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Proc. nº 174/2000
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
I Relatório
1. Na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 345/99, de 15 de Junho, que decidiu julgar inconstitucional a norma do artigo 15º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho (preceito que estabelece que 'no Supremo Tribunal Administrativo e no Tribunal Central Administrativo o representante do Ministério Público a quem, no processo, esteja confiada a defesa da legalidade assiste às sessões de julgamento e é ouvido na discussão'), por violação do disposto no artigo 20º, nº 4, da Constituição, o Supremo Tribunal Administrativo proferiu o acórdão de 3 de Novembro de 1999, sem a presença na respectiva sessão do representante do Ministério Público. Nesse aresto fez-se referência ao parecer emitido pelo magistrado do Ministério Público e decidiu-se no sentido acolhido no acórdão revogado pelo mencionado Acórdão nº 345/99.
J. L. interpôs recurso de constitucionalidade do acórdão de 3 de Novembro de 1999, ao abrigo das alíneas b) e g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, submetendo à apreciação do Tribunal Constitucional a norma contida no artigo 15º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. No requerimento de interposição do recurso o recorrente afirma que o Supremo Tribunal Administrativo, 'na medida em que decalca' no acórdão de 3 de Novembro de 1999 o acórdão anteriormente proferido e revogado pelo Tribunal Constitucional, 'recupera a fundamentação e a decisão obtidas com o concurso do agente do Ministério Público', reincidindo 'na inconstitucionalidade apontada'. O recorrente afirma ainda que devia ter sido notificado do parecer do Ministério Público proferido a fls. 101 e 102.
O recurso de constitucionalidade não foi admitido, por despacho de 7 de Janeiro de 2000. Nesse despacho, afirmou-se que a única questão apreciada pelo Tribunal Constitucional foi a conformidade à Constituição do artigo 15º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (preceito relativo à presença do Ministério Público nas sessões) e não a conformidade à Constituição do artigo
27º, alínea c), do mesmo diploma (ao abrigo do qual foi emitido o parecer de fls. 101 e 102). Uma vez que o Ministério Público não esteve presente na sessão de julgamento, concluiu-se no despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade que não foi aplicada norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo ou norma anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
2. J. L. reclamou do despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade, ao abrigo dos artigos 76º, nº 4, e 77º da Lei do Tribunal Constitucional. No respectivo requerimento, o reclamante reiterou o que havia afirmado no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
3. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação A Recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional
4. O recurso que o reclamante pretende ver admitido foi interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Para que tal recurso possa ser admitido, é necessário que o recorrente submeta à apreciação do Tribunal Constitucional a conformidade à Constituição de norma que tenha sido aplicada pela decisão recorrida e cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo.
Ora, o reclamante pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional a norma do artigo 15º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, segundo a qual, como se referiu, 'o representante do Ministério Público a quem, no processo, esteja confiada a defesa da legalidade assiste às sessões de julgamento e é ouvido na discussão' no Supremo Tribunal Administrativo. A inconstitucionalidade de tal norma foi suscitada durante o processo, tendo o Tribunal Constitucional decidido julgá-la inconstitucional, por violação do artigo 20º, nº 4, da Constituição, no Acórdão nº 345/99, de 15 de Junho. Na sequência da prolação deste Acórdão, o Supremo Tribunal Administrativo proferiu novo aresto (acórdão do qual o reclamante pretende agora interpor novo recurso para o Tribunal Constitucional), não aplicando expressamente a norma julgada inconstitucional.
Verifica-se, pois, que o acórdão recorrido (acórdão de 3 de Novembro de 1999) não fez aplicação da norma contida no artigo 15º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, pelo que não se verifica o pressuposto processual do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, consistente na aplicação pela decisão recorrida da norma questionada.
5. O reclamante afirma, porém, que o Supremo Tribunal Administrativo verteu o conteúdo do acórdão anteriormente proferido no acórdão ora recorrido (o reclamante utiliza a expressão 'decalca').
O Tribunal Constitucional, no Acórdão de 15 de Junho de 1999, determinou a reforma do acórdão então recorrido em conformidade com o julgamento de inconstitucionalidade efectuado. A norma julgada inconstitucional foi, como se referiu, a que determina a presença do representante do Ministério Público nas sessões de julgamento no Supremo Tribunal Administrativo. O acórdão proferido na sequência do julgamento de inconstitucionalidade registou, expressamente, que o magistrado do Ministério Público não esteve presente na respectiva sessão. Foi, portanto, cumprido o Acórdão do Tribunal Constitucional.
O sentido decisório e a fundamentação do acórdão a proferir não estavam, porém, limitados pelo julgamento de inconstitucionalidade. Nessa medida, o julgamento a realizar pelo Supremo Tribunal Administrativo quanto à questão de fundo podia naturalmente coincidir com o julgamento anteriormente realizado (note-se que a ausência do magistrado do Ministério Público na sessão não impõe que a decisão a proferir seja necessariamente diversa daquela que foi proferida na sua presença).
Conclui-se, pois, que a norma contida no artigo 15º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos não foi aplicada pela decisão recorrida.
6. Tal conclusão não é afectada pela circunstância de o Ministério Público ter emitido parecer no processo. Com efeito, tal parecer foi emitido ao abrigo do artigo 27º, alínea c), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, preceito que não foi impugnado, na perspectiva da sua conformidade à Constituição, durante o processo, não podendo, desse modo, integrar o objecto do recurso que o reclamante pretende ver admitido. B Recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional
7. O reclamante interpõe também o recurso de constitucionalidade que pretende ver admitido ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Tal recurso cabe das decisões que apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
O reclamante, como se referiu, pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional a norma do artigo 15º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. Por outro lado, invoca o Acórdão nº 345/99 'conjugado com o Acórdão nº 150/93'.
Já se procedeu à demonstração da não aplicação pela decisão recorrida da norma questionada. Nessa medida, não se verifica o pressuposto processual do recurso interposto, consistente na aplicação pela decisão recorrida de norma anteriormente julgada inconstitucional.
A circunstância de não ter sido dada oportunidade ao reclamante de se pronunciar sobre o parecer do Ministério Público de fls. 101-102 em nada colide com tal conclusão. Como já se mencionou, tal parecer foi formulado ao abrigo da norma do artigo 27º, nº 1, alínea c), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, norma que não foi julgada inconstitucional pelo Acórdão nº
345/99 (que apenas julgou inconstitucional o artigo 15º do diploma indicado) ou pelo Acórdão nº 150/93 (que decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 664º do Código de Processo Penal de 1929).
8. Improcedem, pois, os fundamentos do reclamante.
III Decisão
9. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação confirmando, consequentemente, o despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs. Lisboa, 21 de Junho de 2000 Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa