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Processo nº 248/97-A Conselheiro Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. C. M. vem reclamar do despacho do relator, de 21 de Março de 2000, que recaiu sobre três requerimentos por si apresentados, um, o de fls. 34, pedindo a concessão de apoio judiciário; outro, o de fls. 44, pedindo se 'declare nulo e de nenhum efeito' um aviso expedido pela secretaria; e o terceiro, o de fls. 46, pedindo o reenvio previsto no artigo 234º, 3º período, do Tratado da CE. Pede o reclamante que, 'eventualmente mediando decisão prejudicial na sede superior competente para interpretação do normativo jus-eurocomunitário adrede invocado', se revogue 'o ante decidido nos presentes autos, declarando isento de custas todo o processado'. Tal pedido alicerça-o o reclamante nas considerações seguintes: diz que, neste processo, está suscitada 'a questão da gratuitidade da justiça constitucional à luz do direito comunitário', pois esse é, 'claramente, o objectivo do requerimento de fls. 46'; e acrescenta que, por isso, não se pode 'pretender que o reclamante proceda – pagando as custas alegadamente indevidas! – em violação do próprio direito por si expressamente invocado, dele – de todo injustificadamente – abdicando: tem este Tribunal Constitucional, sim, que pronunciar-se - autónoma ou vinculadamente – sobre, mormente, a primacial questão – atinente a um direito fundamental: o processo judicial equitativo também porque gratuito – oportunamente suscitada nos presentes autos'.
2. O Ministério Público, ouvido sobre a reclamação, disse: Relativamente à reclamação ora deduzida, apenas cumpre singelamente fazer notar que:
- o presente traslado não constitui, em rigor, nenhum 'processo pendente', já que as questões suscitadas nos autos que o precederam se mostram definitivamente resolvidas, com a prolação dos acórdãos que as dirimiram e com a improcedência dos meios impugnatórios, legalmente admissíveis, que o reclamante então esgotou;
- não se suscita qualquer questão de aplicabilidade nos autos de normas de Direito Comunitário, relativamente às quais tenha sequer sentido convocar a aplicabilidade do recurso prejudicial – e do correspondente reenvio – já que manifestamente a matéria do processo constitucional não está prevista e regulada nos tratados que instituíram a CE.
- não constitui objecto idóneo de uma reclamação para a conferência a injustificada pretensão de que o Tribunal revogue e dê sem efeito acórdão anteriormente proferido nos autos – e com cuja prolação naturalmente se esgotou o poder jurisdicional.
3. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
4. Historiando o que nestes autos ocorreu, constata-se o seguinte:
(a). O Tribunal, pelo seu acórdão nº 572/97, indeferiu a reclamação apresentada pelo reclamante contra um despacho que não lhe admitiu um recurso por si interposto para este Tribunal; e condenou-o nas respectivas custas.
(b). Transitado em julgado aquele aresto, foi, em 31 de Outubro de 1997, elaborada a conta de custas, sendo, de seguida, o reclamante avisado para as pagar, o que ele não fez.
(c). O reclamante veio, antes, arguir a inconstitucionalidade das normas dos artigos 18º e 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 149-A/91, de 5 de Abril, e, simultaneamente, arguir 'a nulidade da remessa à conta do processo' neste Tribunal, por violação do artigo 50º do Código das Custas Judiciais.
(d). O relator, por despacho de 2 de Dezembro de 1997, indeferiu o requerimento apresentado. Para tanto, concluiu que aqueles normativos não padecem de inconstitucionalidade e que se não cometeu qualquer nulidade, uma vez que o referido artigo 50º não é aplicável nos recursos de constitucionalidade.
(e). Contra esse despacho do relator foi apresentada reclamação, que o Tribunal indeferiu, mantendo o despacho reclamado, pelo seu acórdão nº 542/99. Neste aresto, foi o reclamante novamente condenado em custas.
(f). De seguida, veio o reclamante pedir a remessa dos autos à Relação, a fim de que, aí, fossem extraídos efeitos da amnistia concedida pela Lei nº 29/99, de 12 de Maio.
(g). Esta pretensão foi, contudo, indeferida pelo relator (despacho de 11 de Novembro de 1999), uma vez que aquela amnistia nenhum efeito útil podia ter sobre o destino da reclamação, que já tinha sido indeferida, com trânsito em julgado, pelo citado acórdão nº 527/97.
(h). Sendo apresentada reclamação contra esse despacho, foi o mesmo confirmado pelo acórdão nº 691/99, que, contrariamente ao solicitado pelo reclamante, não declarou extinto o processo da reclamação, nem ordenou a baixa do mesmo à Relação para aplicação da amnistia; tão-pouco declarou a nulidade das condenações em custas proferidas nos autos; e voltou a condenar o reclamante em custas.
(i). O reclamante apresentou nova reclamação, desta vez invocando o artigo 669º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil e pedindo que se reformasse
'radicalmente – revogar, pura e simplesmente – o ante decidido em matéria de custas nos presentes autos', uma vez que - disse – o Decreto-Lei nº 303/98, de 7 de Outubro é inconstitucional, tal como o são os Decretos-Lei nº 387-A/83, de 5 de Abril, e 72-A/90, de 3 de Março.
(j). O Tribunal, então, considerando que 'o pedido de reforma da decisão quanto a custas' era 'pura reedição de questões já julgadas' e se fundamentava 'na pretensa inconstitucionalidade de diplomas legais que, neste processo, o Tribunal já decidiu não padecerem de tal vício'; sendo 'manifesto que, com aquele pedido de reforma, o que o reclamante pretende é ‘obstar ao cumprimento da decisão proferida [...] na reclamação’ e à consequente ‘baixa do processo’'; mandou, no acórdão nº 39/2000, extrair traslado, a fim de o incidente ser julgado depois de pagas as custas contadas no processo, e ordenou que, uma vez ele extraído, os autos fossem remetidos ao Tribunal da Relação.
(l). É, pois, no traslado que o reclamante apresenta, entretanto, três novos requerimentos: um, o de fls. 34, a pedir a concessão de apoio judiciário; outro, o de fls. 44, a pedir se declare nulo e de nenhum efeito o aviso relativo à conta de custas elaborada nos autos, em 10 de Fevereiro de 2000; outro, o de fls. 46, a pedir o reenvio previsto no artigo 234º, 3º período, do Tratado CE.
(m). É sobre estes requerimentos que incide o despacho ora reclamado, de 21 de Março de 2000, cujo teor é o seguinte: O Tribunal, por considerar que, com o pedido de reforma da decisão quanto a custas então apresentado, o que o reclamante pretendia era 'obstar ao cumprimento da decisão proferida [...] na reclamação' e à consequente 'baixa do processo', entendeu que havia que observar o que preceituam as disposições conjugadas do art. 720º do CPC e do art. 84º, nº 8, da LTC. E, por isso, no acórdão nº 39/2000, mandou extrair traslado de várias peças do processo, a fim de, uma vez pagas as custas contadas neste processo, se julgar aquele incidente. As custas foram, entretanto, contadas, mas não foram ainda pagas. Ora, enquanto tal pagamento se não verificar, não é possível emitir pronúncia sobre estes novos incidentes.
Pois bem: é contra o despacho acabado de transcrever que é apresentada esta reclamação, onde, recorda-se, se pede que 'eventualmente mediando decisão prejudicial na sede superior competente para interpretação do normativo jus-eurocomunitário adrede invocado', se revogue 'o ante decidido nos presentes autos, declarando isento de custas todo o processado'.
5. Como claramente resulta de tudo quanto se disse, é manifesto que se não está perante qualquer processo pendente. De facto, o processo a que respeita a questão das custas (ou seja, a questão de saber se nele são ou não devidas custas) é o processo de reclamação. Ora, tal processo já se não encontra neste Tribunal, pois que, indeferida a reclamação pelo acórdão nº 572/97, que transitou em julgado, foi, oportunamente, remetido ao Tribunal da Relação recorrido. Neste Tribunal, o que ficou foi um traslado, extraído daquele processo, a fim de ser julgado um incidente suscitado pelo reclamante depois do trânsito em julgado daquele acórdão nº 572/97. E foi nesse traslado que o reclamante veio, entretanto, suscitar vários outros incidentes. De resto, ainda que o acórdão 572/97, que decidiu a reclamação, não tivesse já antes transitado em julgado, sempre ele teria transitado de imediato, com a extracção do traslado. Sublinhou-se, na verdade, no acórdão nº 256/2000 (ainda por publicar):
[...] como decorre do que preceituam os artigos 720º do Código de Processo Civil e 84º, nº 8, da Lei do Tribunal Constitucional, apenas se manda tirar traslado com vista a só decidir um incidente suscitado depois da prolação da decisão uma vez pagas as custas, quando, com esse incidente, o requerente pretende evitar o cumprimento do julgado ou a baixa do processo, ou obstar ao trânsito em julgado da decisão proferida. E, por isso, verificando-se a situação prevista nos citados preceitos legais, tirado o traslado, o processo é imediatamente contado e remetido ao tribunal recorrido, já que a decisão proferida nos autos transita de imediato em julgado. As condenações em custas são, assim, definitivas [...]. Sendo isto assim – ou seja, não havendo neste Tribunal processo pendente no sentido do artigo 234º, 3º, do Tratado CE -, é manifesto que, no traslado, se não pode sequer colocar questão atinente à eventual aplicação de normas de direito comunitário. E, por isso, não faz qualquer sentido o pretendido reenvio do processo. Acresce que, achando-se definitivamente resolvida a questão das custas, nada mais há a decidir, pois o poder de cognição do Tribunal esgotou-se com as decisões proferidas anteriormente sobre a matéria. Quanto ao mais (isto é, quanto ao pedido de apoio judiciário de fls. 34 e da declaração de nulidade formulada a fls. 44), o Tribunal, tal como decidiu no acórdão nº 39/2000, só pode pronunciar-se, depois de pagas as custas contadas no processo. III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). indeferir a reclamação apresentada, confirmando o despacho reclamado;
(b). indeferir o pedido de reenvio do processo;
(c). condenar o reclamante nas custas com dez unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 21 de Junho de 2000 Messias Bento Bravo Serra José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa