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Processo n.º 183/2000 Conselheiro Messias Bento
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional: I. Relatório:
1. O PROCURADOR-GERAL ADJUNTO em funções neste Tribunal vem pedir que, ao abrigo dos artigos 281º, n.º 3, da Constituição e 82º da Lei do Tribunal Constitucional, se aprecie e declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante dos artigos 412º, n.º 1, e 420º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de a falta de concisão das conclusões da motivação determinar a imediata rejeição do recurso, sem que previamente seja feito convite ao recorrente para suprir tal deficiência.
Fundamenta o pedido, dizendo que a norma em causa já foi julgada inconstitucional por este Tribunal (recte, pela sua 1ª Secção) - por violação do artigo 32º, n.º 1, da Constituição - nos acórdãos nºs 43/99, 417/99 e 43/2000.
O PRIMEIRO-MINISTRO, notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 54º e 55º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, ofereceu o merecimento dos autos.
2. Apresentado o memorando, que concluía no sentido de o Tribunal dever declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que constitui objecto do pedido, foi o mesmo votado favoravelmente, depois de submetido a debate. De seguida, foi o processo distribuído para relato da posição fixada pelo Tribunal.
3. Cumpre, agora, proceder a esse relato e decidir.
II. Fundamentos:
4. A norma sub iudicio: A norma, que constitui objecto do pedido, é a que se extrai - recorda-se - dos artigos 412º, n.º 1, e 420º, n.º 1, do Código de Processo Penal (na redacção anterior à Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto), interpretados no sentido de que a falta de concisão das conclusões da motivação determina a imediata rejeição do recurso, sem que, previamente, seja feito convite ao recorrente para suprir tal deficiência.
Tais normativos, na referida redacção (a anterior à Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto), dispunham como segue: Artigo 412º (Motivação do recurso)
1. A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. Artigo 420º (Rejeição do recurso)
1. O recurso é rejeitado sempre que faltar a motivação ou for manifesta a improcedência daquele.
5. A questão de constitucionalidade:
5.1. A norma aqui sub iudicio já foi, como se disse, julgada inconstitucional pelos acórdãos nºs 43/99, 417/99 e 43/2000 (os dois primeiros, publicados no Diário da República, II série, de 26 de Março de 1999 e de 13 de Março de 2000, respectivamente; e o último, por publicar). Entendeu-se nesses arestos que tal norma (ou seja: a norma que se extrai dos referidos artigos 412º, n.º 1, e 420º, n.º 1, interpretados no sentido de que a falta de concisão das conclusões da motivação determina a imediata rejeição do recurso, sem que, previamente, seja feito convite ao recorrente para suprir tal deficiência), viola o princípio das garantias de defesa.
5.2. Vejamos, então.
O processo penal deve ser um processo eficaz, capaz de permitir ao Estado a punição dos criminosos. Mas deve ser também um processo justo, por forma a oferecer aos cidadãos garantias efectivas de defesa contra eventuais acusações injustas.
É, na verdade, preferível deixar de punir um criminoso do que correr o risco de punir um inocente. Por isso, dispõe o n.º 1 do artigo 32º da Constituição que 'o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso'.
Pois bem: como prescreve o artigo 412º, n.º 1, transcrito atrás, o recorrente, na motivação do recurso, deve expor os fundamentos do mesmo; e, a terminar, deve formular conclusões, nas quais resuma as razões do seu pedido. É dizer que, ao formular as conclusões, deve fazê-lo com concisão. Simplesmente - sublinhou-se no acórdão n.º 193/97 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 36º, página 395), observação que o citado acórdão n.º 43/99 repetiu -, 'a concisão das conclusões, enquanto valor, não pode deixar de ser compreendida como uma forma de estruturação lógica do procedimento na fase de recurso, e não como um entrave burocrático à realização da justiça. Assim há que compreender o entendimento das conclusões, seguindo a definição de ALBERTO DOS REIS, como ‘as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação’ (Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, Coimbra, 1981, página 359)'.
Por isso - observou-se no citado acórdão n.º 417/99 -, 'uma interpretação normativa dos preceitos respeitantes à motivação do recurso em processo penal e
às respectivas conclusões (artigos 412º e 420º do Código de Processo Penal) que faça derivar da prolixidade ou da falta de concisão das conclusões um efeito cominatório, irremediavelmente preclusivo do recurso, sem dar ao recorrente a oportunidade de suprir a deficiência detectada, constitui uma limitação desproporcionada das garantias de defesa do arguido em processo penal, restringindo o seu direito ao recurso e, nessa medida, o direito de acesso à justiça' (cf., identicamente, o mencionado acórdão n.º 43/99).
Vale isto por dizer que tais normativos – ou seja: os normativos atinentes à motivação do recurso em processo penal e às respectivas conclusões (artigos
412º, n.º 1, e 420º, n.º 1, citados) -, quando interpretados em termos de a falta de concisão das conclusões da motivação de recurso implicar a rejeição deste, sem mais (isto é, sem que o recorrente seja, previamente, convidado a suprir a deficiência detectada), limitam intoleravelmente o direito ao recurso; e, nessa medida, impõem um encurtamento inadmissível do direito de defesa do arguido. Esses normativos, com essa interpretação, são, pois, inconstitucionais, por violarem o princípio das garantias de defesa, consagrado no artigo 32º, n.º 1, da Constituição.
5.3. Ex adverso, objectar-se-á que o convite ao aperfeiçoamento implica um alongamento do processo, e que isso se não compadece com as exigências de celeridade processual.
Sem razão, porém.
É certo que a justiça deve ser célere, pois, quando tardia, pode equivaler a falta de justiça. Simplesmente, a celeridade não significa que o processo se deva desenrolar a um ritmo trepidante. Tal sucedendo, corre-se mesmo o risco de se perder a serenidade - e, com ela, a ponderação -, essenciais a uma boa administração da justiça. No processo penal, até por exigência constitucional, a celeridade tem sempre que compatibilizar-se com as garantias de defesa, pois - dispõe o n.º 2 do citado artigo 32º - o arguido deve 'ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa'.
Sendo isto assim, as exigências de celeridade processual não podem obstar a que o recorrente seja convidado a aperfeiçoar as conclusões da motivação de recurso que, acaso, sejam prolixas, padecendo de falta de concisão. Esse convite ao aperfeiçoamento impõem-no as exigências feitas pelo direito de defesa, com as quais - repete-se - a celeridade processual tem sempre que compatibilizar-se. Escreveu-se, aliás, no citado acórdão n.º 417/99, que 'a necessidade de proceder a uma compatibilização entre os dois princípios em presença - os princípios da celeridade e da plenitude das garantias de defesa -, dando cumprimento ao artigo
18º, n.º 2, da Constituição, exige que, perante conclusões de recurso tidas por não concisas, se dê ao recorrente a possibilidade de aperfeiçoar tais conclusões
(à semelhança, aliás, do que hoje dispõe o artigo 690º, n.º 4, do Código de Processo Civil)'.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do artigo 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, da norma constante dos artigos 412º, n.º
1, e 420º, n.º 1, do Código de Processo Penal (na redacção anterior à Lei n.º
59/98, de 25 de Agosto), quando interpretados no sentido de a falta de concisão das conclusões da motivação implicar a imediata rejeição do recurso, sem que previamente seja feito convite ao recorrente para suprir tal deficiência.
Lisboa, 27 de Junho de 2000 Messias Bento Guilherme da Fonseca Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Paulo Mota Pinto Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa