles para que foram concedidas, devendo as entidades promotoras ser notificadas para o efeito, dispondo do prazo de 10 dias, após o qual passarão a vencer juros de mora à taxa estabelecida para as dívidas de impostos ao Estado (artigo 32º, nº 3, do Decreto Regulamentar nº
15/94).
De acordo com o direito comunitário, Portugal é subsidiariamente responsável perante a Comissão das Comunidades Europeias pelo reembolso das comparticipações pagas e não utilizadas ou indevidamente aplicadas conforme se reitera no preâmbulo do Decreto-Lei nº 158/90, de 17 de Maio, e se prevê no artigo 23º do Regulamento (CEE) nº 4253/88 (JO nº L374, de 31.12.88) e no artigo 11º do Regulamento (CEE) nº 1681/94 (JO nº L178, de 12.7.94)
5. - A natureza das verbas envolvidas – comparticipações conjuntas do FSE e do Orçamento do Estado nacional -, o facto de se tratar de reembolsos ou restituições conjuntas, em que se torna difícil separar a origem dos fundos, sendo porém certo que o Estado Português é o responsável pela devolução às autoridades comunitárias dos valores que o FSE adiantou, todos estes aspectos permitem concluir que o reembolso dos subsídios do FSE não pode deixar de ser equiparado aos créditos do Estado - se não mesmo havidos como créditos dos Estado -, para o efeito da sua cobrança através do processo de execução fiscal.
O Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu
(DAFSE) foi criado pelo Decreto-Lei nº 156-A/93, de 16 de Abril na dependência do Ministério do Emprego e da Segurança Social (antes, Ministério do Trabalho) e concebido para ser o interlocutor único e obrigatório de quem pretenda candidatar-se aos apoios do FSE. É um departamento da Administração Central do Estado, dotado de autonomia administrativa com gestão de receitas próprias. É com este departamento que se estabelece a relação jurídico-administrativa respeitante aos apoios do FSE.
É inegável que uma parte dos subsídios ou comparticipações cuja restituição ou reeembolso se procura obter corresponde a créditos do Estado Português. A outra parte, consiste na comparticipação da entidades comunitárias fornecida através do FSE.
Como o Estado Português sempre é responsável pelo seu reembolso perante a Comissão das Comunidades Europeias e o DAFSE é o interlocutor único e obrigatório dos organismos públicos e privados que se queiram candidatar aos apoios do FSE, competindo-lhe também o financiamento directo correspondente à formação prevista no programa quadro, é razoável que tais dívidas sejam equiparadas aos créditos do Estado.
De facto, existe uma analogia substancial ( se não mesmo
'identidade') entre os subsídios do FSE e as comparticipações saídas do Orçamento do Estado: realizam exactamente a mesma finalidade de apoiar o emprego e a formação profissional; o pagamento do financiamento é feito pelo DAFSE e o pedido de restituição dos montantes indevidamente pagos ou não justificados inicia-se com a notificação do DAFSE às entidades devedoras.
Por último, os créditos a recuperar através do DAFSE resultantes da não utilização ou aplicação indevida, independentemente da origem dos respectivos fundos (FSE ou Estado) gozam das garantias especiais identificadas no artigo 2º do Decreto-Lei n.º 158/90, de 17 de Maio.
Não pode, assim, deixar de se concluir que tais créditos, quando se não verifique a restituição voluntária ao DAFSE das verbas não utilizadas ou utilizadas para fins diferentes, são créditos do Estado derivados de reembolsos ou reposições que gozam das garantias dos créditos do Estado previstas no artigo 31º do Código de Processo Tributário (CPT), e cuja cobrança se insere no âmbito da execução fiscal.
E nem se diga que os reembolsos e reposições referidos na alínea b) do n.º1 do artigo 233º do Código de Processo Tributário (CPT) se reportam exclusivamente a contribuições, taxas ou impostos, não abrangendo as comparticipações do FSE, pois se é certo que a sua origem é comunitária quem responde pela sua devolução, no caso de incorrecta utilização acaba por ser o Estado Português que a legislação comunitária torna subsidiariamente responsável.
Acresce que ficou já atrás demonstrado que existe uma analogia substancial entre os créditos do FSE e os créditos do Estado que se destinam à realização da mesma finalidade, devendo, por isso, beneficiar do mesmo regime de cobrança. Tanto mais que os subsídios do FSE não são atribuídos directamente mas antes depositados em conta do DAFSE e depois pagos em participação conjunta com os subsídios do Estado Português, através de adiantamentos financeiros, cabendo posteriormente ao DAFSE a notificação para restituição ou reembolso relativamente aos financiamentos não utilizados ou indevidamente aplicados. O que significa que, no caso de se tratar do reembolso ou restituição de financiamentos, não pode já falar-se de subsídios do FSE ou do Estado mas tão somente de dinheiros do Estado a recuperar através do DAFSE, isto
é, de um departamento do Estado Português.
6. – No caso em apreço, o pedido de apoio financeiro foi formulado em 20 de Novembro de 1992 (ponto 1, dos factos), tendo sido determinada a restituição do primeiro adiantamento recebido em 13 de Junho de
1994, por decisão do Instituto do Emprego e Formação Profissional (ponto 2, dos mesmos factos), sendo a certidão para execução passada em 20 de Março de 1996, pelo DAFSE.
Assim, a questão da competência do Tribunal Tributário para conhecer da execução tem de avaliar-se à face da redacção dada ao artigo 1º do diploma de 1990, pelo Decreto-Lei nº 246/91, de 6 de Julho e do Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril.
Isto, no que se refere à questão da inconstitucionalidade orgânica do artigo 1º, do Decreto-Lei n.º 158/90, de 17 de Maio, na redacção do Decreto-Lei n.º 246/91, de 6 de Julho, por eventual violação do artigo 167º,nº1, alínea q), da Constituição (versão de 1989).
É que, entretanto e por outro lado, a questão da inconstitucionalidade da norma questionada, com referência aos demais preceitos da Constituição invocados pela recorrente, não pode obter deferimento. Segundo a recorrente, o facto de se poder recorrer à execução fiscal para cobrança das quantias em divida por restituições ou reembolsos das comparticipações às acções financiadas conjuntamente pelo FSE e pelo Estado Português, transforma estas quantias em impostos, os quais só poderiam ser criados por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei autorizado.
É, porém, manifesto que o facto de certos créditos do Estado poderem ser cobrados através do processo mais expedito da execução fiscal não os converte em impostos, nem sequer torna necessário que os mesmos sejam tratados como impostos. De facto, o próprio CPT prevê que determinadas dívidas ao Estado possam ser cobradas coercivamente através do processo de execução fiscal: desde logo, os reembolsos e reposições, (alínea b), do nº1, do artigo
233º); depois, as dívidas ao Estado, de qualquer natureza, cuja obrigação de pagamento tenha sido reconhecida por despacho ministerial (alínea a), do nº2) e, finalmente, as dívidas equiparadas por lei aos créditos do Estado (alínea b), do nº2).
Esta equiparação, para efeitos de cobrança, destas dívidas aos créditos fiscais do Estado não as converte em impostos para o efeito respeito do princípio da legalidade ou das garantias dos contribuintes, uma vez que os créditos em causa resultam de subsídios ou comparticipações do Estado ou atribuídas através do Estado e que não foram utilizadas ou foram indevidamente utilizadas e que por isso têm de ser devolvidas.
Não pode, por isso, afirmar-se que exista qualquer violação do artigo 106, nºs 2 e 3 e 107º, nºs 2, 3 e 4, nem dos artigos 108º, nºs 1 e 2 e 202º, alínea b), todos da Constituição (revisão de 1989), normas que, neste contexto, a recorrente invocou em diferentes ocasiões e que dizem respeito a impostos em geral ou a certos e determinados impostos e execução do Orçamento.
7. - Vejamos então, agora, a questão da inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei nº 158/90, na redacção do Decreto-Lei nº 246/91, de 6 de Julho, por violação do artigo 167º, nº1, alínea q), da Constituição.
Segundo a recorrente, a inconstitucionalidade do diploma resulta da violação da reserva de lei da Assembleia da República, na medida em que se determina no artigo 1º que a cobrança dos créditos relativos às restituições de subsídios do FSE ou do Estado para acções de formação não utilizados ou indevidamente utilizados seja realizada através do processo de execução fiscal, ou seja, por diploma emanado só do Governo, sem qualquer autorização legislativa para o efeito, estaria a alargar-se a competência executiva dos tribunais fiscais.
Se, na realidade, a norma questionada vier introduzir uma alteração (alargamento) na competência dos tribunais fiscais, permitindo que se dilate o âmbito da acção executiva fiscal sem que tal modificação conste de lei da Assembleia da República ou de diploma do Governo que tenha sido emanado no âmbito de uma autorização legislativa é manifesto que existe violação da reserva de lei da Assembleia, pois só a esta cabe legislar acerca da organização e competência dos tribunais. O Governo teria, assim, legislado em matéria reservada ao Parlamento, através de diploma emitido exclusivamente no uso da sua competência própria.
Importa, portanto, analisar qual era, no momento da publicação da norma aplicada a competência em matéria de processo de execução fiscal dos Tribunais Tributários.
Nos termos do que se dispõe no artigo 62º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril
– ETAF) 'compete aos tribunais tributários de 1ª instância conhecer': a. ..................................................; b. ..................................................; c. Da cobrança coerciva de dívidas a pessoas de direito público, nos casos previstos na lei, (...); g. Das demais matérias que lhes forem confiadas por lei:' Por outro lado, estabelece o artigo 31º do Código de Processo Tributário que
'constituem garantias dos créditos do Estado, além de outras previstas na lei, a sua cobrança coerciva mediante processo de execução fiscal e o direito de reclamação de créditos fiscais em processos de execução que não sigam os termos da execução fiscal'.
Importa agora determinar quais os créditos do Estado que podem ser cobrados através do processo de execução fiscal.
Nos termos do artigo 233º do CPT, o âmbito da execução fiscal é o seguinte:
'1. O processo de execução fiscal abrange a cobrança coerciva das seguintes dívidas: a. Contribuições, impostos e taxas, incluindo os adicionais cumulativamente cobrados, juros e outros encargos legais; b. Reembolsos e reposições; c. Coimas e outras sanções pecuniárias fixadas em decisões, sentenças ou acórdão relativos a contra-ordenações fiscais, salvo quando aplicadas pelos tribunais comuns.
2. Serão igualmente cobradas mediante processo de execução fiscal: a. Outras dívidas ao Estado, de qualquer natureza, cuja obrigação de pagamento tenha sido reconhecida por despacho ministerial; b. Outras dívidas equiparadas por lei aos créditos do Estado; c. Receitas parafiscais.' Assim, de acordo com toda esta legislação, a competência dos tribunais fiscais para, através da acção executiva, cobrarem dívidas ao Estado abrange, para além das resultantes de contribuições, impostos e taxas, coimas e outras sanções pecuniárias decorrentes de contra-ordenações fiscais, os reembolsos e reposições e ao lado destes, podem também ser cobradas através do processo de execução fiscal, outras dívidas ao Estado, de qualquer natureza, desde que a obrigação de pagamento esteja reconhecida por despacho ministerial, e ainda, as dívidas que, por lei, são equiparadas aos créditos do Estado e ainda a cobrança de dívidas a pessoas de direito público, nos casos previstos na lei.
No caso em apreço torna-se relevante salientar que, aprovado o financiamento público de uma acção de formação (que corresponde á soma da contribuição comunitária com a contribuição pública) e realizados os adiantamentos previstos, quando se detecta a existência de montantes indevidamente pagos ou não justificados cabe ao DAFSE notificar as entidades promotoras para procederem á restituição desses montantes.
Trata-se portanto de reembolsos de dinheiros do Estado
(caso da comparticipação vir do Orçamento) ou de dinheiros vindos do FSE, cujo pagamento é feito por intermédio do Estado e por cujo reembolso o Estado é, em certos termos, responsável, como resulta das disposições citadas dos Regulamentos (CEE) nºs 1681/94 e 4253/88.
Assim, a norma do diploma que determina que estas restituições devem se cobradas através do processo de execução fiscal no caso de não cumprimento da restituição voluntária não vem alargar ou sequer modificar a competência já estabelecida no Código de Processo Tributário. Com efeito, o CPT de 1991 inclui no âmbito do processo de execução os reembolsos e reposições de créditos do Estado, o que aliás também já constava do Código das Contribuições e Impostos, que foi por aquele revogado (artigo 144º).
Não existe assim qualquer violação da reserva de lei da Assembleia da República uma vez que não há nenhuma invasão do poder legiferante do Parlamento quando o Governo legisla respeitando os limites já definidos da competência dos serviços de justiça fiscal, designadamente, do âmbito do processo de execução fiscal.
Assim, tem o presente recurso de ser julgado improcedente, com confirmação da decisão recorrida. III – DECISÃO:
Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide julgar não inconstitucional a norma do artigo 1º do Decreto-Lei nº 158/90, de 17 de Maio, na redacção do Decreto–Lei nº 246/91, de 6 de Julho e, em consequência, negar provimento ao presente recurso, confirmando a decisão recorrida.
Lisboa, 2000-10-24 Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Maria Helena Brito José Manuel Cardoso da Costa