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Proc. nº 825/98 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - J. Rb., com os sinais dos autos, vem arguir a nulidade do acórdão de fls. 103 e segs. com fundamento em nele se não ter conhecido, como era devido, (i) da amnistia decretada pela Lei nº 29/99 de 12 de Maio, que, abrangendo a contra-ordenação por que fora condenado, determinaria a extinção da instância, (ii) da arguida falsidade da acta de audiência de julgamento em 1ª instância e (iii) da inconstitucionalidade orgânica das normas actualmente vigentes que permitem a condenação em custas no Tribunal Constitucional.
O Exmo Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação, promovendo, ainda, a condenação do recorrente como litigante de má-fé.
Notificado para se pronunciar sobre esta última promoção, o reclamante nada disse.
Cumpre decidir.
2 – Antes de o Tribunal se pronunciar sobre a reclamação agora deduzida, importa salientar o percurso processual dos presentes autos. O recurso de constitucionalidade interposto pelo ora requerente deu entrada neste Tribunal em 27/7/98, vindo impugnado o acórdão da Relação de Coimbra que negou provimento à sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Cantanhede que condenara o requerente, por contra-ordenação, na multa de 21.900$00.
Concluso o processo ao relator em 18/9/98, em 21/9/98 foi proferido despacho convidando o recorrente a suprir a omissão (aliás, total) dos elementos que deveriam constar do requerimento de interposição do recurso nos termos do artigo 75º-A nºs 1 a 4 da Lei nº 28/82.
O recorrente supriu a omissão em requerimento apresentado no 3º dia posterior ao prazo para o efeito e, assim, com multa que foi oportunamente liquidada e paga.
Em 21 de Outubro seguinte, o relator proferiu decisão sumária de não admissão do recurso relativamente a algumas normas e de improvimento por manifesta falta de fundamento, quanto às restantes normas .
O recorrente reclamou para a conferência, arguindo a nulidade da decisão, por falta de audição prévia, e a falsidade da acta de audiência do julgamento em 1ª instância.
O requerimento deu entrada no 3º dia posterior ao prazo para o efeito, sendo liquidada e paga a multa devida.
Por acórdão de 16 de Dezembro seguinte, o Tribunal indeferiu a reclamação – a decisão não enfermava da nulidade arguida e não competia ao Tribunal Constitucional apreciar a falsidade invocada.
Em novo requerimento entrado em 22/1/99 (uma vez mais no 3º dia após o prazo para o efeito) o recorrente veio requerer a reforma daquele acórdão quanto a custas e, subsidiariamente, apoio judiciário na modalidade de isenção de custas; pediu, também, a remessa dos autos ao tribunal de 1ª instância para apreciação do incidente de falsidade.
Em 15/2/99 o recorrente apresenta outro requerimento pedindo:
a. a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa total do pagamento de preparos e custas; b. a dispensa do pagamento da multa prevista no artigo 145º nº 6 do CPC ou, em alternativa, a redução ao mínimo da mesma multa; c. subsidiariamente, o julgamento de inconstitucionalidade das normas actualmente em vigor que permitem ao Tribunal Constitucional a condenação em custas.
Por despacho do relator, de 4/3/99, foram indeferidos os pedidos de apoio judiciário e de redução da multa.
Por acórdão de 26/5/99, o Tribunal indeferiu o pedido de reforma quanto a custas e não conheceu do pedido relativo à aludida inconstitucionalidade de normas.
Em 17/6/99, é apresentada a presente reclamação nos termos supra referidos. Em 9/7/99, o recorrente apresenta um último requerimento, insurgindo-se contra a liquidação de multa nos termos do artigo 145º nº 5 do CPC que a Secção efectuara a propósito do requerimento de 17/6/99.
Por despacho de 3/11/99, deferiu-se o requerido quanto à liquidação da multa que, consequentemente, foi anulada.
3 - Cumpre, agora, decidir a arguição de nulidades do acórdão de 26/5/99.
Com o acórdão de 16/5/98 - que se pronunciou, como se deixou relatado, sobre reclamação da decisão sumária de 21/10/98 - ficou decidido o recurso de constitucionalidade interposto pelo ora reclamante.
A partir de então, como bem salienta o Exmo Magistrado do Ministério Público, a pendência dos autos tem resultado dos sucessivos requerimentos do reclamante respeitantes a custas.
O que agora o reclamante suscita, no que indirectamente concerne à sua condenação em 1ª instância pela prática de contra-ordenação, deriva do aproveitamento que pretende fazer da aludida pendência para, de novo, reverter
àquela condenação.
No que respeita à invocada amnistia, é patente que, à data em que a situação ficou definida (acórdão de 16/12/98), não fora, ainda publicada a Lei nº 29/99.
Transitada a decisão sobre o mérito do recurso de constitucionalidade, e sendo a condenação pelo cometimento da infracção contra-ordenacional definitiva à data da publicação daquela Lei, não há lugar à aplicação de uma causa extintiva do procedimento – a amnistia – quando este se encontra já extinto...
No que concerne à alegada falsidade da acta de audiência de julgamento em 1ª instância, já o Tribunal se pronunciou também no mesmo acórdão de 16/12/98, pronúncia que se encontra coberta por caso julgado.
Por último e quanto à invocada nulidade por não conhecimento da inconstitucionalidade das normas que actualmente permitem a condenação em custas no Tribunal Constitucional, a verdade é que – com ou sem erro de julgamento, mas seguramente sem 'omissão de pronúncia' – o Tribunal decidiu expressamente não conhecer da questão por não ter sido suscitada a tempo.
Isto significa que aquilo que o reclamante põe agora em causa é o próprio fundamento em que assentou o julgado, o que não é adequado à arguição de nulidade prevista no artigo 668º nº 1 alínea d) do CPC – sê-lo-ia ao recurso, se o houvesse...
Improcede, pois, a arguição de nulidades do acórdão de 26/5/99.
4 - A conduta processual do reclamante que, intencionalmente, se deixou supra relatada é um exemplo paradigmático do que não deve ser o uso dos meios impugnatórios que a lei põe à disposição das partes, desviando-os – como acertadamente diz o Exmo Magistrado do Ministério Público – 'deliberadamente da sua típica funcionalidade'.
Na verdade, os presentes autos 'arrastam-se' há cerca de ano e meio, quando o acórdão que decidiu, definitivamente, o recurso de constitucionalidade foi prolatado em 16/12/98, e sendo certo que isso se deve aos sucessivos requerimentos que o reclamante vem apresentando, todos eles – com excepção de um
– sem sucesso.
Não seria este facto – o malogro das pretensões – bastante para configurar uma litigância com dolo ou negligência grave.
Sucede, porém, que os fundamentos das repetidas impugnações são tais que necessariamente conduzem o Tribunal à convicção de que o ora reclamante não podia desconhecer o malogro a que estariam votados.
É, desde logo, o caso da arguição de nulidade por se não ter dado relevância a uma amnistia decretada muito depois de julgado o recurso de constitucionalidade por acórdão que apenas foi questionado em matéria de custas.
É, depois, o ressuscitar, agora em termos de nulidade, da questão da alegada falsidade da acta de audiência, já definitivamente decidida no acórdão de
16/12/98.
É, ainda, a questão da invocada inconstitucionalidade das normas relativas a custas no Tribunal Constitucional, agora igualmente 'convertida' em nulidade por omissão de pronúncia, quando seria claramente matéria de recurso e não de arguição de nulidade.
Por último não se deixa de evidenciar, como revelação dos termos em que o reclamante litiga, o reiterado aproveitamento da faculdade de apresentar peças processuais no 3º dia útil posterior ao termo do prazo, convertendo-se em prática 'normal', o que na lei se configura como uma medida excepcional; e, mais ainda, quando, obrigado ao pagamento da multa devida, pede, simultaneamente, o benefício de apoio judiciário por insuficiência económica...
Estas são, pois, razões suficientes para o Tribunal concluir que o reclamante faz um uso reprovável do processo, visando entorpecer a acção da justiça e litigando, assim, de má-fé (artigo 456º nº 2 alíneas a) e d) do CPC).
Afigura-se, por outro lado, que o mandatário do reclamante tem responsabilidade directa e pessoal nos actos por que se revelou a má-fé.
5 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se: a. Desatender a reclamação b. Condenar o reclamante, como litigante de má-fé, na multa de 10 Ucs; c. Dar conhecimento à Ordem dos Advogados da responsabilidade do mandatário do reclamante, nos termos do artigo 459º do CPC.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 2000 Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa