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Processo nº 62/98
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - M. A., identificada nos autos, celebrou com o Estado Português (Ministério da Educação), em 8 de Março de 1993, um contrato, designado 'contrato de trabalho a termo certo', com início nessa data e termo em
31 e Agosto do mesmo ano, a fim de exercer a sua actividade profissional, na categoria de auxiliar de acção educativa, na escola de S.João do Estoril.
A celebração desse acto foi justificada pela abertura de vaga no quadro, resultante da aposentação de terceiro, tendo, no entanto, a interessada continuado ao serviço do Estado após a data prevista do termo, mais precisamente até 31 de Agosto de 1994, dia em que este último fez cessar o contrato entre ambos celebrado.
Posteriormente, a referida M. A. intentou, no Tribunal de Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma sumária, contra o Estado Português, pedindo, além do mais, a declaração de nulidade do despedimento de que fora alvo.
A acção foi contestada pelo Ministério Público, como representante do demandado, e a sentença, oportunamente proferida, em 16 de Setembro de 1996, julgou a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolveu o réu dos pedidos contra ele deduzidos.
Recorreu a autora para o Tribunal da Relação de Lisboa, defendendo a nulidade da decisão, nos termos do artigo 668º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil (CPC).
2. - O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 10 de Dezembro de 1997, concedeu provimento ao recurso, condenando o Estado Português a reintegrar a autora 'no seu posto de trabalho sem prejuízo da antiguidade e a pagar-lhe as prestações pecuniárias vencidas desde 30 dias antes da propositura da acção até integral cumprimento, no valor a liquidar em execução de sentença por não se dispor de elementos para liquidação imediata, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, calculada desde a citação e até integral cumprimento do decidido'.
Deste acórdão interpôs o Ministério Público recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo a apreciação da constitucionalidade 'do nº 3 do artigo 19º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, por violação do artigo 47º, nº 2, da Constituição da República, quando interpretado [como foi o caso] no sentido de que os contratos de trabalho a termo certo celebrados com o Estado, ou outras pessoas colectivas de direito público, são passíveis de conversão em contratos de trabalho sem termo'.
Recebido o recurso, alegou o recorrente em termos que assim condensou nas respectivas conclusões:
'1º - A interpretação normativa do nº 3 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 427/89, traduzida em considerar que a aplicação subsidiária da lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo aos contratos dessa natureza celebrados ou mantidos irregularmente pela Administração envolve a própria convertibilidade de tais relações laborais, necessariamente precárias e provisórias, em permanentes, de modo a facultar a reintegração, sem qualquer limite temporal, do trabalhador no seu ‘posto de trabalho’ - admitindo-se, por esta via, a constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública por uma forma não constante da enumeração taxativa que, a título claramente imperativo, consta dos artigos 3º e
14º do citado diploma legal - viola o princípio constitucional do acesso igualitário e não discricionário à função pública e a regra do concurso (artigo
47º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa),
2º - Na verdade, tal interpretação, ao criar inovatoriamente e contra lei expressa, uma via ‘sucedânea’ de acesso, a título tendencialmente perpétuo e definitivo, ao emprego na Administração Pública - permitindo que pessoal irregularmente contratado, com base num processo de selecção precário e sumário, veja consolidada a relação de emprego, ao abrigo da ‘convertibilidade’ de uma situação irregular em relação laboral permanente e duradoura - propiciaria que, em verdadeira fraude à lei, os quadros de pessoal pudessem vir a ser providos, a título definitivo, sem qualquer precedência do concurso constitucional e legalmente exigido.
3º - Não constitui violação do princípio da igualdade, nem atneta contra o direito à segurança no emprego, a circunstância de estarem legalmente instituídos regimes específicos para os contratos de pessoal no âmbito da relação de emprego na Administração Pública, substancialmente diferenciados do regime geral vigente no direito laboral comum e adequados ao cumprimento das exigências formuladas pelo nº 2 do artigo 47º da Lei Fundamental.
4º - Termos em que deverá julgar-se procedente o recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida, em consonância com o atrás exposto.'
A recorrida, por sua vez, alegou de modo a assim concluir:
'1ª- Da conjugação do regime jurídico vertido no Decreto-Lei nº 427/89 e no Decreto-Lei nº 64-A/89, também os contratos de trabalho a termo certo outorgados pelo Estado podem ser convertidos em contratos de trabalho sem termo, por força da aplicação do artº 41º, nº 2 e 47º do Decreto-Lei nº 64-A/89.
2ª- Ora, o contrato de trabalho a termo certo da Recorrida converteu-se em contrato de trabalho sem termo, de acordo com o estatuído no artº 41º, nº 2 do citado diploma.
3ª- Tal contrato, embora irregular, é válido sendo a tese da sua nulidade absolutamente insustentável à luz dos princípios e normas constitucionais e legais.
4ª- O douto acórdão sob recurso repôs a legalidade violada, nomeadamente os princípios fundamentais do direito ao trabalho, à segurança no emprego e à igualdade.
5ª- Por outro lado, ao invés do sustentado pelo Recorrente, a conversão do contrato de trabalho a termo certo em contrato de trabalho sem termo não colide, de nenhum modo, como o disposto no artº 47º, nº 2 da Constituição da República, já que a Recorrida jamais invocou ou ficou abrangida pelo estatuto dos funcionários públicos e agentes administrativos.
Antes, continua abrangida pela lei geral do trabalho, desprovida, portanto, da qualidade de funcionária pública e de agente administrativo.
6ª- Com o maior respeito, o douto acórdão recorrido não está, pois, eivado de nenhum de natureza constitucional ou legal.'
Pede, assim, a improcedência do recurso, mantendo-se o anteriormente decidido.
Aguardaram os autos decisão final no processo nº 42/98, cumprindo agora apreciar.
II
Constitui objecto do presente recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade a apreciação da conformidade com a Constituição da norma do nº 3 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, interpretada no sentido de os contratos de trabalho a termo certo celebrados com o Estado, ou outras pessoas colectivas de direito público, serem passíveis de conversão em contrato de trabalho sem termo, estando em causa o nº 2 do artigo
47º da Constituição da República.
Ora, esta questão de constitucionalidade, em idêntica dimensão, foi apreciada recentemente, com intervenção do plenário, por este Tribunal, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 79º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Com efeito, o acórdão nº 683/99, de 21 de Dezembro de
1999, publicado no Diário da República, II Série, de 3 de Fevereiro de 2000, foi, se bem que por maioria, decidido julgar inconstitucional, 'por violação do artigo 47º, nº 2, da Constituição, o artigo 14º, nº 3, do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo'.
Na sequência do decidido no citado acórdão - proferido no processo nº 42/98 – e uma vez que a intervenção do plenário teve por objectivo evitar divergências jurisprudenciais sobre a questão de constitucionalidade equacionada - que, repete-se, nos presentes autos é idêntica
à então julgada – segue-se a orientação no mesmo expressa que, como tal se aplica (sem prejuízo dos entendimentos em contrário, lavrados nesse aresto).
III
Em face do exposto, decide-se, em aplicação da jurisprudência firmada no acórdão nº 683/99, deste Tribunal, negar provimento ao recurso. Lisboa, 9 de Fevereiro de 2000 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Messias Bento Luís Nunes de Almeida