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Processo n.º 226/12
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e B., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho do Presidente daquele Tribunal de 14 de fevereiro de 2012.
2. Pela Decisão Sumária n.º 185/2012, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Nos presentes autos, não se pode dar como verificado o requisito da suscitação prévia e de forma adequada de uma qualquer questão de constitucionalidade normativa reportada às disposições legais indicadas no requerimento de interposição de recurso. Quando reclamou da decisão de não admissão do recurso – o momento processual que releva para o cumprimento do requisito em apreço – a recorrente não especificou algumas das disposições legais que agora indica no requerimento de interposição de recurso e, por outro lado, relativamente aos preceitos legais especificados na reclamação, não questionou a constitucionalidade de uma qualquer norma a eles reportados de forma que se possa considerar adequada.
Este Tribunal tem entendido que “colocar uma questão de constitucionalidade normativa, em termos de poder ser objeto do recurso previsto na alínea b) do nº1 do art.70º da LTC, não é apenas afirmar que um determinado preceito, na sua aplicação a uma situação concreta que se descreve, é inconstitucional (...). Colocar verdadeiramente uma questão de constitucionalidade reportada a um determinado sentido normativo de um preceito é, muito mais do que isso, identificar esse sentido normativo que se considera inconstitucional – é (...) enunciar um critério normativo suscetível de generalização” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 501/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). O que manifestamente não sucede no caso em apreço.
Acresce que a recorrente não deixou de concluir que a decisão então objeto de reclamação padecia de ilegalidade e de inconstitucionalidade, violando simultaneamente preceitos de direito infraconstitucional e disposições constitucionais. O que não deixa de ser significativo da intenção de questionar a decisão judicial em causa.
A não verificação daquele requisito do recurso de constitucionalidade obsta ao conhecimento do seu objeto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC)».
3. Da decisão sumária vem agora a recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, invocando os seguintes argumentos:
«Salvo o devido respeito, e que é muito, não se pode concordar com os fundamentos Efetivamente no seu requerimento de interposição de recurso para o Venerando Tribunal Constitucional a recorrente refere “suscitada na reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação de Évora.
Com o efeito a recorrente apresentou o seguinte
“Vem a Recorrente, requerer a apreciação da constitucionalidade da norma do designadamente de inconstitucionalidade da norma, ínsita no artº 316º nº 1 do CPP, com notória violação dos artsº 316º n. 1 e 117º n. 1 do CPP, ferindo assim os direitos constitucionalmente consagrados nos artsº 13º e 32º n.5 ambos da CRP , 411º n.1 al. a) e c) . e artº 113º n. 1 b) e n. 23 ambos do CPP, bem como do artº 32º n. 1 e 3 da CRP e ainda o artigo artº 328º, n.3 al. a); 330; n.1 e 67º todos do CPP, pelo que deve ser considerada inconstitucional a interpretação conferida, aos artº 328º, n.3 al. a); 330; n.1 e 67º todos do CPP, interpretada em termos de que a norma, ínsita no artº 316º nº 1 do CPP, na interpretação colhida pelo tribunal “a quo”, ou seja, no entendimento, segundo o qual a alteração do rol de testemunhas indicadas pelo Assistente, podia fazer-se sem exercício do Principio do contraditório junto da arguida, sem ter em conta que fora justificada a ausência do Assistente à diligência marcada com uma mera cópia sem recurso a junção de prova cabal, nomeadamente documento autentico pelo C.E.J. Tal interpretação colhida, não cumpria os requisitos estabelecidos pelo art. 117º, do C.P.P, sendo que a notificação de tal justificação previsível foi realizada com apenas 02 (dois) dias de antecedência, e sem que o julgador cumprisse com “algum rigor” a justificação da falta do Assistente, sabido, como é que a falta às diligências judiciais perturba a planificação do trabalho judicial, e consabido que o julgador não cumpriu o disposto ínsito no art.- 117º, do C.P.P, ainda em situação idêntica de impedimento invocado pela arguida na mesma hora e data marcada para a diligência (audiência de julgamento). Assim a A. não gozou de igual prerrogativa legal, que o Assistente gozou, e que apesar de a arguida/recorrente ter justificado documentalmente mediante Atestado Médico (prova cabal) a sua (dela) ausência imprevisível. Assim verifica-se a violação da norma insita nos artsº 316º n. 1 e 117º n. 1 do CPP, ferindo assim os direitos, liberdades e garantias da recorrente a um processo equitativo e constitucionalmente consagrados nos artsº 13º e 32º n.5 ambos da CRP”
Mais se não colhe a interpretação feita pelo tribunal “ a quo”, no sentido de que o artº 328º, n.3 al. a); o art. 330; n.1 e o art. 67º, todos do CPP, constituir motivo de adiamento de uma sessão de audiência de discussão e julgamento, quando o mandatário, informa o tribunal no dia e hora para a pratica do ato processual, o seu (dele) impedimento, atento que os trinta dias concedidos pela lei no que respeita à validade da prova, encontrava-se ainda em tempo, o qual se determinou que era preponderante a realização da Justiça em detrimento das garantias e liberdades da arguida No entanto e apesar de a sessão de Audiência de Julgamento ter sido naquele ato novamente adiado única e exclusivamente para inquirição de uma testemunha que se encontrava impedida, nomeando-se, assim, defensora em substituição do mandatário da Recorrente para aquele ato processual do dia 05.05.2012, à revelia da arguida/recorrente e do seu mandatário (esposo daquela), sem tão pouco o defensora oficiosa terem conhecimento da estratégia de defesa da arguida promovida pelo mandatário, com nítida violação do artº 32.º n.1 e 3 da CRP.
Como não se colhe ainda a interpretação da norma ínsita nos artigos 411º n. 1, al. c) e n. 3 e 414º n. 2 do CPP, quando interpreta o fundamento de o mandatário se considerar notificado, no decurso da sessão de julgamento marcada para o dia 05/05/2011, apesar de previamente ter comunicado e justificado com prova cabal a sua falta e impedimento legal para o ato processual, e em face do mesmo mandatário ter requerido adiamento, vindo somente a ser formalmente notificado, do teor dos despachos exarados in ata e revogação da procuração forense por parte de um outro arguido, desconformes o artigo 39º, do C.P.C, por notificação datada de 10/05/2011, nos termos do art 113º n. 1 al. b) e n.2 do CPP, como não se colhe a interpretação de que o mandatário se considera notificado de todos os conteúdos dos despachos e atas no dia 05.05.2011, contando-se o prazo para interposição de recurso ordinário a partir desse mesmo dia 05.05.2011 (ato a que o advogado mandatado com procuração forense esteve ausente por impedimento legal e bem assim a arguida sua esposa e também advogada), atentos que nos presentes autos seriam assim, de 20 (vinte) dias, a contar da data 05.05.2011, que não da data 10.05.2011. Assim e como não se colhe tais interpretações normativas, porque não vem no segmento normativo para os efeitos do artº 411º n. 1 al a) e c do CPP, com terminús do prazo em 02/06/2011 para efeitos xde recurso ordinário, enferma, assim, de inconstitucionalidade e ilegalidade, das normas ora reclamadas, por violação da conjugação do disposto nos artº 411º n.1 al. a) e c) . e artº 113º n. 1 al. b) e n.23º, todos do CPP, bem como do artº 32º n. 1 e 3 da CRP
Assim, tal inconstitucionalidade já foi suscitada, quer nos requerimentos apresentados junto do tribunal “ a quo”; quer nas alegações de recurso para o TRE, quer na reclamação da não admissão desse mesmo recurso.”
Com efeito, está em causa o facto de a recorrente ter sido julgada sem a a presença do seu mandatário, que em tempo informou o Tribunal, bem como justificou a sua falta, e por outro lado de violação do princípio do contraditório.
O recurso, é delimitado às questões de inconstitucionalidade suscitada. A recorrente tem legitimidade artº 72º n.1 al. b) e n.2; o recurso é tempestivo (artº 75º n.1); com efeito suspensivo e sobe nos próprios autos (artº 78º n.3) todos do LTC.
Nesta esteira, pugna-se que no requerimento de recurso a recorrente logrou identificar as questões suscitadas, e não obstante, e mesmo que se entenda que se encontram violados preceitos de direito infraconstitucional, certo é que em última análise pretende-se Deste Venerando Tribunal a pronúncia relativa à violação de normas constitucionais.
Independentemente da exigência formalista, que pauta o Tribunal, certo é que a questão da inconstitucionalidade, foi apresenta no tempo e modo oportuno.
Tanto é que em sede de Decisão de reclamação o Presidente do Tribunal da Relação de Évora proferiu pronúncia acerca da mesma, ainda que de indeferimento.
Ora é precisamente não concordando, com os fundamentos então aduzidos, que a Recorrente apresenta o atinente recurso par o Tribunal Constitucional.
Salienta-se, que a própria a própria Exmª serª Juíza Consª Relatora, unicamente refere que “(...) a recorrente não especificou algumas disposições legais (...)” sem mencionar quais, ou mesmo qual a interferência que podem potenciar, numa tomada de Decisão Deste Tribunal, que ora se apela.
Com efeito, é precisamente da interpretação conferida aos preceitos, intraprocessualmente aplicados, que se pretende ver escortinada a sua aplicação ao caso concreto, e que em última instância terá de ter afetação, na decisão judicial.
Contudo, não se poderá deste modo concluir que com o presente recurso se vise questionar a decisão judicial.
Na realidade única e simplesmente está em causa a constitucionalidade da interpretação das normas vertidas, no requerimento de interposição de recurso».
4. Notificados os recorridos, respondeu apenas o Ministério Público, lendo-se na resposta, entre o mais, o seguinte:
«13º
Ora, compulsando a forma como se encontram redigidos, quer o requerimento do recurso de constitucionalidade, quer a presente reclamação para a conferência, facilmente se intui que a arguida, no fundo, questiona a forma como o tribunal de primeira instância aplicou o direito infraconstitucional, mas não conseguiu enunciar, claramente, uma precisa dimensão normativa para a(s) questão(ões) de constitucionalidade que pretendia suscitar.
Reconhece-se, no entanto, que, pelo menos a questão de constitucionalidade relativa ao art. 411º, nº 1, al. c) do CPP, apesar de tudo, pode ser vislumbrada através das suas prolixas explicações.
14º
Fundamentalmente, porém, os autos revelam que a arguida não terá agido com a diligência devida para acautelar a sua posição, razão pela qual o seu recurso foi considerado extemporâneo.
A sua atual argumentação apenas pretende, assim, corrigir aquilo que a sua displicência e incúria acabaram por ocasionar, ou seja, a não aceitação do seu recurso da decisão de 1ª instância, por motivo de extemporaneidade.
15º
Por todo o exposto, crê-se que a reclamação para a conferência, em apreciação, não merece provimento, não havendo razões para alterar o sentido da Decisão Sumária 185/12, que determinou a sua apresentação».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, por não se poder dar como verificado o requisito da suscitação prévia e de forma adequada, perante o tribunal recorrido, de uma qualquer questão de constitucionalidade normativa reportada às disposições legais indicadas no requerimento de interposição de recurso. É por isso irrelevante a argumentação da recorrente de que identificou as questões suscitadas no requerimento de interposição de recurso.
Por outro lado, a reclamante não logra demonstrar que suscitou uma qualquer questão de inconstitucionalidade normativa “no tempo e modo oportuno” quando, na reclamação da decisão de não admissão de recurso, considerou “inconstitucional a interpretação conferida aos artigos 411.º n. 1 al. c) e n. 3 e 414.º n. 2 do CPP, quando colhe o fundamento de o mandatário se considerar notificado, no decurso da sessão de julgamento de 05/05/2011, apesar de previamente comunicar e justificar a sua falta e, em face do mesmo requerer adiamento, vindo somente a ser formalmente notificado, do teor dos despachos exarados in ata, por notificação de 10/05/2011, nos termos do art 113.º n. 1 al. b) e n.2 do CPP , devendo-se considerar este o toque temporal para o início da contagem do prazo de recurso, que nos presente seria de 20 dias, nos termos e para os efeitos do art.º 411.º n. 1 al a) e c do CPP, terminando assim o prazo em 02/06/2011» (itálico aditado). Numa palavra, não logrou demonstrar que deste enunciado é extraível um critério normativo suscetível de generalização. Aliás, sempre seria tarefa de realização impossível, uma vez que deste enunciado constam elementos que têm a ver estritamente com a tramitação concreta dos autos que deram origem ao recurso que a reclamante interpôs para este Tribunal.
Face à argumentação da reclamante, diga-se também que a suscitação de forma adequada de uma qualquer questão de inconstitucionalidade normativa pressupõe que a norma seja reportada a uma disposição legal, terá sempre de aparecer “sob a veste de um texto, de um preceito ou disposição (artigo, base número, parágrafo, alínea) e é a partir dessa forma verbal que há de ser encontrada, através dos métodos hermenêuticos” (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Coimbra Editora, vol. VI, 2ª edição, 2005, p. 166).
E diga-se, ainda, que a via do recurso de constitucionalidade abre-se ao recorrente apenas quando haja suscitado previamente e de forma adequada a questão de inconstitucionalidade normativa (artigo 72.º, n.º 2, da LTC). Ainda que o tribunal recorrido tenha apreciado as questões de constitucionalidade que a recorrente pretendeu suscitar, tal não permite dar como verificado o requisito da suscitação prévia e de forma adequada (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC). Tratando-se, como se trata, de um ónus processual que assegura a legitimidade para recorrer, não é “decisivo, para este efeito, que o acórdão recorrido haja conhecido da questão de constitucionalidade quando esta não tiver sido suscitada de modo processualmente adequado” (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 96/2002. No mesmo sentido, Acórdãos n.ºs 119/2002, 371/2005, 308/2007 e 401/2007, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
A decisão sumária reclamada deve, pois, ser confirmada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 20 de junho de 2012.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.