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Processo nº 68/00 Plenário Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
1. O Provedor de Justiça, 'no uso da sua competência prevista no artº. 282º, nº
2, d), da Constituição da República Portuguesa', doravante CRP, veio 'requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade de todas as normas da portaria nº 7/99, de 11 de Fevereiro, do Governo Regional dos Açores, por violação do disposto no artº. 112º, nº 8, da CRP' (diploma que aprovou as tabelas de preços a praticar pelo Serviço Regional de Saúde),pedindo que seja declarada a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de todas elas, com o fundamento essencial de que tal Portaria incorre num vício de inconstitucionalidade formal, por violação do artigo 112º, nº 8, da CRP, uma vez que ela não indica o acto legislativo habilitante da sua emissão.
2. Notificado pelo Presidente do Tribunal, nos termos e para os efeitos dos artigos 54º, 55º, nº 3, e 56º, nº 4, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o Presidente do Governo Regional dos Açores veio responder o seguinte:
- a Portaria nº 7/99, de 11 de Fevereiro, foi revogada em 20 de Março, por via da Portaria nº 23/2000, publicada no Jornal Oficial, I Série, nº 13, de 30 de Março;
- a nova Portaria, como consta do respectivo preâmbulo, foi aprovada ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 30º do Decreto Legislativo Regional nº 28/99/A, de
31 de Julho, que aprovou o Estatuto do Serviço Regional de Saúde nos Açores;
- não existe interesse no conhecimento do presente pedido de declaração de inconstitucionalidade pois que o Tribunal, se acaso concluísse pela inconstitucionalidade, sempre haveria de limitar os efeitos dessa pronúncia nos termos do nº 4 do artigo 282º da CRP;
- essa limitação de efeitos decorreria de razões de segurança jurídica e também de razões de interesse público, já que '(...) seria totalmente insustentável exigir à Região, em consequência da hipotética declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da Portaria nº 7/99, de 11 de Fevereiro, a restituição das importâncias percebidas, pois tal acarretaria enormes prejuízos à Região Autónoma dos Açores, a qual é prestadora de serviço público essencial na área da saúde, e até importaria, consequentemente, a abertura de um moroso e custoso processo administrativo de devolução de importâncias pagas'.
3. Apresentado memorando, nos termos do disposto no artigo 63º, nº 1, da Lei nº
28/82, na redacção do artigo 1º, da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, foi fixada a orientação deste Plenário, havendo agora que formatar a decisão.
4. É facto que a Portaria 7/99, objecto do presente pedido, foi expressamente revogada pelo nº 3 da Portaria nº 23/2000, de 30 de Março, do Governo Regional dos Açores (Secretaria Regional da Educação e Assuntos Sociais). Encontrando-se, assim, revogado o diploma sobre que incide o presente pedido de fiscalização abstracta da constitucionalidade, abrangendo todas as suas normas, coloca-se o problema de utilidade do seu conhecimento. De harmonia com reiterada jurisprudência do Tribunal, recentemente reafirmada no acórdão nº 98/2000, publicado no Diário da República, II Série, nº 76, de 30 de Março de 2000, e como se sabe, a circunstância de a norma sub judice se encontrar revogada não é suficiente, por si só, para se deixar de conhecer do pedido de fiscalização abstracta sucessiva de constitucionalidade (ou de legalidade) - e nomeadamente para concluir pela inutilidade desse conhecimento
(cf., desde logo, o acórdão nº 17/83, Acórdãos, 1º vol., pp. 93ss.). No entanto – e como também é jurisprudência conhecida do Tribunal – não basta que a norma já revogada haja produzido um qualquer efeito, para que tenha de entrar-se na apreciação do pedido da sua declaração de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade) com força obrigatória geral (neste sentido, cf., entre outros, o Acórdão nº 116/97,Acórdãos, 36º vol., págs. 79 ss.). Para tanto, é necessário que tal apreciação se revista de um interesse jurídico relevante . Como se escreveu, a este propósito, no Acórdão nº 238/88 (Acórdãos, 12º vol., págs. 282 ss.): 'há-de (...) tratar-se de um interesse com ‘conteúdo prático apreciável’, pois, sendo razoável que se observe aqui um princípio de adequação e proporcionalidade, ‘seria inadequado e desproporcionado accionar um mecanismo de índole genérica e abstracta, como é a declaração de inconstitucionalidade’
[ou de ilegalidade] (...) para eliminar efeitos eventualmente produzidos que sejam constitucionalmente pouco relevantes ou que possam facilmente ser removidos de outro modo'. 'Por conseguinte, estando em causa normas revogadas, a declaração de inconstitucionalidade [ou de ilegalidade], com força obrigatória geral, só deverá ter lugar - ao menos em princípio - quando for evidente a sua indispensabilidade' - afirmou-se ainda nesse Acórdão (no mesmo sentido, cf., por exemplo, o Acórdão nº 465/91,Acórdãos, 20º vol., págs. 285 ss.). Por outro lado, e de todo o modo, é ainda jurisprudência conhecida do Tribunal que não existe um interesse jurídico relevante - um interesse prático apreciável
- no conhecimento do pedido quando a situação for tal que, no caso de uma eventual declaração de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade), os seus efeitos sempre viriam a ser limitados, nos termos do disposto no nº 4 do artigo
282º da CRP (vejam-se, por exemplo, os arestos identificados no citado acórdão nº 98/2000). Ora, à luz desta orientação jurisprudencial, bem firmada, afigura-se claro que não deve conhecer-se do pedido formulado no presente processo, em razão da sua inutilidade superveniente. E isso justamente porque uma eventual declaração de inconstitucionalidade, que nele viesse a ser proferida, seria desprovida de quaisquer efeitos. É que, como está bem de ver, encontramo-nos perante um daqueles casos em que se justificaria uma limitação dos efeitos da inconstitucionalidade. Impô-lo-iam, indubitavelmente, razões de 'interesse público de excepcional relevo' - e, de algum modo, razões de 'segurança jurídica' - que bem justificariam a utilização, por parte do Tribunal, dessa faculdade (artigo 282º, nº 4, da CRP).
É que, de outro modo, teríamos a reabertura de centenas ou mesmo milhares de processos administrativos, com vista a reanalisar todas situações de pagamentos efectuados pela prestação de cuidados de saúde no âmbito das diversas rubricas previstas pela Portaria nº 7/99: diárias de internamento, diárias em hospital de dia, consultas, urgências, serviço domiciliário e meios auxiliares de diagnóstico e outros actos. Uma declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex tunc traria indubitavelmente uma grave perturbação do funcionamento do serviços administrativos e financeiros do sistema de saúde da Região Autónomo dos Açores, que seriam obrigados a reponderar todas as cobranças efectuadas. Além do mais, implicaria certamente um dispêndio significativo - e inesperado - de recursos, com vista à restituição de importâncias pagas pelos utentes dos subsistemas de saúde nos termos da tabela de preço aprovada pela Portaria nº 7/99 (cfr. sobre tais razões o recente acórdão nº 254/2000, publicado no Diário da República, I Série-A, nº 119, de 23 de Maio). Nestes termos, sempre haveria o Tribunal de limitar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. E, assim, perdem interesse o conhecimento e a apreciação do pedido.
5. Termos em que, DECIDINDO, não se toma conhecimento do pedido, por inutilidade superveniente. Lisboa, 28 de Junho de 2000 Guilherme da Fonseca Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Bravo Serra Messias Bento José Manuel Cardoso da Costa