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Proc. N.º 415/99 TC - 1ª Secção Relator: Cons. Artur Maurício (por vencimento)
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - No Tribunal de Círculo da Covilhã, J... e L..., devidamente identificados nos autos, foram julgados e condenados pela prática de vários crimes de ofensas corporais na pena única de três anos de prisão, o primeiro, e de dois anos de prisão o segundo. Da decisão interpuseram recurso não só os arguidos mas também o Ministério Público, tendo o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), por acórdão de 14 de Janeiro de 1999 decidido: « a) Declarar a nulidade das gravações, por constituírem meios de prova ilegais e declarar inadmissíveis os meios de prova pessoal que nelas directamente se baseiam e, consequentemente, ordenar que sejam retiradas do processo as respectivas transcrições; b) Anular todo o processado a partir da acusação, inclusivé; c) Julgar prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos recursos.». Tendo sido indeferida a arguição das nulidades do acórdão final suscitadas pelo Ministério Público, veio este recorrer para o Tribunal Constitucional. O presente recurso de constitucionalidade é interposto pelo Ministério Público ao abrigo do disposto nas alíneas b) e i) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional com fundamento em que, ao considerar nulas as provas constituídas pelas gravações, o tribunal recorrido «interpretou/aplicou as normas dos artigos 126.º, n.º 3 e 167.º do Código de Processo Penal, 179.º do Código Penal de 1982 e 199.º do Código Penal de 1995, em violação do disposto nos artigos 32.º n.º 8, 24.º, n.º 1, 25.º e 27.º, n.º 1 da Constituição», mais relevando a entidade recorrente que essa interpretação e aplicação «está também em desconformidade com o anteriormente decidido pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 263/97 de 19.3.93, DR IIS de 1.7.97» e que a questão foi suscitada em alegações orais em audiência de julgamento no Supremo Tribunal de Justiça.
2 - Em alegações no Tribunal Constitucional sustentou o Ministério Público, em conclusão, que:
'1. A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 32º, n.º 8, bem como o Código de Processo Penal, no artigo 126, n.º 3, cominam a sanção da nulidade para as provas que hajam sido obtidas mediante abusiva intromissão na vida privada.
2. Devendo Ter-se por abusiva tal intromissão quando efectuada fora dos casos previstos na lei, como foi o caso, e sem intervenção judicial, que de facto não se verificou, a decisão recorrida, ao cominar a sanção da nulidade, não merece censura constitucional.'
O arguido Brígida Rogado, concordando com a posição assumida pelo Ministério Público neste Tribunal, veio dizer que o acórdão recorrido deverá ser confirmado. O arguido Bento Raimundo, em extensas alegações, que termina defendendo que «o presente recurso deve ser rejeitado, não sendo, sequer, admitido» apresentou as conclusões que se transcrevem:
'Ao longo de todo o processo, sempre o Ministério Público, nas várias instâncias, defendeu a constitucionalidade de todas as normas. Mesmo no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público defendeu a constitucionalidade das normas que o agora recorrido atacava de inconstitucionais, se as mesmas fossem aplicadas com determinada interpretação. II O Procurador Geral da República, junto do Supremo Tribunal de Justiça, no seu parecer, no recurso, não alegou a inconstitucionalidade de norma alguma, jamais tendo suscitado qualquer questão de constitucionalidade. III O recorrente alegou que o Supremo tinha feito uma interpretação e uma aplicação de determinadas normas de direito que violava certos artigos da Constituição, mas não escreveu que essas normas, com essa interpretação, com a interpretação constante no acórdão, eram inconstitucionais. IV O recorrente identifica como inconstitucional a interpretação dada pelo Supremo, mas não alegou que as normas em causa, com essa interpretação, passavam a ser inconstitucionais, sendo, por isso, inconstitucionais, por permitirem essa interpretação. O recorrente questionou a interpretação do direito feita pelo Supremo, mas não questionou a constitucionalidade de norma alguma. V O recorrente, no seu requerimento de interposição de recurso, não cumpriu o ónus de indicar a norma inconstitucional que pretende que o tribunal aprecie, não cumprindo o previsto no artigo 75º-A n.º 1 da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, pelo que deve ser rejeitada a admissão do recurso, nos termos do artigo 76º da citada Lei. VI O artigo 69º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro determina que aos recursos para o Tribunal Constitucional se aplicam as regras do recurso de Apelação. Segundo o artigo 690º n.º 1 do Código de Processo Civil, o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual concluirá, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. O recorrente veio concluir que a sanção de nulidade para as provas obtidas, mediante abusiva intromissão na vida privada, é correcta e respeita o artigo 32º n.º 8 da Constituição, pelo que conclui que o artigo 126º n.º 3 do Código de Processo Penal é constitucional. Mas conclui que 'Devendo Ter-se por abusiva tal intromissão quando efectuada fora dos casos previstos na lei, como foi o caso, e sem intervenção judicial, que de facto não se verificou, a decisão recorrida, ao cominar a sanção da nulidade, não merece censura constitucional'. Logo o presente recurso está deserto. No acórdão sujeito a recurso não foi abordada qualquer questão de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, que tivesse sido suscitada pelas partes. O Tribunal, no acórdão recorrido, limitou-se a aplicar o artigo 660º do Código de Processo Civil e, por isso, antes de entrar, nas questões de constitucionalidade, decidiu que não existe uma causa de exclusão da ilicitude específica; Decidiu que foi o desejo de obter prova, que motivou a realização das gravações e na impossibilidade de serem usados meios de prova ilícitos; pelo que, em cumprimento do previsto no artigo 126º n.º 3 do Código de Processo Penal declarou as gravações nulas. VIII Nada obrigava o Supremo Tribunal de Justiça, neste acórdão, a pronunciar-se sobre a questão da inconstitucionalidade, dado que, antes de entrar nessa matéria, este Venerando e Alto Tribunal considerou que a conduta de Angelo de Trancoso era típica, não havendo qualquer causa de exclusão da ilicitude, pelo que as provas resultantes das gravações eram nulas, nos termos do n.º 3 do artigo 126º do Código de Processo Penal. IX Logo, de acordo com o artigo 660º do Código de Processo Civil, nada obrigava o Supremo Tribunal de Justiça a entrar na abordagem duma matéria totalmente desnecessária à decisão do recurso que estava em causa, uma vez que existem razões legais para fundamentar a decisão, sem necessidade de ponderar o tema da inconstitucionalidade. X Sendo assim, o presente recurso nunca pode ser nem admitido, nem decidido, porquanto, no acórdão recorrido, não foi apreciada qualquer questão de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade da qual o Tribunal Constitucional possa ou deva conhecer. XI O nosso sistema de recurso constitucional é um recurso de inconstitucionalidade de norma e não de decisão. Uma eventual decisão dum tribunal materialmente inconstitucional não é recorrível para o Tribunal Constitucional. Só é recorrível a aplicação duma norma que seja inconstitucional ou a recusa de aplicar a mesma, por inconstitucionalidade. XII O recorrente rebelou-se contra a decisão concreta do Supremo e contra o modo como as normas foram aplicadas, mas isso é uma realidade completamente diferente, que não é passível de censura por parte deste Venerando Tribunal. XIII Caso o Tribunal Constitucional entre na apreciação da matéria de fundo do recurso, o que não será legal, então, dá-se aqui por reproduzido todo o conteúdo dos pareceres já juntos aos autos e das anteriores alegações do agora recorrido, os quais considera por transcritos para todos os efeitos legais, no seu conteúdo integral, incluindo as conclusões.'
Tendo sido suscitado por este recorrido o não conhecimento do recurso, foi notificado o Ministério Público para responder, o que fez, concluindo no sentido da improcedência da alegada falta de pressupostos de admissibilidade do recurso; nada disse, porém, quanto à invocada deserção do recurso.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
3 - O presente recurso de constitucionalidade é interposto pelo Ministério Público que, no seu requerimento de interposição, refere o seguinte:
'[v]em interpor recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão de fls. 7099 e ss (complementado pelo Acórdão de fls. 7193 e ss) ao abrigo do disposto nas alíneas b) e i) do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, uma vez que o mesmo ao considerar nulas as provas constituídas pelas gravações, interpretou/aplicou as normas dos artºs 126º, n.º3 e 167º, do Código de Processo Penal, 179º do Código Penal de 1982 e 199º do Código Penal de 1995, em violação do disposto nos artºs 32º, n.º8, 24º, n.º1, 25º e 27º, n.º1 da Constituição'.
No mesmo requerimento se refere que a questão de constitucionalidade foi levantada nas alegações orais na audiência de julgamento do STJ.
Porém, analisadas as actas da audiência de julgamento nada consta das mesmas relativamente a tal arguição de inconstitucionalidade.
4 - O recorrido J... suscitou nas suas alegações, como se disse, a questão prévia da falta de pressupostos de admissibilidade do recurso e, bem assim, a da deserção do recurso interposto, em termos que importa, antes de mais, considerar.
Vejamos.
De acordo com a decisão recorrida, esta resolveu declarar a nulidade das gravações, por constituírem meios de prova ilegais e declarar inadmissíveis os meios de prova pessoal que nelas se baseiam e, em consequência, ordenar que sejam retiradas do processo as respectivas transcrições, anulando todo o processado a partir da acusação.
O Ministério Público junto do STJ veio arguir a nulidade desta decisão, invocando como fundamentos não só o excesso de pronúncia como a omissão de pronúncia. Na omissão de pronúncia, o Ministério Público acusa o acórdão de não Ter analisado se 'se verificavam causas autónomas de exclusão não só em relação á gravação, como ao seu uso' e, também, de não Ter considerado se, 'em vez de como pretendiam os recorrentes ser inconstitucional a interpretação/aplicação feita dos artigos 126º, n.º3, e 167º do CPP e 179º do C. Penal de 1982, hoje 199º, antes o era a interpretação/aplicação por eles defendida (e acolhida pelo douto acórdão)'.
Para o efeito de estruturar estes fundamentos, o Ministério Público acabou por transcrever parte das suas alegações orais feita na audiência de julgamento.
O STJ, na decisão que proferiu sobre esta arguição, trata efectivamente de uma questão de 'inconstitucionalidade da pretendida interpretação/aplicação feita pelos recorrentes dos artºs 126º, n.º3 e 167º do CPP e 179º do C. Penal'. Porém, para além de expressamente se reportar a uma questão colocada pelos recorrentes, o STJ não sentiu necessidade de entrar 'na consideração de tal tipo de matérias, já que a solução preconizada dela não carecia (...)', pelo que decidiu julgar prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos recursos.
5 - O recorrido J..., depois de referir que sempre o Ministério Público sustentou a constitucionalidade de todas as normas, em todas as intervenções que teve no processo, reconhece que, na audiência do STJ, nas suas alegações orais, o representante do Ministério Público defendeu que era inconstitucional a interpretação adoptada pelos arguidos das normas que regulavam a utilização da gravação como meio de prova.
Ora, importa esclarecer se a questão de constitucionalidade pode considerar-se suscitada em forma e tempo adequados.
Poderia, desde logo, colocar-se a questão de saber se as alegações orais são um momento adequado para suscitar uma questão de constitucionalidade.
Um dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade é a sua suscitação durante o processo, isto é, em tempo e por forma de o tribunal saber que tem de se pronunciar sobre tal questão, pelo que sendo as alegações orais feitas em momento anterior à decisão final pode considerar-se, em princípio, a questão suscitada durante o processo.
É certo que o Tribunal em casos idênticos (cf. o Acórdão n.º 397/97,
(publicado no Diário da República, II Série, de 17 de Julho de 1997) exige que a parte interessada na suscitação cumpra o ónus de fazer consignar em acta a invocação oral da questão.
Já se constatou atrás que, no caso em apreço, nada foi consignado na acta de julgamento quanto a Ter sido feita tal invocação durante as alegações orais.
Porém, mesmo sendo assim, não pode deixar de entender-se que o Ministério Público suscitou durante as alegações orais a inconstitucionalidade de uma dada interpretação de certas normas: com efeito, é o próprio recorrido J... que, nas suas alegações apresentadas neste Tribunal reconhece expressamente
(fls. 7223) que o Ministério Público suscitara, nessa ocasião, uma tal questão. Não pode, assim, pôr-se em dúvida esse facto, embora o mesmo não surja demonstrado na acta de julgamento.
Mas, sendo assim, há que analisar os fundamentos invocados por J... para a inadmissibilidade do recurso interposto.
A este respeito, importa salientar que não é exacta a sua afirmação de que o recorrente não suscitara a inconstitucionalidade de qualquer norma. De facto, conforme se lê da transcrição de uma parte das alegações orais produzidas pelo magistrado do Ministério Público feita pelo próprio recorrido, é manifesto que se suscitou uma questão de constitucionalidade ao reverter a questão de constitucionalidade que vinha a ser suscitada pelos arguidos: inconstitucional seria a interpretação defendida pelos arguidos dos artigos 126º, n.º3 e 167º do CPP e 179º do CP/82, hoje, 199º do CP/95, e adoptada no acórdão do STJ.
Assim, concluindo-se que as alegações orais durante o julgamento da causa perante o STJ são ainda um momento em que qualquer das partes pode, atempadamente, suscitar uma questão de constitucionalidade, no caso dos autos foi uma tal questão suscitada durante o processo. A questão suscitada reporta-se a uma interpretação normativa dos artigos 126º, n.º3 e 167º do CPP e 179º do CP, lidos conjugadamente, e segundo a qual a prova obtida através das gravações feitas nos autos é nula e não pode ser atendida, interpretação que veio a ser aplicada na decisão e, segundo o Ministério Público junto do STJ, violadora dos artigos 32º, n.º8, 24º, n.º1, 25º e 27º, n.º1 da Constituição.
Compreendida deste modo a questão de constitucionalidade suscitada pelo Ministério Público, improcede a questão prévia levantada pelo recorrido J..., quanto à falta de pressupostos de admissibilidade do recurso.
6 - Quanto à alegada deserção do recurso, o recorrido J..., invocando as normas do processo civil aplicáveis ao recurso de constitucionalidade por força do artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional, entende que o recurso interposto pelo Ministério Público deve ser julgado deserto por as conclusões apresentadas pelo recorrente não conterem a indicação das normas jurídicas violadas nem o sentido com que deveriam Ter sido interpretadas e aplicadas.
O recurso deveria ainda ser considerado deserto por o Ministério Público recorrente nas alegações apresentadas neste Tribunal vir afinal a concordar com a decisão proferida.
Vejamos, começando por apreciar este segundo fundamento.
A disciplina processual do recurso de constitucionalidade em fiscalização concreta consta, em primeira linha, das normas da Lei nº 28/82 que lhe são próprias (artigos 70º e segs.) e, subsidiariamente, das normas do Código de Processo Civil, em especial as respeitantes ao recurso de apelação (artigo
69º da mesma Lei).
No que concerne às alegações de recurso, a Lei nº 28/82 dispõe apenas sobre prazos e sobre o local em que elas devem ser produzidas (artigo
79º).
Há-de, assim, buscar-se no Código de Processo Civil, com as devidas adaptações, a regulação de muitos outros aspectos relativos às alegações, designadamente aqueles que são disciplinados no artigo 690º do mesmo Código.
O ónus de alegar e formular conclusões, bem como as consequências do incumprimento ou do deficiente cumprimento desse ónus estão ali previstos, não se impondo, porém, ao Ministério Público quando o recurso é obrigatório.
Nenhuma especificidade se vislumbra no recurso de constitucionalidade que afaste esta regra, o que significa - e independentemente de quaisquer considerações dogmáticas sobre a questão de saber se, no caso, o Ministério Público age, ou não como parte (ele é, de todo o modo, recorrente) – que só nos casos de recurso por imposição da lei (previstos no artigo 72º nº 3 da LTC) o Ministério Público está liberto do ónus de produzir alegações e formular conclusões.
Sendo, no caso, o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC – e, logo, por não estar previsto no citado artigo 72º nº 3
– o Ministério Público encontra-se sujeito ao ónus de alegar e formular conclusões; a situação é em tudo idêntica à de qualquer outro recorrente.
A questão que, assim e desde logo se coloca, é a de saber se a peça apresentada pelo Ministério Público a fls. 7205 e segs. Se pode qualificar como de 'alegações' ou se, apresentadas formalmente como tal, elas devem equivaler à sua falta, pelo que substancialmente nelas se sustenta.
Um recurso concretiza a discordância do recorrente perante uma decisão e expressa-se, a final, por um pedido fundamentado ao tribunal 'ad quem' de revogação dessa decisão ou de substituição por uma outra no sentido propugnado pelo recorrente.
Alberto dos Reis, aderindo à jurisprudência que fazia equivaler a falta de alegações a apresentação de peça que se limitasse a oferecer o merecimento dos autos e comentando o artigo 690º do CPC, escreveu que 'o artigo teve em vista obrigar o recorrente a submeter expressamente à consideração superior as razões da sua discordância para com o julgado, ou melhor, os fundamentos por que o recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada para que o tribunal tome conhecimento delas e as aprecie '(Comentário ao Código de Processo Civil, vol. V, pág. 357).
No mesmo sentido, decidiu o Acórdão da Relação de Coimbra de
2/12/92, sumariado no BMJ nº 422, pág. 441: 'Alegar não é só apresentar um requerimento com a forma de alegação, mas sim atacar a decisão recorrida e dizer das razões por que se discorda dela, para serem apreciadas no tribunal superior'.
Ora, a situação no caso vai para além do que, por omissão de razões de impugnação, se considera – e bem – como falta de alegações; o que se produz como alegações é uma peça em que, expressamente, no seu texto e conclusivamente, se adere ao que se decidiu no acórdão recorrido.
Ou seja: aquilo que por essência são alegações de recurso, enquanto expressão e desenvolvimento de razões de discordância e de impugnação, está de todo ausente e é contrariado pelas alegações apresentadas pelo Ministério Público.
Trata-se de um caso em que a apresentação de alegações se deve substancialmente equiparar à sua falta, com os efeitos previstos no artigo 690º nº 3 do CPC.
A isto não poderá opor-se que a vontade impugnatória e a definição do objecto do recurso estão suficientemente expressas no requerimento de interposição formulado pelo Magistrado do MP junto do STJ e que a posição assumida nas alegações traduz apenas a divergência do Magistrado do MP junto deste Tribunal que as subscreveu.
Na verdade, recorrente é sempre o Ministério Público como instituição unitária, sendo irrelevante que, por força da tramitação própria do recurso de constitucionalidade, sejam diferentes os magistrados que subscrevem as duas peças.
Por outro lado, as exigências específicas do requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade (artigo 75º-A nºs 1 e 2 da LTC) não invalidam o que o legislador pretende com o ónus de alegar – desde logo a exposição e desenvolvimento das razões de impugnação – sendo certo que o próprio teor das conclusões, que devem constar das alegações e delas fazem parte integrante, podem restringir o objecto do recurso.
7 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, julga-se deserto o recurso por falta de alegações.
Lisboa, 4 de Julho de 2000 Artur Maurício Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida (vencido conforme declaração de voto que junto) Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa DECLARAÇÃO DE VOTO Não acompanhei a maioria que fez vencimento na parte em que atribuiu à apresentação, neste Tribunal, pelo Ministério Público, de alegações de sentido concordante com o acórdão do qual fora interposto recurso pela mesma entidade, o efeito de falta de alegações. Entendo que o Ministério Público não deverá ser tratado como 'parte', titular de direitos e interesses processualmente disponíveis, pois algum relevo se terá de reconhecer ao seu estatuto de defensor da legalidade democrática, sobretudo no contencioso da constitucionalidade, que, embora inserido, como é o caso, em processo de fiscalização por via incidental, continua a ser um contencioso de normas. O facto de o teor das alegações e conclusões apresentadas neste Tribunal ter inflectido o sentido que terá estado subjacente à interposição do recurso por diferente magistrado no tribunal a quo, não me parece ter o efeito de eliminar o objecto do recurso. Em minha opinião sempre poderia (e, provavelmente, deveria...) ser tido em conta, pelo menos, a título de expressão do dever de colaboração com o Tribunal na procura da solução mais adequada e juridicamente mais justa - o que é um dever de especial qualificação que impende sobre a magistratura do Ministério Público. Vítor Manuel Neves Nunes de Almeida