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Processo n.º 464/2012
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Pela decisão sumária n.º 341/2012, decidiu o relator não conhecer do recurso interposto pelo arguido A., ora reclamante, com fundamento no caráter não normativo do seu objeto e na ilegitimidade do recorrente decorrente da inobservância do ónus de prévia suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
O recorrente, inconformado, reclamou da decisão sumária para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), invocando, em síntese, ter observado o ónus de prévia suscitação, quanto às questões de inconstitucionalidade que pretende ver apreciadas no presente recurso, e indicado, no respetivo requerimento de interposição, em cumprimento do disposto no artigo 75.º-A da referida lei, além do mais legalmente exigido, quais as normas que reputa violadoras da Constituição, sendo que entendimento contrário, como o adotado pelo relator, impunha o cumprimento do n.º 5 do citado preceito legal, o que não foi feito, constituindo tal omissão nulidade que, a confirmar-se a irregularidade formal do requerimento, nessa parte, deve ser suprida, mediante o competente convite ao aperfeiçoamento.
O Ministério Público é de parecer que a reclamação deve ser indeferida, por não verificação dos pressupostos processuais que o relator julgou omissos.
2. Cumpre apreciar e decidir.
Sustenta o reclamante, de essencial, que as questões de inconstitucionalidade que enunciou no requerimento de interposição do presente recurso e, bem assim, aquelas que suscitou perante o tribunal recorrido, assumem caráter normativo, sendo que, a entender-se que não indicou, no referido requerimento, quais as normas cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciadas, deveria ter sido convidado a fazê-lo.
Não tem, contudo, razão.
Analisado o teor do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, verifica-se, como sumariamente sustentado, que o que ora reclamante reputou inconstitucional foi a própria decisão judicial recorrida, nos vários aspetos por ela apreciados e julgados, e não qualquer critério normativo de decisão, tendo, pois, integrado no objeto do recurso matéria que, por não normativa, não pode ser reapreciada pelo Tribunal Constitucional.
Com efeito, ao enunciar, no referido requerimento, quais as razões por que entende ter sido violada a Constituição, evidenciou claramente ter imputado tal violação ao modo como o Tribunal recorrido decidiu o caso concreto, confirmando juízos de facto, antes formulados pelas instâncias, que o recorrente considera inquinados por diversos vícios de inconstitucionalidade, sendo precisamente esse o objeto do recurso.
Considerou, pois, o recorrente, nessa linha de abordagem, que:
- «(…) a alteração não substancial dos factos constantes da acusação, levada a cabo pelo tribunal de primeira instância, alteração essa que jamais foi comunicada ao arguido, (…) determina a inconstitucionalidade [do acórdão recorrido] por violação das garantias de defesa do arguido plasmadas no artigo 32.º n.º 1 da CRP e dos princípios do acusatório e do contraditório previstos no artigo 32.º, nºs. 5 e 6, da CRP;
- «(…) o Acórdão de 1ª instância, confirmado nessa parte pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, ao valorar o depoimento prestado em sede de julgamento (sem a prévia autorização do Presidente do Conselho Distrital respetivo) pela testemunha Dra. Maria Paula da Graça Cardoso, (…) em violação do segredo profissional, violou o artigo 32.º n.º 8 da CRP (…);
- (…) na valoração que fez da prova pericial realizada o tribunal de 1ª instância violou o art.º 32.º n.º 2 da CRP;
- (…) sendo entendimento pacífico na jurisprudência que não pode condenar-se um arguido com base em simples presunções, que não são meios de prova, mas simples meios lógicos ou mentais, o tribunal de 1ª instância não podia presumir e concluir para dar factos como provados, (…) já que as presunções de culpa têm de haver-se como banidas em processo penal, face ao disposto no art. 32.º, n.º 2, da CRP, [pelo que] ao fazê-lo violou o princípio in dubio pro reo e da presunção de inocência do arguido, plasmados no referido artigo 32.º, n.º 2, da CRP».
Não se trata, pois, de um vício formal do requerimento, por não indicação das normas cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciadas, mas, diferentemente, da não verificação de um pressuposto processual básico do recurso de constitucionalidade, consubstanciado no caráter normativo do seu objeto, pois que o que foi indicado, como matéria a apreciar pelo Tribunal Constitucional, é o que se decidiu no caso concreto, e não qualquer padrão normativo de solução que tenha presidido a um tal julgamento.
Por isso que, não se tratando de um vício formal do requerimento, por não indicação das normas cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciadas, mas da omissão de um pressuposto processual, por se ter indicado, como objeto do recurso, matéria que, por não normativa, não pode ser apreciada pelo Tribunal Constitucional (artigo 70.º, n.º 1, da LTC), não era de cumprir, como não foi, o disposto nos nºs. 5 e 6 do artigo 75.º-A da LTC, não se verificando, pois, a correspondente nulidade, ora arguida pelo reclamante.
Por outro lado, ainda que o recorrente tenha suscitado perante o Tribunal recorrido, como alega ter feito, as precisas questões de inconstitucionalidade que ora pretende ver apreciadas, a verdade é que também então imputou a violação da Lei Fundamental à decisão judicial recorrida, nos mesmos aspetos ora sindicados, pelo que, não tendo suscitado, como bem se sublinha na decisão sumária reclamada e se comprova pela análise da motivação do recurso interposto perante o Tribunal recorrido, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, carece de legitimidade para interpor o presente recurso de constitucionalidade (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC).
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 9 de Agosto de 2012. – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Rui Manuel Moura Ramos