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Processo n.º 271/12
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e B., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30 de novembro de 2011.
2. Pela Decisão Sumária n.º 233/2012, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente. Requisito que não se pode dar por verificado nos presentes autos quanto às normas indicadas no requerimento de interposição de recurso, o que obsta ao conhecimento do seu objeto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).
1. O recorrente pretende a apreciação da norma do artigo 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), b) e c) tem como efeito o não conhecimento da impugnação da decisão em matéria de facto sem que ao recorrente seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência.
Todavia, o tribunal recorrido não aplicou tal norma como ratio decidendi. O Tribunal da Relação de Lisboa interpretou e aplicou aquele preceito, no sentido de que não é facultada a oportunidade de suprir a falta de indicação de qualquer das menções contidas naquelas alíneas, nas conclusões da motivação, quando esteja também ausente na própria motivação. Caso que será de insuficiência do recurso e não apenas de insuficiência das conclusões. Verificando que aquelas menções, não se encontravam sequer feitas na motivação, além de não integrarem as conclusões, não proferiu convite ao aperfeiçoamento.
2. O recorrente pretende também a apreciação da norma do artigo 412.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido que a falta de formulação de conclusão por parte do recorrente, sobre matéria invocada na motivação do recurso, não impõe ao tribunal ad quem a pronúncia sobre a matéria, sem que este tenha convidado o recorrente a aperfeiçoar as conclusões do recurso.
O tribunal recorrido também não aplicou esta norma como ratio decidendi. O Tribunal da Relação de Lisboa interpretou e aplicou aquele preceito, no sentido de que, não obstante haver insuficiências ao nível das conclusões, tal não obsta à pronúncia sobre a matéria invocada na motivação do recurso. E por isso concluiu que “o que o tribunal ‘a quo’ fez, em sede de fundamentação da sua convicção, se não mostra violador do previsto no artº 163 do C. P. Penal”».
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, invocando os seguintes argumentos:
«FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO SUMÁRIA
1. Foi o recorrente notificado da decisão sumária proferida em sede de recurso, que ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A n.º1 da LCT, decidiu não tomar conhecimento do objeto do presente recurso, fundamentando a sua decisão, em relação às questões de inconstitucionalidade suscitadas, que o tribunal recorrido não aplicou tais normas como ratio decidendi.
2. Ora, salvo o devido respeito, não se compreende tal fundamentação, desconhecendo-se o alcance do que significa não aplicar tais normas como “razão da decisão”.
Esclarecendo, dir-se-á o seguinte:
Quanto à primeira questão de inconstitucionalidade suscitada sobre a apreciação da norma do artigo 412.º, n.º3 do Código de Processo Penal, interpretada no sentido que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), b) e c) tem como efeito o não conhecimento da impugnação da decisão da matéria de facto sem que ao recorrente seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência, a norma foi aplicada no sentido de não se tomar conhecimento do recurso por se considerar estar perante uma insuficiência de recurso e não apenas perante uma insuficiência de conclusões. Apesar do Tribunal da Relação de Lisboa ter proferido uma “não decisão” sobre esta matéria, o que se constata é que ao interpretar dessa forma a norma que convidaria o recorrente a aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso e a sua motivação, acaba por diminuir e mesmo negar os direitos de defesa do Arguido constitucionalmente consagrados, ou seja, negando-se o aperfeiçoamento, nega-se o direito.
3. No entanto, e apesar do que atrás se referiu, considera a defesa que não existia qualquer insuficiência de recurso, pois conforme se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º3/2012 de 18-04-2012 “ Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com a reapreciação da prova gravada, basta para efeitos do disposto no artigo 412º n.º3 alínea b) do Código de Processo Penal, a referência às concretas passagens / excertos das declarações, que no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa do assumida, desde que transcrita.”
4. Neste sentido, devia o Tribunal da Relação de Lisboa ter conhecido da impugnação da decisão da matéria de facto, violando desta forma as disposições legais e constitucionais, não se entendendo como é que a aplicação da norma desta forma, não configura ratio decidendi…
5. Quanto à segunda questão de inconstitucionalidade suscitada e que se prendia com a apreciação da norma do artigo 412º n.º2, alínea a) do Código de Processo Penal, interpretada no sentido que a falta de formulação de conclusões por parte do recorrente, sobre matéria invocada na motivação de recurso, não impõe ao tribunal ad quem a pronúncia sobre a matéria, sem que este tenha convidado o recorrente a aperfeiçoar as conclusões de recurso, a decisão sumária fundamenta da mesma forma o seu não conhecimento: o tribunal recorrido não aplicou esta norma como ratio dedidendi.
6. Questão que se coloca ao recorrente: mas decidiu bem ou mal, o Tribunal da Relação de Lisboa? Pois as decisões judiciais tem que ser percetíveis não só para os intervenientes judiciais mas, e principalmente, para os visados pelas decisões, neste caso, o Arguido.
7. Ou seja, o que se constata no Acórdão da Relação de Lisboa é que não conheceu do recurso da matéria de facto, porque considerou existir insuficiência do recurso, não convidando ao aperfeiçoamento, pois não se trataria de mera insuficiência das conclusões de recurso.
8. No entanto, face à questão suscitada da violação do princípio da concentração e da imediação da prova por parte do tribunal de 1.ª instância, e que foi abordada em sede de motivação, embora não constasse nas conclusões de recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa não convidou ao aperfeiçoamento das conclusões, contrariando assim, o argumento utilizado na anterior questão.
9. Na motivação de recurso apresentada pelo recorrente e dirigida aos Venerandos Desembargadores, foi a determinado momento suscitada a violação do Princípio da Concentração previsto no artigo 328.º n.6 e indiretamente a violação do Princípio da Imediação da Prova.
(…)
17. Ora, quanto a esta matéria e face à invocada violação do disposto no art.328º n.º6 por parte do tribunal de 1.º instância, o acórdão da Relação de Lisboa não se pronunciou, nem convidou ao aperfeiçoamento das respetivas conclusões de recurso.
18. Assim, e porque se considera que as duas normas cuja interpretação seguida pelo Tribunal da Relação de Lisboa se afigura inconstitucional e ainda, porque a decisão sumária proferida carece de fundamentação atendível, deve a conferência julga-la nula, convidando o recorrente e ora reclamante a apresentar as suas alegações
19. NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V.EXAS DEVE A DOUTA DECISÃO DO TRIBUNAL A QUO SER ANULADA, POR FALTA DE FUDAMENTAÇÃO E POR VIOLAÇÂO DO DISPOSTO NOARTIGO 32º DA CRP».
4. Notificados os recorridos, apenas o Ministério Público respondeu, o que fez nos seguintes termos:
«1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 233/2012, não se conheceu do objeto do recurso em relação às duas questões de inconstitucionalidade que o recorrente identificava no requerimento de interposição do recurso, porque a decisão recorrida não aplicara, como ratio decidendi, as normas indicadas.
2º
Parece-nos evidente a inverificação daquele requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
3º
A decisão recorrida – o Acórdão da Relação de Lisboa – no recurso interposto pelo recorrente conheceu de direito e de facto embora, neste último caso, não com a amplitude por aquele desejada.
4º
Efetivamente, a Relação não conheceu “de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, fundada na prova gravada, por não se mostrar verificado o pressuposto exigido pela alínea b) do artigo 431.º do CPP, face ao incumprimento do preceituado no artigo 412.º, n.º 3, do mesmo diploma legal”.
5º
O incumprimento, por parte do recorrente, daquele ónus, verifica-se nas conclusões e na motivação.
6º
Dizendo-se expressamente no acórdão, após se demonstrar que, no caso, não se revelava difícil o seu cumprimento:
“Tal não se mostra feito, nem sequer em sede de motivação, o que inviabiliza a prolação do despacho de aperfeiçoamento, tendo em atenção a jurisprudência do Tribunal Constitucional (…)”.
7º
Ora o que o recorrente questiona, são interpretações segundo as quais sendo as conclusões deficientes, aos recorrentes não tem que ser dada oportunidade de suprir essa deficiência.
8º
Algo, portanto, de diferente do que foi o entendimento acolhido pela Relação.
9º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Das disposições conjugadas dos artigos 666.º, 668.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil e 69.º da LTC decorre que é lícito ao juiz suprir nulidades já depois de proferida a decisão.
Muito embora pretenda arguir a nulidade da decisão sumária, por falta de fundamentação da mesma, o recorrente acaba por se limitar a discordar do já decidido por este Tribunal e por discordar também do decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, trazendo até para esta reclamação questões estranhas ao recurso de constitucionalidade que pretendia interpor. É disto significativo tudo quanto aduz nos pontos 8. a 17.
2. Na decisão que é objeto da presente reclamação, concluiu-se que o tribunal recorrido não havia aplicado, como razão de decidir, a norma do artigo 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), b) e c) tem como efeito o não conhecimento da impugnação da decisão em matéria de facto sem que ao recorrente seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência. O que de facto sucedeu, uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa interpretou e aplicou aquele preceito, no sentido de que não é facultada a oportunidade de suprir a falta de indicação de qualquer das menções contidas naquelas alíneas, nas conclusões da motivação, quando esteja também ausente na própria motivação.
Bem como não aplicou a norma do artigo 412.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido que a falta de formulação de conclusão por parte do recorrente, sobre matéria invocada na motivação do recurso, não impõe ao tribunal ad quem a pronúncia sobre a matéria, sem que este tenha convidado o recorrente a aperfeiçoar as conclusões do recurso. Pelo contrário, interpretou e aplicou aquele preceito, no sentido de que, não obstante haver insuficiências ao nível das conclusões, tal não obsta à pronúncia sobre a matéria invocada na motivação do recurso.
Concluiu-se, por isso, que não pode dar-se por verificado um dos requisitos do recurso de constitucionalidade interposto (artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC) – a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja apreciação foi requerida pelo recorrente. O reclamante parece desconhecer que esta exigência resulta do caráter instrumental do recurso de constitucionalidade interposto, o qual pressupõe que a decisão da questão de constitucionalidade se possa refletir utilmente no processo (cf., entre muitos outros, Acórdão n.º 497/99, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Bem como parece desconhecer também que ao Tribunal Constitucional “compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional” (artigo 221.º da Constituição da República Portuguesa), o que o afasta de uma qualquer configuração como tribunal de última instância com competência para conhecer recursos de revista. Só este desconhecimento explica que sustente perante este Tribunal que, contrariamente ao decidido pelo tribunal recorrido, “não existia qualquer insuficiência de recurso”.
Finalmente, parece desconhecer ainda que ao Tribunal Constitucional não cabe, face ao disposto na Constituição e na lei (artigos 280.º, n.º 1, alínea b), e 70.º, n.º 1, alínea b), respetivamente), apreciar se os tribunais decidiram bem ou mal nem tão pouco da conformidade legal e constitucional das decisões judiciais.
Importa, pois, confirmar a decisão que é objeto de reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 5 de julho de 2012.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.