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Processo n.º 204/2000 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. M... e J... interpõem o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão da Relação de Lisboa, de 28 de Outubro de 1999. Este aresto negou provimento ao recurso de apelação que os ora recorrentes tinham interposto da sentença que havia julgado improcedente a acção de despejo por eles proposta contra AG..., com fundamento na necessidade da casa, que lhe arrendaram, para nela estabelecerem a sua habitação, pois, sendo emigrantes, pretendem regressar a Portugal e não têm aqui casa própria ou arrendada. A acção foi julgada improcedente e a apelação não provida, em virtude de o arrendatário (dito AG...) ter mais de 65 anos de idade.
Pretendem os recorrentes que este Tribunal aprecie a constitucionalidade da norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 107º do Regime do Arrendamento Urbano, 'na interpretação de que a limitação ao direito de denúncia para habitação do senhorio aí contemplada pode ser oposta mesmo ao senhorio de idade igual ou superior à do inquilino'. Os RECORRENTES concluíram como segue a alegação que apresentaram neste Tribunal:
1. Em caso de conflito de direitos à habitação, a lei faz prevalecer a necessidade habitacional do senhorio face à do inquilino, atribuindo-lhe o direito de denunciar o contrato de arrendamento para prover essas necessidades.
2. Nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 107 do RAU, esse direito do senhorio tem como limite a circunstância de o inquilino ter mais de 65 anos de idade: visou a lei proteger, nesse caso, a parte normalmente mais fraca no contrato, em atenção à respectiva senioridade.
3. Quando porém o senhorio denunciante tenha ele mesmo idade igual ou superior a
65 anos – e sobretudo se tiver idade superior à do inquilino – desaparece a razão de ser daquela limitação.
4. O cerne do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição é o de assegurar tratamento igual a situações materialmente iguais e tratamento diferente a situações materialmente diferentes, em função e na medida dessa diferença.
5. A interpretação sustentada nas instâncias – de que a limitação ao direito de denúncia para habitação do senhorio contemplada na norma da al. a) do nº 1 do art. 107º do Regime de Arrendamento Urbano aprovado pelo Decreto-Lei nº
321-B/90, de 15 de Outubro pode ser oposta mesmo a senhorio de idade igual ou superior à do inquilino – provoca um tratamento desigual em situações onde está ausente a diferença material que justificou a solução da lei.
6. Com essa interpretação, a norma em causa é materialmente inconstitucional. Termos em que deve ser a mesma norma, na apontada interpretação, ser julgada inconstitucional [...].
O RECORRIDO não alegou.
2. Cumpre, então, decidir se a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo
107º do Regime do Arrendamento Urbano (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro), na interpretação apontada, é ou não inconstitucional.
II. Fundamentos:
3. A norma sub iudicio. O contrato de arrendamento para habitação – único que aqui importa considerar – está sujeito ao princípio da renovação obrigatória e automática: 'renova-se por períodos sucessivos, se nenhuma das partes o tiver denunciado no tempo e pela forma convencionados ou designados na lei' – dispunha o artigo 1054º, n.º 1, do Código Civil, revogado, entretanto, pelo artigo 3º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro; e, presentemente, o artigo 68º, n.º
2, do Regime do Arrendamento Urbano, dispõe: 'a denúncia do contrato pelo senhorio só é possível nos casos previstos na lei e pela forma nela estabelecida'. Ou seja: o senhorio não pode denunciar o contrato de arrendamento ad nutum. Com a regra da renovação obrigatória e automática do contrato de arrendamento habitacional - que foi introduzida no nosso ordenamento jurídico pelo Decreto n.º 5.411, de 17 de Abril de 1919, mas que deixou de ser obrigatória para todos os contratos desse tipo, pois, nos termos dos artigos 98º a 100º do citado Regime, as partes podem convencionar que o contrato tenha duração limitada - o que se pretende é conferir estabilidade à posição do locatário: este, findo o prazo convencionado ou supletivamente fixado na lei, pode impor ao senhorio a renovação do contrato, unilateral e discricionariamente.
O senhorio pode, no entanto, também pôr termo ao contrato por denúncia – para além de o poder fazer cessar por resolução ou caducidade (cf. o artigo 50º do Regime do Arrendamento Urbano). Um dos casos em que o contrato de arrendamento pode ser denunciado pelo senhorio
é o de este ter necessidade da casa para sua habitação [cf. a alínea a) do n.º 1 do artigo 69º do referido Regime] O exercício do direito de denúncia do contrato para habitação do senhorio depende, porém, da verificação dos requisitos enumerados nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 71º do referido Regime do Arrendamento Urbano [cf. sobre esses requisitos, os acórdãos nºs 151/92 e 174/92 (publicados no Diário da República, II série, de 28 de Julho de 1992 e de 18 de Setembro de 1992, respectivamente)]. E mais: tal direito de denúncia não pode ser exercido quando, no momento em que deva produzir efeitos, ocorra alguma das circunstâncias enumeradas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 107º desse mesmo Regime. Dispõe, na verdade, o n.º 1 deste artigo 107º, inserido no capítulo II, cuja epígrafe é 'Das limitações ao direito de denúncia':
1. O direito de denúncia do contrato de arrendamento, facultado ao senhorio pela alínea a) do n.º 1 do artigo 69º, não pode ser exercido quando no momento em que deva produzir efeitos ocorra alguma das seguintes circunstâncias: a). Ter o arrendatário 65 ou mais anos de idade ou, independentemente desta, se encontre na situação de reforma por invalidez absoluta, ou, beneficiando de pensão de invalidez, sofra de incapacidade total para o trabalho; b). Manter-se o arrendatário no local arrendado há 30 ou mais anos, nessa qualidade.
Por conseguinte, no que aqui importa, se, no momento em que a denúncia deve produzir efeitos, o arrendatário tiver 65 ou mais anos de idade, o senhorio não pode denunciar o contrato para satisfazer a sua necessidade de habitação. E isto
é assim (na interpretação do acórdão recorrido), mesmo que o senhorio tenha, também ele, mais de 65 anos de idade. Na verdade, tal aresto, depois de assentar em que o recorrente e o recorrido se encontram em iguais circunstâncias quanto à idade, pois têm ambos mais de 65 anos de idade, ponderou o seguinte: No caso que nos ocupa, pretendeu o legislador que a norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 107º do RAU, em caso de conflito de interesses entre arrendatário e senhorio e, no que respeita ao direito fundamental à habitação, proteger, por motivo de humanidade, a parte mais fraca que considerou ser o inquilino. [...] Se o legislador, perante tal conflito de interesses, quisesse fazer prevalecer os do senhorio, certamente não deixaria de regular expressamente o caso, como acontece em França, com a Lei Quilliot (exigia expressamente para o inquilino idade superior a 70 anos, desde que o locador não tivesse mais de 60), norma essa reeditada no artigo 15º-III da Lei de 6 de Julho de 1989 (Lei 89-462). Tendo as limitações impostas ao exercício do direito de denúncia como justificação a diferente posição do inquilino e do senhorio, o legislador ordinário acabou por, a situação desigual, dar tratamento desigual [...].
Mas, se o senhorio, que requer a denúncia do arrendamento, for emigrante ausente do país há, pelo menos, 10 anos, pretender regressar ou tiver regressado ao País há menos de 1 ano, e, na altura da celebração do contrato, já fosse proprietário, comproprietário ou usufrutuário do imóvel, então o inquilino já não lhe pode opor triunfantemente a sua idade, para evitar o despejo: nesse caso, o facto de o inquilino ter 65 anos ou mais de idade já não opera como limitação ao direito de denúncia do contrato para habitação do senhorio. Na verdade, o artigo 108º do referido Regime prescreve: As limitações previstas no n.º 1 do artigo anterior não subsistem quando o senhorio, sendo já proprietário, comproprietário ou usufrutuário do prédio ou parte do prédio à data do seu arrendamento, pretenda regressar ou tenha regressado há menos de 1 ano ao País, depois de ter estado emigrado durante, pelo menos, 10 anos.
Nestes autos, embora o senhorio invoque a sua qualidade de emigrante, não há, porém, que considerar a situação por último referida. O que tão-só há que decidir é se é inconstitucional a norma constante do artigo 107º, n.º 1, alínea a), do Regime do Arrendamento Urbano, interpretada no sentido de que o senhorio, mesmo que tenha mais de 65 anos de idade, não pode denunciar o contrato de arrendamento para satisfazer a sua necessidade de habitação, se, no momento em que a denúncia deva produzir efeitos, o arrendatário tiver 65 ou mais anos de idade.
4. A questão de constitucionalidade.
4.1. Sustentam os recorrentes que a norma aqui sub iudicio é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, uma vez que – dizem – 'provoca um tratamento desigual em situações onde está ausente a diferença material que justificou a solução da lei'.
Vejamos, então.
4.2. Como atrás se referiu – apenas com a excepção dos contratos de duração limitada -, o legislador subtraiu o contrato de arrendamento para habitação à regra da liberdade contratual e submeteu-o à da renovação obrigatória e automática. Fê-lo, porque, conhecendo como conhece a falta de casas para habitação, decidiu sacrificar um direito do senhorio – o direito de denunciar livremente o contrato, que se compreende seja no direito de iniciativa económica privada, seja no direito de propriedade - a favor do direito à habitação do locatário, ou seja, do direito que este tem de dispor de uma casa para nela habitar.
É que o direito à habitação, embora seja um direito cuja realização – uma realização gradual, pois é um direito colocado 'sob reserva do possível' – constitui, essencialmente, tarefa do Estado (cf. artigo 65º, n.º 2, da Constituição), funda-se na dignidade da pessoa humana. E, por isso, como há um mínimo incomprimível desse direito cuja concretização o Estado deve assegurar, o legislador, com esse objectivo, impõe restrições ao proprietário privado, que, desse modo, é chamado a ser solidário com o seu semelhante, em nome, desde logo, da função social da propriedade, sobre a qual recai uma verdadeira hipoteca social, a qual, numa certa visão das coisas, se funda no destino universal dos bens.
Mas, como já se disse, se o senhorio necessitar da casa para sua habitação, pode requerer a denúncia do contrato para o termo do respectivo prazo (ou da sua renovação).
Este direito de denúncia do contrato para habitação do senhorio constituía, nas Ordenações, um dos fundamentos de despejo imediato [cf. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (Código Civil Anotado, volume II, 4ª edição, Coimbra, 1997, página 621)]. A Lei n.º 2.030, de 22 de Junho de 1948, reintroduziu no nosso ordenamento jurídico essa possibilidade de o senhorio denunciar o contrato para satisfazer a sua necessidade de habitação (cf. artigo 69º). Em 1975, porém, o Decreto-Lei n.º
155/75, de 25 de Março, suspendeu todas as acções e execuções de despejo em que estivesse em causa a denúncia do contrato para habitação do senhorio. Tal diploma legal veio, no entanto, a ser revogado em 1977 pelo Decreto-Lei n.º
293/97, de 20 de Julho, depois de, já em 1976, o Decreto-Lei n.º 583/76, de 22 de Junho, ter vindo permitir a denúncia do contrato a favor dos retornados, emigrantes e aposentados. Ou seja: a partir de meados de 1948, salvo no pequeno interregno que vai do Decreto-Lei n.º 155/75, de 25 de Março, ao Decreto-Lei n.º
293/77, de 20 de Julho, sempre a lei deu primazia ao direito de habitação do senhorio sobre o direito de habitação (ou similar) do inquilino.
Nos dizeres no citado acórdão n.º 151/92, 'é isto coisa que bem se compreende, pois é inteiramente razoável que o legislador – colocado perante um conflito de direitos: de um lado, o direito à habitação do senhorio, fundado num direito real próprio (um direito de propriedade, de compropriedade ou de usufruto), e por outro lado, o direito à habitação do inquilino (ou um seu direito similar), fundado num contrato de arrendamento, cujo objecto é, justamente, o imóvel que pertence ao senhorio -, não podendo dar satisfação a ambos os direitos, inteiramente razoável é – dizia-se – que sacrifique o direito do inquilino ao direito à habitação do senhorio'. Acrescentou-se nesse aresto:
É inteiramente razoável, porque o senhorio até pretende exercer o seu direito à habitação num imóvel de que ele próprio é proprietário, comproprietário ou usufrutuário. Tem, assim, 'melhor direito' do que o inquilino, que pretende continuar a satisfazer as suas necessidades de habitação nesse mesmo imóvel do senhorio.
No mesmo acórdão, ponderou-se a seguir: O sacrifício que o legislador impõe ao direito do locatário deixa, é certo, inteiramente por satisfazer as necessidades deste em matéria de habitação. Tal sacrifício é, no entanto, em absoluto, necessário para que o direito do senhorio a ter uma habitação própria encontre satisfação. Com efeito, o direito à habitação do senhorio e o do inquilino, pretendendo concretizar-se no mesmo imóvel, acabam por excluir-se um ao outro: cada um deles só pode satisfazer-se em detrimento do outro. E concluiu o referido aresto: A solução legal tem, assim, suficiente credencial constitucional [...].
4.3. Nestes autos, não está, porém, em causa a constitucionalidade das normas legais que permitem ao senhorio denunciar o contrato de arrendamento, quando necessite da casa arrendada para sua habitação – normas que são as dos artigos
69º a 72º do Regime do Arrendamento Urbano. Tão-pouco se questiona a constitucionalidade do artigo 107º, n.º 1, alínea a), do mesmo Regime, enquanto tal normativo considera a idade do inquilino (65 ou mais anos de idade) facto impeditivo da denúncia do contrato. A constitucionalidade desta norma só a questionam os recorrentes, enquanto ela permite que o inquilino, com 65 ou mais anos de idade, impeça tal denúncia, apesar de o senhorio ter, também ele, essa idade.
Recorda-se que os recorrentes sustentam que a norma constante da alínea a) do n.º 1 do citado artigo 107º, interpretada como foi no acórdão recorrido – ou seja: interpretada no sentido de que o inquilino, que tiver 65 ou mais anos de idade, pode impedir a denúncia do contrato de arrendamento pelo senhorio, fundada na necessidade da casa para habitação, mesmo que este tenha também 65 ou mais anos de idade - viola o princípio da igualdade.
Esta é também a opinião de J. R. C. PINTO FURTADO, que, no seu Manual do Arrendamento Urbano (Coimbra, 1996), escreve a este propósito, na página 770: Outro ponto parece ainda digno de reflexão: é o das idades comparativas de denunciantes e inquilinos. Sendo esta limitação fundada num justo motivo de humanidade, parece que não poderá ser oposto a denunciante que tenha a mesma ou mais avançada idade. Doutro modo, violar-se-á o princípio constitucional da igualdade dos cidadãos perante a lei (artigo 13º-1 CRP): a senectude do senhorio
é tão digna de consideração quanto a do inquilino.
Será assim ?
Para responder à pergunta, convém recordar que a regra da renovação obrigatória e automática do contrato de arrendamento (e, assim, a proscrição da denúncia do contrato ad nutum) encontra a sua justificação na necessidade de proteger a estabilidade habitacional do inquilino. Ora, essa necessidade assume particular relevo quando o inquilino já tem certa idade (no caso, 65 anos ou mais), pois que se lhe torna então mais difícil arranjar outra casa; e, mesmo quando o consiga, ver-se-á, em regra, obrigado a romper com o passado, pois tem que deixar o meio em que viveu muitos anos e onde, por isso, criou raízes e fez amigos, para ir refazer a vida noutro local – num local, onde pode nem sequer conhecer ninguém e ao qual, por isso, pode sentir as maiores dificuldades a ambientar-se. Compreende-se assim que o legislador considere a idade do inquilino facto impeditivo da denúncia do contrato - que o mesmo é dizer que a considere causa de exclusão do direito de denúncia. Ora, o princípio da igualdade – que, como é sabido, impõe se dê tratamento igual
às situações essencialmente iguais e tratamento diferente às situações que forem essencialmente diferentes - o que recusa é o arbítrio legislativo, as soluções irracionais ou irrazoáveis, por serem carecidas de fundamento material ou racional capaz de as sustentar.
Enfrentando a questão da constitucionalidade da norma, que dispõe que a idade do inquilino constitui obstáculo ao exercício do direito de denúncia do senhorio, sustenta JORGE ARAGÃO SEIA que ela não viola o princípio da igualdade. Escreve, a propósito: Porquê esse limite ? Porque se entende que, quando o inquilino tem certa idade ou invalidez absoluta ou incapacidade total para o trabalho, permitir a denúncia do contrato seria colocá-lo numa situação de desenraizamento, pois foi naquela casa que criou raízes, arranjou os amigos, etc., e de dificuldade de arranjar nova habitação e de se adaptar a novo ambiente. (cf. Arrendamento Urbano, Coimbra, 2000, 5ª edição, página 548). E, depois de referir que 'a única igualdade' entre a situação do senhorio que pretenda denunciar o contrato e a do inquilino 'será a idade ou a invalidez ou a incapacidade', o mesmo comentarista acrescenta que 'o inquilino quando arrenda casa está confiante na renovação do arrendamento, não está nos seus planos de vida arranjar outra residência', ao passo que o senhorio, 'quando concedeu o gozo da casa, já sabia de antemão que não a poderia ir habitar, por ter criado com o inquilino uma relação duradoura, conforme estipula o artigo 1054º do Código Civil'.
É certo que o senhorio, que pretende denunciar o contrato, por ter necessidade da casa para sua habitação, se tiver 65 anos de idade ou mais, encontra-se, no que concerne à idade e à necessidade da casa, em situação idêntica à do inquilino que já tenha atingido aquela idade. Simplesmente, a mudança de vida que, nessa idade, importa uma mudança de casa é algo que ele pode suportar sem dificuldades de maior, pois é ele próprio a tomar a iniciativa da mudança. Já o inquilino, esse, vê-se forçado a mudar os hábitos e rotinas de vida, que foi criando pelo facto de viver muitos anos no mesmo sítio, e, bem assim, a afastar-se dos amigos que aí fez. Por isso, a mudança de vida, sendo-lhe imposta, pode levá-lo a sentir-se completamente perdido e desenraizado, representando, assim, uma violência atentatória do respeito que lhe é devido enquanto pessoa. Há-de convir-se que estas razões justificam que o legislador – colocado perante um conflito de direitos: de um lado, o direito à habitação do senhorio, e do outro, o direito à habitação do inquilino, pretendendo ambos concretizar-se sobre o mesmo imóvel – resolva esse conflito a favor do inquilino, pois que ele se apresenta em situação mais carecida do amparo da lei.
4.4. Em conclusão: A norma aqui sub iudicio - ou seja, a do artigo do artigo 107º, n.º 1, alínea a), do Regime do Arrendamento Urbano, interpretado no sentido de que o senhorio, mesmo que tenha mais de 65 anos de idade, não pode denunciar o contrato de arrendamento para satisfazer a sua necessidade de habitação, se, no momento em que a denúncia deva produzir efeitos, o arrendatário tiver 65 ou mais anos de idade - não consagra uma solução arbitrária. Tal solução é, sim, razoável: ela tem, como se viu, suficiente fundamento racional. Tal norma não viola, por isso, o princípio da igualdade. III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). negar provimento ao recurso; e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade;
(b). condenar os recorrentes nas custas, com quinze unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 11 de Outubro de 2000 Messias Bento Alberto Tavares da Costa José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, nos termos da declaração junta) Voto de vencida Votei vencida porque considero que a norma que constitui o objecto do presente recurso, contida na al. a) do nº 1 do artigo 107º do Regime do Arrendamento Urbano, interpretada no sentido de que 'a limitação ao direito de denúncia para habitação do senhorio aí contemplada pode ser oposta mesmo ao senhorio de idade igual ou superior à do inquilino', é inconstitucional por ofensa do princípio da igualdade. Em meu entender, as considerações expendidas no acórdão sobre o princípio da igualdade – que, basicamente, reconduz à ideia de que se há-de dar 'tratamento igual às situações essencialmente iguais e tratamento diferente às situações que forem essencialmente diferentes' , bem como a lógica que determinou o julgamento contido no acórdão nº 151/92, nele citado ['(...) é inteiramente razoável que o legislador – colocado perante um conflito de direitos: de um lado, o direito à habitação do senhorio, fundado num direito real próprio (um direito de propriedade, de compropriedade ou de usufruto), e, por outro lado, o direito à habitação do inquilino (ou um seu direito similar), fundado num contrato de arrendamento, cujo objecto é, justamente, o imóvel que pertence ao senhorio –, não podendo dar satisfação a ambos os direitos, inteiramente razoável é – dizia-se – que sacrifique o direito do inquilino ao direito à habitação do senhorio'] deveriam ter conduzido a um juízo de inconstitucionalidade. Afigura-se-me irrelevante, no contexto dos direitos em jogo, a diferença considerada no acórdão como suficiente para legitimar, do ponto de vista do princípio da igualdade, a prevalência do interesse do inquilino: o facto de o senhorio ter tomado 'a iniciativa da mudança'; e não é justificada a afirmação, feita a final, de que é o inquilino que 'se apresenta em situação mais carecida do amparo da lei'. No confronto de situações iguais quanto ao ponto essencial em questão – ambos necessitam da casa para viver, ambos têm 65 anos ou mais –, não creio que a circunstância de o senhorio ter tomado a 'iniciativa da mudança' deva levar a desconsiderar o seu direito de propriedade, que, pelas razões apontadas no referido acórdão nº 151/92, devia prevalecer. Note-se, a terminar, que haverá seguramente situações em que o mesmo conflito se pode desenrolar sem que se possa afirmar, sequer, que o senhorio tomou a iniciativa de mudar. Pense-se, por exemplo, nas hipóteses de ele próprio ser arrendatário e cessar o correspondente arrendamento sem que se possa considerar que criou intencionalmente as condições para poder exercer o direito de denúncia
(o contrato foi resolvido ou denunciado, a casa ardeu, etc.). Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida