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Processo n.º 48/12
Plenário
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional
Relatório
Victor Manuel Bento Batista intentou neste Tribunal ação de impugnação das seguintes deliberações da Comissão Nacional de Jurisdição do Partido Socialista:
a) - Deliberação de 20 de outubro de 2010 que julgou nulas as deliberações tomadas, quer pela Comissão Organizadora do Congresso, quer pela Comissão Federativa de Jurisdição da Federação de Coimbra, relativas ao ato eleitoral realizado no dia 9 de outubro de 2010 para Presidente da Federação Distrital de Coimbra e para os Delegados ao Congresso da mesma Federação, por estarem feridas dos “vícios de usurpação de poderes e ausência de competências” (processo n.º 201/2010).
b) - Deliberação de 4 de abril de 2011 que indeferiu o pedido formulado pelo Recorrente de reforma da deliberação acima referida sob a alínea a), no sentido de ser emitida pronúncia sobre a validade ou regularidade do ato eleitoral ocorrido em 9 de outubro de 2010 (processo n.º 1/2011).
c) - Deliberação de 4 de abril de 2011 que indeferiu o pedido formulado pelo Recorrente de marcação de uma 2.ª volta, relativamente ao ato eleitoral ocorrido em 9 de outubro de 2010 para Presidente da Federação Distrital de Coimbra (processo n.º 5/2011).
d) - Deliberação de 14 de janeiro de 2012 que julgou improcedente o “recurso” da deliberação de 4 de abril de 2011 acima referida, proferida no processo n.º 1/2011.
e) - Deliberação de 14 de janeiro de 2012 que julgou improcedente o “recurso” da deliberação de 4 de abril de 2011 acima referida, proferida no processo n.º 5/2011.
O Partido Socialista contestou, suscitando a intempestividade da presente ação e a falta de interesse em agir do Autor, tendo concluído pela improcedência da impugnação.
Após resposta do Autor e concluídas as diligências instrutórias, foi proferido Acórdão (n.º 136/2012) que julgou improcedente a impugnação das deliberações acima referidas sob as alíneas c) e e) e não conheceu da impugnação da deliberação acima referida sob a alínea a), por ter sido deduzida extemporaneamente, e da impugnação das deliberações acima referidas sob as alíneas b) e d), por não integrarem a previsão do artigo 103.º - C, da LTC.
O Autor requereu esclarecimentos e reforma desta decisão e arguiu nulidades, o que foi indeferido por novo Acórdão (n.º 212/2012).
Simultaneamente com este requerimento, o Autor interpôs recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional do Acórdão n.º 136/2012, tendo apresentado alegações com as seguintes conclusões:
1 - Na presente ação de impugnação, as deliberações da CNJ do requerido elencadas e nela identificadas, foram impugnadas ao abrigo da 2ª parte do n.º 1 do artigo 103.º-D da LTC, por afetarem “direta e pessoalmente” o Autor nos “seus direitos de participação nas atividades do partido” e bem assim também, nos termos do n.º 2 da mesma disposição e com o fundamento em “...grave violação das regras essenciais relativas.., ao funcionamento democrático do partido”.
Ao assim não entender o Acórdão recorrido violou as disposições do art. 103.º- D, n.º 1 e 2 da LTC.
2 – As deliberações impugnadas violam os princípios da transparência e da participação do Autor na vida do partido, ao não lhe reconhecerem o direito ao contraditório e de igualdade das partes, no recurso referido na alínea E) da Matéria Assente, ferindo o disposto nos artigos 51.º, n.º 1 e 5, 18.º, n.º 2 e 20º., n.º 1 e 4 da CRP e artigo 3.º e 3.º-A do CPC, entre outros.
3 – O impugnante não foi notificado para responder ou contra alegar ou exercer o seu direito de defesa no recurso apresentado por Mário Ruivo, da deliberação da Comissão Federativa de Jurisdição de Coimbra, recurso este constante da Matéria Assente sobre a alínea E) do Acórdão recorrido, matéria esta, a qual se tem que dar como assente, até por expressa confissão.
4 - A deliberação de 14 de janeiro de 2012 (que renova a deliberação de 4 de abril de 2011), foi notificada ao Autor em 17 de janeiro de 2012 e foi impugnada em 23 de janeiro de 2012, como se vê da matéria assente do Acórdão recorrido, sendo inquestionável portanto, a sua tempestividade
5 - A deliberação de 14 de janeiro de 2012 da CNJ (que renova a deliberação de 4 de abril de 2011), cumpre o prazo de 5 dias estabelecido pelo n.º 4 do artigo 103.º-C, aplicável ex-vi do n.º 3 do art. 103.º-D, ambos da LTC, pelo que, relativamente a ela – e assim também as deliberações de 4.4.2011 da CNJ – a tempestividade da impugnação é evidente e óbvia. O douto Acórdão recorrido viola pois, entre outros, o disposto no n.º 4 do artigo 103.º-C e n.º 3 do art.º 103º-D da LTC.
6 – O Acórdão da CNJ de 20 de outubro de 2010, na data de 4 de fevereiro de 2011, ou seja, na data dos requerimentos referidos na alínea G) da Matéria Assente, não tinha transitado em julgado.
7 - É nulo tudo o que foi processado depois da petição inicial, no recurso constante da alínea E) da Matéria Assente, incluindo o Acórdão da CNJ de 20.10.10, porquanto o candidato contrainteressado, aqui impugnante, não foi nele citado ou notificado para responder ou exercer o direito de autodefesa.
8 – A omissão desta notificação, configura uma nulidade prevista no artigo 194.º, por violação do principio do contraditório, podendo ser arguida em qualquer estado do processo enquanto não deva considerar-se sanada, nos termos do artigo 204.º n.º 2 do CPC, pelo que a respetiva impugnação é tempestiva e por isso deverá ser conhecida pelo Tribunal Constitucional.
9 - O prazo para aferir da tempestividade da impugnação da deliberação de 14.01.2012 (que renova a deliberação de 4 de abril de 2011), não é o prazo de caducidade para intentar ação prevista no art. 103.º, n.º 1 da LTC, sobre a validade e regularidade do ato eleitoral, que se conta desde 20 de outubro de 2010 e em que se louva o Acórdão recorrido, mas sim é o prazo de cinco dias a contar da deliberação, que conheceu das arguidas nulidades, deliberação que foi tomada em 14 de janeiro de 2012 (que renova a deliberação de 4 de abril de 2011).
10 - A deliberação e Acórdão de 20 de outubro de 2010 da CNJ, não transitou em julgado, por dele ter havido recursos pendentes à data do processo 5/2011 e portanto, o mesmo é dizer, também, à data do processo 1/2011, ou seja, dos requerimentos referidos na alínea G) da Matéria Assente, pelo que à apreciação das deliberações, em sede de impugnação, não obsta, a pendência desse requerimento, aliás como se escreve no douto Acórdão relativamente à apreciação da questão da segunda volta do ato eleitoral – o requerimento é da mesma data.
A reconhecida tempestividade relativamente a um segmento de uma deliberação de 14 de janeiro de 2012 (segunda volta), terá também de ser reconhecida, pelas mesmas razões, relativamente ao outro segmento da outra deliberação de 14 de janeiro de 2012 (violação do princípio do contraditório).
11 - Sendo tomada, o que não se concede, a presente impugnação da deliberação de 14.01.2012 (que renova a deliberação de 04.04.2011), nos termos do art. 103.º-C da LTC, deve conhecer-se do pedido de reforma do Acórdão da CNJ de 20 de outubro de 2010, efetuado pelo requerimento referido na alínea G) da Matéria Assente, (autuado com o n.º 1/2011 e apenso ao Proc. 201/2010 da CNJ), decidindo-se que a CNJ se deve pronunciar “sobre a validade regularidade do ato eleitoral” e das normas declaradas violadas pela Comissão Federativa de Jurisdição e de forma a garantir-se o acesso do recorrente ao Tribunal Constitucional, previsto na alínea c) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 34º da Lei dos Partidos Políticos e do art. 20.º da CRP, todas assim violadas pelo Acórdão recorrido.
12 - O douto Acórdão ao não conhecer do pedido subsidiário formulado para que seja ordenado “... à Comissão Nacional de Jurisdição do Partido Socialista, que se pronuncie sobre a validade e regularidade do ato eleitoral ocorrido em 9 de outubro de 2010 para eleição do titular do cargo de Presidente da Federação Distrital de Coimbra...”, padece de omissão de pronúncia, o que fere de nulidade o Acórdão, nos termos da alínea d), do n.º 1 do art. 668º do CPC.
13 - Os Estatutos do recorrido distinguem, marcada, expressa e inequivocamente, entre o apuramento de uma maioria absoluta e uma maioria simples ou relativa, para que seja considerado eleito o candidato, distinção que só se alcança com a consideração dos votos em branco.
O Acórdão recorrido ao não considerar os votos em branco para o apuramento, viola inexoravelmente os n.º 6 e 7 do art. 19.º dos Estatutos.
14 - Ao contrário do que se escreve no douto Acórdão recorrido, não há “...dois sentidos interpretativos possíveis...” do texto do art. 19.º, n.º 6 dos Estatutos. Há só um. Só com a consideração dos votos brancos é possível verificar-se a existência da exigida maioria absoluta prevista no n.º 6 do art. 19.º dos Estatutos, disposição violada e também assim o artigo 2.º e n.º 2 e artigo 3.º da CRP, entre outros.
15 - O douto Acórdão recorrido viola os n.º 6 e 7 do art. 19.º dos Estatutos, artigos 3.º e 3.º-A, 194.º al. a), 204.º n.º 2, al. d) e 668.º n.º 1 do CPC, alínea c) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 34.º da Lei dos Partidos Políticos e artigos 18.º n.º 2, 20.º n.º 1 e 4 e 51.º n.º 1 e 5 da CRP, entre outros.
O Partido Socialista respondeu, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
Fundamentação
O presente recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional é restrito à matéria de direito (artigo 103.º - C, n.º 8, da LTC) e tem por objeto as questões suscitadas pelo Recorrente nas suas alegações.
1. Os factos provados
O Acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
I) O A., Victor Batista, é militante do Partido Socialista e foi candidato ao cargo de Presidente da Federação Distrital de Coimbra, na “eleição para Presidente da Federação Distrital de Coimbra e de Delegados ao XIV Congresso da Federação Distrital de Coimbra”.
II) No dia 09.10.2010 realizou-se o ato eleitoral, ao qual se apresentaram o aqui Autor (candidato “B”) e o candidato Mário Manuel Guedes Teixeira Ruivo (candidato“A).
III) Por entender que em várias assembleias de voto e no decurso do ato eleitoral se verificaram ilegalidades e irregularidades, o Autor reclamou das deliberações das assembleias eleitorais para a Comissão Organizadora do Congresso (COC), que, por deliberação de 13.10.2010, tomada por maioria, concedeu provimento parcial à mesma, mandando repetir o ato eleitoral em diversas Secções (cfr. Ata respetiva a fls. 17/21v. dos autos).
IV) Quer o A., quer o outro candidato, não se conformaram com a decisão da COC e ambos interpuseram recursos para a Comissão Federativa de Jurisdição da Federação de Coimbra, que, por deliberação de 16.10.2010, decidiu revogar parte das deliberações da COC e manter outras, reconhecendo razão ao aqui Autor. (doc. fls. 22/29v. dos autos).
V) Inconformado com esta decisão, o candidato Mário Ruivo interpôs recurso para a Comissão Nacional de Jurisdição do PS que, por acórdão de 20.10.2010, proferido no processo n.º 201/2010, considerou que as deliberações tomadas pela COC eram nulas por “usurpação da competência das Mesas Eleitorais”, por se terem pronunciado sobre questões que não tinham previamente sido analisadas pelas Mesas Eleitorais assim como era nula a deliberação da Comissão Federativa de Jurisdição que “apreciou um recurso que não existia”, tendo, em consequência, concedido provimento ao recurso, anulando a deliberação da Comissão Federativa de Jurisdição.
VI) O acórdão de 20.10.2010 não foi notificado ao aqui A. (ponto 19. da contestação do PS, a fls. 105 dos autos).
VII) Por requerimento entrado em 04.02.2011 (que foi autuado com o n.º 1/2011 e apenso ao citado processo 201/2010), o Autor requereu à Comissão Nacional de Jurisdição a reforma do acórdão de 20.10.2010 e que o mesmo fosse considerado nulo «por violação do princípio do contraditório, devendo notificar-se o candidato e contrainteressado Victor Manuel Bento Batista, para contra-alegar no recurso interposto por Mário Ruivo da deliberação de 16 de outubro da Comissão Federativa de Jurisdição de Coimbra» e, ainda, que fosse proferido «novo Acórdão que conheça da substância da validade e regularidade do ato eleitoral» (doc. fls. 60/64v. dos autos e ponto 13. da contestação do PS).
VIII) Em 23.02.2011, o A. dirigiu outro requerimento ao Presidente da CNJ, que foi autuado com o n.º 5/2011, no qual requeria que esta Comissão deliberasse que «no ato eleitoral para eleição do Presidente da Federação Distrital de Coimbra, ocorrido em 9 de outubro de 2010, não se verificou a “maioria absoluta dos votos expressos” (doc. fls. 146/153 e ponto 13. da contestação do PS).
IX) Por acórdão de 04.04.2011, a CNJ decidiu julgar improcedentes os supra referidos requerimentos do A., autuados com os n.ºs 1/2011 e 5/2011 (docs. fls. 154/164).
X) Por carta de 06.04.2011, o A. foi notificado, pelo Presidente da CNJ, nos seguintes termos: «(…) venho notificá-lo do Despacho no processo 1/2011 apenso ao 201/2010 e Relatório 5/2011 desta Comissão, proferidos no dia 4 do corrente dos quais junto cópias» (docs. fls. 65/68).
XI) Em 04.05.2011, invocando que apenas fora notificado do despacho e relatório referidos em J), mas não fora notificado do acórdão mencionado em I), o A. dirigiu novo requerimento ao Presidente da CNJ do PS, pedindo que fosse convocada a CNJ para deliberar e proferir acórdão sobre o peticionado no seu requerimento referido em H), autuado no citado proc. n.º 5/2011 (doc. fls. 69/70).
XII) Por acórdão de 14.01.2012, proferido no processo 1/2011, a CNJ julgou improcedente este “recurso”, considerando que este não é parte no processo 201/2010, cujo acórdão foi proferido em 20.10.2010, e que, como tal, o acórdão proferido em 04.04.2011 não deve ser revogado (doc. fls. 72/75v.).
XIII) Pelo mesmo acórdão de 14.01.2012, a CNJ negou provimento ao “recurso”apresentado no processo 5/2011, indeferindo o pedido do impugnante de realização de uma segunda volta das eleições (cfr. doc. fls. 183/187).
XIV) Por carta de 16.01.2012, recebida em 17.01.2012, o A. foi notificado das deliberações constantes do acórdão de 14.01.2012, referidas em M) e N) (docs. fls. 71 e 212).
XV) Por requerimentos de 17.01.2012, apresentados ao Presidente do CNJ, nos processos 1/2011 e 5/2011, o A. arguiu a “nulidade de notificação” do acórdão de 04.04.2011 (docs. fls. 195/198 e 199/202).
XVI) A presente ação deu entrada em 23.01.2012 (cfr. carimbo aposto a fls. 2).
2. Da nulidade do Acórdão recorrido
O Recorrente arguiu a nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia, alegando, por um lado, que esta não inseriu na matéria de facto que considerou provada a falta de notificação do Recorrente para intervir no recurso interposto por Mário Manuel Ruivo da deliberação da Comissão Federativa de Jurisdição de Coimbra proferida em 16 de outubro de 2010 e, por outro lado, que não conheceu do pedido subsidiário deduzido na petição de impugnação, em que se requereu que se ordenasse à Comissão Nacional de Jurisdição do Partido Socialista que se pronunciasse sobre a validade e regularidade do ato eleitoral ocorrido em 9 de outubro de 2010 para eleição do titular do cargo de Presidente da Federação Distrital de Coimbra e para os Delegados ao Congresso da mesma Federação.
Relativamente à primeira omissão apontada, verifica-se que a consideração do facto em causa só era relevante para o conhecimento do mérito da impugnação das deliberações acima referidas sob as alíneas a), b) e d). Como o acórdão recorrido decidiu não conhecer da impugnação dessas deliberações não tinha o dever de se pronunciar sobre a prova desse facto, pelo que a omissão apontada não constitui nulidade por omissão de pronúncia sobre questão que devesse conhecer.
Quanto à segunda omissão invocada há que ter presente que o referido pedido subsidiário se inseria no âmbito da impugnação da deliberação da Comissão Nacional de Jurisdição do Partido Socialista de 20 de outubro de 2010, acima referida sob a alínea a). Tendo o Acórdão recorrido decidido não conhecer do mérito desta impugnação, por ter considerado que ela foi extemporânea, esta pronúncia abrangeu o referido pedido subsidiário, pelo que não se verifica a omissão alegada pelo Recorrente.
3. Do não conhecimento da impugnação relativa à deliberação acima referida sob a alínea a)
O Acórdão recorrido não tomou conhecimento da impugnação da deliberação da Comissão Nacional de Jurisdição do Partido Socialista de 20 de outubro de 2010, que julgou nulas as deliberações tomadas, quer pela Comissão Organizadora do Congresso, quer pela Comissão Federativa de Jurisdição da Federação de Coimbra, relativas ao ato eleitoral realizado no dia 9 de outubro de 2010 para Presidente da Federação Distrital de Coimbra e para os Delegados ao Congresso da mesma Federação, com o fundamento de que a impugnação tinha sido deduzida muito para além do prazo de caducidade estabelecido no artigo 103.º-C, n.º 4, da LTC.
O Recorrente vem alegar que, tendo essa deliberação sido impugnada por recursos posteriores, a mesma não transitou em julgado, pelo que só a partir da notificação da última deliberação confirmatória que foi efetuada em 17 de janeiro de 2012 é que se iniciou a contagem do prazo de 5 dias previsto no referido artigo 103.º-C, n.º 1, da LTC.
Se é certo que a deliberação tomada pela Comissão Nacional de Jurisdição do Partido Socialista em 14 de janeiro de 2012, acima referida em d), confirmou a deliberação tomada pela mesma Comissão em 4 de abril de 2011, acima referida em b), procedendo a uma reapreciação da mesma questão, já o mesmo não se pode dizer relativamente à deliberação tomada em 20 de outubro de 2010, uma vez que aquelas duas deliberações limitaram-se a apreciar a arguição de nulidades desta última, não reapreciando a questão que havia sido objeto de decisão.
O prazo de 5 dias para impugnação no Tribunal Constitucional das deliberações partidárias visa evitar o protelamento da dúvida quanto à solução jurídica de controvérsias intrapartidárias, exigindo uma intervenção rápida deste Tribunal. Por isso, não é admissível que o início da contagem desse prazo possa aguardar o desfecho de incidentes pós-decisórios suscitados nas instâncias partidárias, nomeadamente a arguição de nulidades, podendo estas serem invocadas no recurso a interpor para o Tribunal Constitucional.
Por esta razão, o facto do Recorrente ter requerido em 4 de fevereiro de 2011 a reforma de deliberação tomada em 20 de outubro de 2010, arguindo a existência de nulidades, não tem como consequência o renascimento da contagem do prazo previsto no n.º 4, do artigo 103.º-C, da LTC, a partir do momento em que seja notificada a decisão que indefere aquela arguição, tendo esse prazo de caducidade sido definitivamente ultrapassado a partir do momento em que decorreram cinco dias após o momento em que o Recorrente teve conhecimento daquela deliberação.
Em todo o caso, mesmo que se considerasse, por mera hipótese de raciocínio, que a deliberação tomada em 14 de janeiro de 2012 e notificada em 17 do mesmo mês, era confirmatória da deliberação tomada em 20 de outubro de 2010, só aquela deliberação podia ser impugnada perante o Tribunal Constitucional, uma vez que só as decisões definitivas proferidas nas estruturas partidárias podem ser objeto de apreciação por este Tribunal, conforme resulta do disposto no artigo 103.º-C, n.º 3, da LTC.
Pelo exposto se verifica que o Tribunal Constitucional não podia tomar conhecimento da impugnação da deliberação da Comissão Nacional de Jurisdição do Partido Socialista de 20 de outubro de 2010.
4. Do não conhecimento da impugnação relativa às deliberações acima referidas sob as alíneas b) e d)
O Acórdão recorrido não tomou conhecimento da impugnação das deliberações da Comissão Nacional de Jurisdição do Partido Socialista, tomadas em 4 de abril de 2011 e 14 de janeiro de 2012, acima referidas sob as alíneas b) e d), respetivamente, com fundamento em que as mesmas não integravam a previsão do artigo 103.º-C, da LTC.
O Recorrente alega que deduziu a presente impugnação ao abrigo da previsão do artigo 103.º-D, o qual, na sua ótica, permite a impugnação deste tipo de deliberações.
Previamente, convém referir que, tendo a deliberação tomada em 14 de janeiro de 2012 confirmado a deliberação de 4 de abril de 2011, apenas aquela é impugnável para o Tribunal Constitucional, uma vez que é ela a decisão definitiva proferida no interior do partido.
Quanto ao argumento do Recorrente, é verdade que este, no introito do requerimento impugnatório, referiu que vinha “impugnar as deliberações da Comissão Nacional de Jurisdição do Partido Socialista, com sede no Largo do Rato n.º 2, 1269-143, Lisboa, e tomadas em suas reuniões de 20 de outubro de 2010 (Doc. n.º 3), de 4 de abril de 2011 e 14 de janeiro de 2012 (Doc. n.º 8), deliberações estas relativas ao ato eleitoral acima referido e por afetarem direta e pessoalmente os seus direitos de participação nas atividades do partido e bem assim por grave violação de regras essenciais do seu funcionamento democrático, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-C e n.º 1 e 2 do artigo 103-D, da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro, nos termos e com as condições seguintes”.
Nesta referência conjunta aos artigos 103.º-C e 103.º-D, da LTC, o Recorrente não discriminou, relativamente a cada deliberação, em qual destes preceitos enquadrava a respetiva impugnação, nomeadamente que as deliberações acima referidas sob as alíneas b) e d) eram impugnadas ao abrigo da previsão do artigo 103.º-D, n.º 1 e 2, da LTC.
Mas, mesmo admitindo que o Tribunal poderia oficiosamente efetuar essa qualificação, a impugnação destas deliberações não podia ser conhecida.
Na verdade, os n.º 1 e 2, do artigo 103.º-D, da LTC, preveem o seguinte:
“1. Qualquer militante de um partido político pode impugnar, com fundamento em ilegalidade ou violação de regra estatuária, as decisões punitivas dos respetivos órgãos partidários, tomadas em processo disciplinar em que seja arguido, e bem assim as deliberações dos mesmos órgãos que afetem direta e pessoalmente os seus direitos de participação nas atividades do partido.
2. Pode ainda qualquer militante impugnar as deliberações dos órgãos partidários com fundamento em grave violação de regras essenciais relativas à competência ou ao funcionamento democrático do partido.”
Ora, a deliberação proferida pela Comissão Nacional de Jurisdição do Partido Socialista em 14 de janeiro de 2012 que confirmou a deliberação tomada pelo mesmo órgão em 4 de abril de 2011, acima referidas sob as alíneas d) e b), respetivamente, limitou-se a indeferir um pedido formulado pelo Recorrente de reforma de uma anterior deliberação (a de 20 de outubro de 2010), no sentido de ser emitida pronúncia sobre a validade ou regularidade do ato eleitoral ocorrido em 9 de outubro de 2010, com fundamento na inexistência de nulidades quer no processo que conduziu àquela deliberação (falta de audição de interessado), quer na própria deliberação (omissão de pronúncia).
A deliberação em causa reconduz-se, pois, a uma simples decisão de indeferimento duma arguição de nulidades referente a uma anterior deliberação do mesmo órgão com competências jurisdicionais no interior do partido, tendo, pois, apenas um conteúdo de verificação da regularidade de uma determinada tramitação processual, pelo que não estamos perante uma decisão punitiva, tomada em processo disciplinar, nem perante uma decisão que afete direta e pessoalmente os direitos de participação nas actividades do partido, nem que se possa traduzir numa violação das regras essenciais relativas à competência ou ao funcionamento democrático do partido.
Não se integrando a deliberação em causa em nenhum dos tipos de deliberações que admitem recurso para o Tribunal Constitucional, não podia a respetiva impugnação ser conhecida.
5. Da impugnação relativa às deliberações acima referidas sob as alíneas c) e e)
O Recorrente impugnou a deliberação da Comissão Nacional de Jurisdição do Partido Socialista tomada em 14 de janeiro de 2012 que confirmou a deliberação tomada em 4 de abril de 2011, acima referidas sob as alíneas e) e c), respetivamente, que indeferiu o pedido de marcação de uma 2.ª volta, relativamente ao ato eleitoral ocorrido em 9 de outubro de 2010 para Presidente da Federação Distrital de Coimbra.
Alegou que na 1.ª volta das referidas eleições nenhum candidato obteve a maioria absoluta dos votos expressos, uma vez que dos dois candidatos existentes, o vencedor apenas teve mais dois votos que o Recorrente, tendo-se registado 29 votos brancos, pelo que o disposto nos n.º 6 e 7 do artigo 19.º, dos Estatutos do Partido Socialista, impunham a realização de uma 2.ª volta.
Antes de mais, convém referir que, também neste caso, tendo a deliberação tomada em 14 de janeiro de 2012 confirmado a deliberação tomada em 4 de abril de 2011, apenas aquela é impugnável para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 103.º-C, da LTC, uma vez que é ela a decisão definitiva proferida pelos órgãos partidários.
O Acórdão recorrido sustentou que “no caso vertente, a interpretação adotada é perfeitamente compatível com o enunciado da norma estatutária pertinente (constante do artigo 19.º, n.º 6, dos Estatutos do PS).”
Defende agora o Recorrente que o disposto no artigo 19.º, dos Estatutos do Partido Socialista, não comporta a possibilidade da interpretação efetuada pela deliberação impugnada, pelo que o Tribunal Constitucional não deveria permitir tão flagrante violação dos Estatutos. Nesse sentido, argumenta que a utilização da expressão “maioria dos votos expressos”, em relação aos resultados da segunda volta, em contraposição com a utilização da expressão “maioria absoluta dos votos expressos” para os resultados da 1.ª volta, manifesta, sem sombra de dúvidas, que os votos em branco foram considerados pelo legislador estatutário como votos expressos.
Efetivamente, dispõem os n.º 6 e 7, do artigo 19.º, dos Estatutos do Partido Socialista o seguinte:
“6. Nas eleições por sistema maioritário, considera-se eleita a lista ou candidato que obtenham a maioria absoluta dos votos dos membros em efetividade de funções do órgão competente para a eleição, ou a maioria absoluta dos votos expressos em eleição direta.
7. Quando não se verifique na primeira volta a maioria referida no número anterior, realiza-se uma segunda volta entre as duas listas ou os dois candidatos mais votados, sendo então eleita a lista ou o candidato que obtiver a maioria dos votos expressos”.
Uma polémica sobre a relevância dos votos em branco num sistema de eleições maioritário com 2.ª volta já se verificou em Portugal com o regime das eleições para a Presidência da República, quando a Constituição, na sua redação original, apenas previa que seria eleito “o candidato que obtiver mais de metade dos votos validamente expressos”. A Revisão Constitucional de 1982 pôs termo a essa discussão, inserindo na Constituição (artigo 126.º, n.º 1) a menção expressa que os votos em branco não se consideravam votos validamente expressos para aquele efeito.
A redação dos Estatutos do Partido Socialista ao falar apenas de “votos expressos”, manteve o termo que permite ao intérprete excluir os votos em branco no apuramento da maioria absoluta, uma vez que pode ser entendido que o voto em branco não exprime qualquer preferência do eleitor, não sendo esta interpretação posta em causa pela diferente designação da maioria necessária à eleição na 1.ª e na 2.ª voltas adoptada nos n.º 6 e 7, dos Estatutos, uma vez que na 2.ª volta apenas são concorrentes, necessariamente, dois candidatos.
Ora, como se disse na decisão recorrida ao Tribunal Constitucional “apenas lhe incumbe sindicar a conformidade com os estatutos partidários e com a lei da interpretação adotada pelo órgão que detém a competência interna para se pronunciar em última instância sobre a validade e regularidade do ato eleitoral”.
Este juízo de conformidade é aquele que apenas apura se uma interpretação dos Estatutos efetuada pelo órgão partidário competente é compatível com os elementos interpretativos disponíveis, designadamente com a letra do preceito estatutário.
Não se verificando que a interpretação adotada pela Comissão Nacional de Jurisdição do Partido Socialista contrarie o disposto nos Estatutos do Partido Socialista, nem que afronte qualquer disposição legal ou princípio democrático a que obedecem as eleições para os órgãos dos partidos políticos, revela-se acertada a decisão de julgar improcedente a impugnação da deliberação da Comissão Nacional de Jurisdição do Partido Socialista de 14 de janeiro de 2012, acima referida em e).
6. Conclusão
Improcedendo todos os fundamentos do recurso interposto para o Plenário do Tribunal Constitucional deve ser-lhe negado provimento.
Decisão
Pelo exposto nega-se provimento ao recurso interposto para o Plenário do Tribunal Constitucional por Victor Manuel Bento Batista.
Lisboa, 30 de maio de 2012.- João Cura Mariano – Ana Maria Guerra Martins – Catarina Sarmento e Castro – Joaquim de Sousa Ribeiro – Vítor Gomes – Carlos Pamplona de Oliveira – Maria Lúcia Amaral – J. Cunha Barbosa – Maria João Antunes – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão – Rui Manuel Moura Ramos.