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Processo n.º 372/12
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
A. recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro (LTC), do acórdão de 26 de abril de 2012 da Relação de Lisboa, pretendendo ver analisada as normas dos artigos 55º n.º 3, 63º n.º 2 e 73º n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), com a interpretação de que 'se considera que não é suscetível de recurso para o Tribunal da Relação o despacho judicial interlocutório que rejeita a impugnação judicial apresentada nos termos do artigo 55.º, n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações com fundamento em intempestividade ou outro vício de forma', norma que, no entendimento do recorrente, é inconstitucional por violação do artigo 32º n.º 10 da Constituição.
O recurso foi admitido na Relação de Lisboa mas, no Tribunal Constitucional, for proferida a Decisão Sumária n.º 287/2012 pela qual o relator decidiu julgar o recurso manifestamente improcedente.
Diz a decisão:
[...] 2. Apura-se que o recorrente impugnou, no Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, uma decisão interlocutória proferida na Comissão de Mercado de Valores Mobiliários no âmbito do procedimento que contra ele corre na CMVM. A impugnação foi, porém, rejeitada no referido tribunal por ser extemporânea, e é essa decisão judicial que o recorrente pretende impugnar na Relação de Lisboa. Todavia, o recurso foi rejeitado pelo acórdão aqui recorrido que, na parte que interessa considerar, sustenta o seguinte:
[...]4. Consultando o teor da presente reclamação, verifica-se que ela não contém qualquer fundamentação no sentido de pôr em causa a decisão sumária transcrita.
Na verdade, tal decisão sumária, de rejeição do recurso, por irrecorribilidade, teve por fundamento legal a aplicação das disposições conjugadas dos artºs. 55 n.º 3 e 73 nº 1 do RGCORD, considerando-se inaplicável o disposto no artº 63 nº 2 do RGCORD, por não se tratar de decisão final, que tivesse aplicado qualquer coima.
Como decorre do disposto no artº 55 nº 3 do RGCORD a decisão do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, que decidiu a impugnação da decisão interlocutória proferida pela CMVM, em última instância, é irrecorrível. (No mesmo sentido já se pronunciou este Tribunal e secção no âmbito do Pº 1182/112.1 TFLSB)
O reclamante não aduz um único argumento que abale o sentido da decisão reclamada.
Pugna, agora, o reclamante pela aplicabilidade do disposto no artº 399 do C.P.Penal, que prevê a regra geral de admissibilidade dos recursos.
Cremos, com o devido respeito, pela sem razão do reclamante, face ao disposto no artº 41.º n.º 1 do RGCORD.
Por último, sustenta o reclamante a inconstitucionalidade, por violação dos direitos de audição e defesa consagrados no n.º 10 do artº 32 da CRP, por entender oferecer o regime relativo ao processo de contraordenação, menos garantias quanto a tais direitos fundamentais.
Mas mais uma vez, sem razão.
Como é consabido, o ilícito contraordenacional e o ilícito criminal são realidades díspares, que têm, sistemas processuais distintos, sobretudo no que respeita aos direitos e garantias do arguido.
No mesmo sentido, assim tem decidido o Tribunal Constitucional, exemplificativamente, nos acórdãos n.ºs 99/2009, 405/2009, 643/2009 e 301/2011, perfilhando o entendimento de que: “ os princípios constitucionais próprios do processo criminal não são aplicáveis direta e globalmente aos processos de contraordenação; as garantias conferidas aos processos de contraordenação não são equivalentes ou equiparáveis às asseguradas no âmbito de um processo criminal.”
Concluindo, a decisão sumária de rejeição do recurso, por inadmissibilidade é de confirmar, desatendendo-se a presente reclamação, por não se basear em quaisquer fundamentos que ponham em causa aquela decisão. [...]
A Relação fundamentou a sua decisão na aplicação das disposições conjugadas dos artigos 55º n.º 3 e 73º n.º 1 do RGCO, razão pela qual o objeto do presente recurso se deverá circunscrever à norma, extraída destes dois preceitos, com o sentido de que não é suscetível de recurso para a Relação o despacho judicial interlocutório que rejeita a impugnação judicial apresentada nos termos do artigo 55º n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações com fundamento em intempestividade.
O recorrente entende que a norma é inconstitucional por violação do artigo 32º n.º 10 da Constituição. Mas sem qualquer razão.
Em primeiro lugar, deve fazer notar-se que é insindicável, no âmbito do presente recurso, a atividade puramente jurisdicional dos tribunais, designadamente as suas opções na seleção do direito que aplicam. É, por isso, errado pretender sindicar a opção do tribunal recorrido pela aplicação dos artigos 55º n.º 3 e 73º n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações num determinado sentido, por haver 'outra interpretação possível das normas indicadas e que permitiria ao recorrente o efetivo exercício do seu direito de defesa, a salvaguarda da igualdade de armas do arguido em processo penal em relação ao arguido em processo de contraordenação e do núcleo fundamental da recorribilidade das decisões jurisdicionais', conforme afirma o recorrente.
Depois, importará relembrar que o Tribunal Constitucional tem constantemente sublinhado a diferente natureza do ilícito contraordenacional, face ao ilícito penal, o que justifica que os princípios que orientam o direito e o processo penal não sejam automaticamente aplicáveis ao direito de mera ordenação social e ao procedimento em que o mesmo se desenvolve. É o que resulta, por exemplo, do Acórdão n.º 344/93 (publicado in Diário da República, IIª Série, de 11-08-1993), do Acórdão n.º 278/99 (disponível no site do Tribunal Constitucional) e do Acórdão n.º 160/04, que sublinhou a “diferença dos princípios jurídico-constitucionais que regem a legislação penal, por um lado, e aqueles a que se submetem as contraordenações”. Diferença, esta, que cobra expressão, designadamente, na natureza administrativa (e não jurisdicional) da entidade que aplica as sanções contraordenacionais”. A mais recente jurisprudência do Tribunal Constitucional, precisamente a propósito da aplicação de contraordenações pela CMVM, reafirmou essa orientação, conforme resulta, por exemplo, dos Acórdãos n.ºs 537/2011 e 85/2012 (disponíveis no site do Tribunal).
Face a esta jurisprudência, afigura-se manifesta a improcedência da questão colocada ao Tribunal no presente recurso, já que é de entender que o legislador goza de ampla margem de conformação na disciplina do procedimento contraordenacional, designadamente, na tipologia dos recursos que aí são admitidos.
Em suma, nada na Constituição vincula o legislador a prever um procedimento de recurso para a Relação, para efeito de poder ser impugnado o despacho proferido por um tribunal de 1ª instância, no âmbito do Regime Geral das Contraordenações.
3. É, assim, manifesta a improcedência do recurso, razão pela qual, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, se profere decisão sumária a negar-lhe provimento. [...]
2. Contra o assim decidido reclama o recorrente pretendendo, essencialmente, ver a decisão substituída por acórdão que determine o prosseguimento do recurso.
3. Tanto o representante do Ministério Público neste Tribunal, como a CMVM entendem, em resposta, que a reclamação é improcedente.
4. Sem vistos, vem o processo à conferência, para decisão.
O reclamante procura extrair da Constituição, mais precisamente do artigo 32º n.º 10 da Constituição, uma imposição segundo a qual o legislador deveria prever a possibilidade de recurso para a Relação de despacho interlocutório proferido no tribunal de 1ª instância judicial que rejeita a impugnação judicial apresentada nos termos do artigo 55.º, n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações com fundamento em intempestividade. Mas, tal como se tentou explicar na decisão sumária reclamada, o Tribunal tem entendido que o artigo 32º n.º 10 da Constituição não comporta um tal sentido. Com efeito, é de entender que o legislador goza de ampla margem de conformação na disciplina do procedimento contraordenacional, designadamente, na tipologia dos recursos que aí são admitidos.
É, assim, de manter o entendimento expresso na decisão sumária de que nada na Constituição vincula o legislador a prever um procedimento de recurso para a Relação, para efeito de poder ser impugnado o despacho interlocutório proferido por um tribunal de 1ª instância, no âmbito do Regime Geral das Contraordenações.
Aqui chegados, revelam-se irrelevantes os argumentos invocados pelo reclamante em sentido contrário.
5. Decide-se, em suma, indeferir a reclamação e confirmar a Decisão Sumária n.º 287/2012. Custas pelo reclamante, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 5 de julho de 2012.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.