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Processo n.º 500/2012
Plenário
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
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Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. O Representante da República para a Região Autónoma da Madeira requereu, ao abrigo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 278.º da Constituição, a fiscalização preventiva da constitucionalidade das normas contidas nos artigos 1.º e 2.º do “decreto que determina a suspensão parcial do artigo 1.º e a suspensão dos artigos 2.º, 8.º, 9.º, 11.º e 14.º das normas de execução do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira”, aprovado pela Assembleia Legislativa em sessão plenária de 20 de junho e recebido, para os efeitos do artigo 233.º da Constituição, no dia 26 de junho de 2012.
O pedido tem os fundamentos seguintes:
«( .... )
I – O Direito a constituir e respetivo enquadramento normativo
1.º
O decreto remetido para assinatura e publicação como decreto legislativo regional determina, no seu artigo 1.º, a suspensão parcial do artigo 1.º e a suspensão dos artigos 2.º, 8.º, 9.º, 11.º e 14.º das normas de execução do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira, aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 17/2002/M, de 29 de agosto.
2.º
O artigo 1.º do decreto que se submete à sindicância do Tribunal Constitucional dispõe o seguinte:
“Artigo 1.º
1 – É suspensa a parte final do n.º 1 do artigo 1.º das normas de execução do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira, que constituem o anexo I do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2002/M, de 29 de agosto, alterado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 12/2007/M, de 16 de abril, no que se refere ao limite máximo de alojamento turístico na ilha de Porto Santo.
2 – São igualmente suspensos o n.º 2 do artigo 1.º e os artigos 2.º, 8.º, 9.º, 11.º, e 14.º das normas de execução do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira, que constituem o anexo I do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2002/M, de 29 de agosto, alterado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 12/2007/M, de 16 de abril.”
3.º
Por seu turno, o artigo 2.º do decreto em apreciação estabelece a vigência da suspensão por ele determinada, nos seguintes termos:
“Artigo 2.º
A suspensão determinada pelo presente diploma vigora até à revisão do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónomo da Madeira”.
4.º
Por último, determina-se, no artigo 3.º do diploma, que a entrada em vigor ocorre no dia seguinte ao da sua publicação.
5.º
O Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira é um instrumento de planeamento territorial que se integra na categoria dos planos setoriais, de acordo com a classificação constante da Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo (LBPOTU), aprovada pela Lei n.º 48/98, de 11 de agosto e do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro e adaptado à Região Autónoma da Madeira pelo Decreto Legislativo Regional n.º 8-A/2001/M, de 20 de abril.
6.º
Com efeito, os planos setoriais são instrumentos de planeamento que programam ou concretizam as políticas de desenvolvimento económico e social com incidência espacial, determinando o respetivo impato territorial, na definição dada pela alínea c) do art. 8.º da LBPOTU (e retomada com formulação ligeiramente diversa no n.º 1 do art. 35.º do RJIGT). São instrumentos de política setorial, designadamente, os planos, programas e estratégias de desenvolvimento com incidência territorial da responsabilidade dos diversos setores da administração central (e regional), nomeadamente nos domínios dos transportes, das comunicações, da energia e recursos geológicos, da educação e da formação, da cultura, da saúde, da habitação, do turismo, da agricultura, do comércio e indústria, das florestas e do ambiente.
7.º
Não se podem ignorar a importância e a função desempenhadas pelos planos setoriais do turismo, que, enquanto instrumentos que prosseguem as diretrizes previstas no Plano Estratégico Nacional do Turismo (PENT), estabelecem a expressão territorial do turismo nas suas várias modalidades, além de articularem o turismo, enquanto atividade económica protetora do ambiente e da cultura, com os demais instrumentos de gestão territorial.
8.º
Essa importância assume um relevo especial na Região Autónoma da Madeira, território especialmente vocacionado para a oferta turística, beneficiando de particulares condições paisagísticas, climatéricas, patrimoniais, naturais e culturais, todas favoráveis ao exercício da atividade.
9.º
O reconhecimento da importância do turismo na Região Autónoma da Madeira baseia-se não apenas na evidência dos fatos, mas também na consagração que merece em relevantes instrumentos nacionais de planeamento e de estratégia territorial, seja de âmbito geral, como o Plano Nacional de Ordenamento do Território (PNPOT), ou de âmbito setorial, como o Plano Estratégico Nacional do Turismo (PENT).
10.º
O Plano Estratégico Nacional do Turismo (PENT), constante da Resolução do Conselho de Ministros n.º 53/2007, de 4 de abril, desenvolve as vantagens do turismo num quadro de desenvolvimento sustentável (assente na trilogia ambiental, económica e social), que afirma como sector estratégico prioritário, no seu contributo para o aumento das receitas externas, o crescimento do PIB, o combate ao desemprego e a criação de emprego qualificado, o reforço da imagem externa de Portugal, a valorização do património cultural e natural, a promoção da qualidade de vida dos portugueses, a coesão territorial e a identidade nacional, para além do efeito de dinamização das atividades económicas e culturais que com ele se relacionam.
11.º
Da sua consulta resulta que as ilhas da Madeira e de Porto Santo são associadas à maioria dos dez produtos turísticos estratégicos eleitos pelo PENT, destacando-se o turismo de sol e mar, os circuitos turísticos (touring cultural e paisagístico), o turismo de negócios, o turismo de natureza, o turismo náutico (que inclui os cruzeiros), a saúde e bem-estar, o golfe, os conjuntos turísticos (resorts) integrados e turismo residencial.
12.º
Por seu turno, o Plano Nacional de Ordenamento do Território PNPOT, aprovado pela Lei n.º 58/2007, de 4 de setembro, é um instrumento de desenvolvimento territorial de natureza estratégica que estabelece as grandes opções com relevância para a organização do território, consubstancia o quadro de referência para os demais instrumentos de gestão territorial, sobre eles prevalecendo, e constitui um instrumento de cooperação com os demais Estados Membros da União Europeia (como decorre do seu artigo 1.º, n.º 2). Tem âmbito nacional, abrangendo, naturalmente, os arquipélagos dos Açores e da Madeira e aqui constituindo o quadro normativo de referência dos instrumentos de gestão territorial (artigo 2.º, números 1 e 2, da mesma Lei).
13.º
O capítulo 2 do Programa de Ação do PNPOT dedica especial atenção aos arquipélagos dos Açores e da Madeira, acentuando, em várias passagens, a necessária relação entre o desenvolvimento (sustentável) do turismo, a preservação do ambiente e da paisagem e o ordenamento do território.
14.º
Assim, no respetivo plano de ação, o PNPOT reconhece que as “Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira constituem fatores fundamentais de identidade e afirmação do território nacional, ocupando uma posição privilegiada no Oceano Atlântico. (...) Em particular, a especificidade, diversidade e riqueza do seu património e condições naturais e das suas paisagens conferem aos seus territórios uma atratividade única no contexto dos circuitos turísticos internacionais, que importa valorizar de modo sustentável, preservando a perenidade e especificidade dos valores paisagísticos e naturais”
15.º
Mais adiante, na formulação do objetivo de implementar uma estratégia que promova o aproveitamento sustentável do potencial turístico de Portugal às escalas nacional, regional e local, estabelece-se que “Portugal deve dispor de uma estratégia de desenvolvimento do setor do Turismo e implementá-la com eficácia. Para além da relevância do setor para o desenvolvimento socioeconómico das regiões, a implementação de uma estratégia de desenvolvimento turístico numa ótica de sustentabilidade constitui também uma via para o necessário ordenamento e reabilitação dos territórios.
Assim, serão elaborados instrumentos de gestão territorial, ou alterados os existentes, de forma a estimular uma oferta estruturada de produtos de turismo rural, cultural e de natureza, num contexto de desenvolvimento sustentável. (...).
Será avaliado o potencial da costa portuguesa e da ZEE de forma a aferir a viabilidade e as condições de desenvolvimento dos produtos de turismo oceânico. Serão também avaliadas as necessidades de requalificação dos destinos de sol e praia já consolidados e ainda analisadas as melhores formas de aproveitamento sustentável das áreas costeiras.
Promover-se-ão modelos de desenvolvimento turístico para cada um dos destinos turísticos e definir-se-ão mecanismos de articulação entre o desenvolvimento das regiões com elevado potencial turístico e as políticas do ambiente e do ordenamento do território. (...)”. De seguida, e em coerência, como medida prioritária: “elaborar e implementar ou concretizar as estratégias definidas nos Planos Setoriais e de Ordenamento do Território no território continental e nas Regiões Autónomas que definam as linhas orientadoras dos modelos de desenvolvimento pretendidos para as áreas com maiores potencialidades de desenvolvimento turístico”.
16.º
São, aliás, matérias de interesse específico regional, nos termos do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de junho. com as alterações introduzidas pela Lei n.º 130/99, de 21 de agosto e pela Lei n.º 12/2000, de 21 de junho), o turismo e a hotelaria (artigo 40.º, alínea t], do Estatuto).
17.º
Releva, deste modo, a vigência do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma dos Açores, aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 38/2008/A, de 11 de agosto, e do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira, aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 17/2002/M, de 29 de agosto, o primeiro plano do género em Portugal.
18.º
Tendo sido já efetivada a suspensão das disposições contidas nos artigos 5.º e 6.º das normas de execução do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira por via da entrada em vigor do Decreto Legislativo Regional n.º 12/2007/M, de 16 de abril, prevê-se agora suspender o artigo 1.º (parcialmente) e os artigos 2.º, 8.º, 9.º, 11.º e 14.º das normas de execução do mesmo Plano, que constituem o anexo I do citado Decreto Legislativo Regional n.º 17/2002/M, de 29 de agosto.
19.º
Identificam-se as referidas disposições, por via da respetiva transcrição:
[ Omitido ]
II – A suspensão das normas de execução do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira e as suas implicações face ao quadro constitucional vigente
20.º
A pretendida suspensão destas relevantes disposições do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira não pode, assim, deixar de ser analisada à luz dos valores e direitos constitucionalmente protegidos do ambiente, do ordenamento do território, da participação dos cidadãos e de outras importantes garantias de tutela de que dispõem para a devida ponderação dos interesses em presença, valores e direitos necessariamente implicados na opção feita pelo legislador regional.
21º
Desde logo, a Constituição da República Portuguesa (CRP) dedica ao ambiente, como valor em si, como direito fundamental e como dever, um importante reconhecimento no plano normativo, dedicando-lhe o artigo 66.º do seu articulado.
22.º
O fundamental direito ao ambiente, na sua dupla dimensão de direito negativo, impondo a abstenção por parte do Estado e de terceiros de ações ambientalmente nocivas, e de direito positivo, reclamando uma ação dos poderes públicos com vista à sua defesa e preservação (nesse sentido, J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra Editora, Coimbra, anotação ao artigo 66.º, pp. 845-846), está na base das várias incumbências elencadas no n.º 2 do citado artigo 66.º CRP.
23.º
A relação dessas incumbências com um correto ordenamento do território é evidente na sua enunciação, merecendo destaque a formulação, em concreto, das disposições que dedicam referência expressa ao dever de promoção do ordenamento do território, tendo em vista a correta localização das atividades, um equilibrado desenvolvimento socioeconómico e a valorização da paisagem (alínea b]) e, bem assim, à necessária integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito setorial (alínea f], ambas do n.º 2 do artigo 66.º).
24.º
Igualmente relevante surge-nos a tarefa cometida ao Estado, às regiões autónomas e às autarquias locais de definição das regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e do urbanismo, desta feita pelo n.º 4 do artigo 65.º CRP, o que aponta para a harmonia e coerência do sistema de planeamento territorial.
25.º
A montante, entre as tarefas fundamentais do Estado elencadas no artigo 9.º, são de ter em conta as exigentes tarefas contidas na alínea e) - as mais das vezes ligadas entre si - de proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correto ordenamento do território.
26.º
Da Constituição deriva assim um verdadeiro dever de ordenar o território, traduzido na imposição de o Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias locais promoverem, de forma articulada, politicas ativas de ordenamento do território e de urbanismo, de acordo com o interesse público e no respeito pelos direitos dos cidadãos como consagrado no artigo 4.º da Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo (LBPOTU).
27.º
Acresce a garantia de participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território, ainda no citado artigo 65.º, CRP, mas no seu quinto género, a qual decorre do princípio constitucional da democracia participativa concretizando esta importante vertente do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º, idem) no âmbito do planeamento territorial.
28.º
Gomes Canotilho e Vital Moreira falam, a este respeito, numa «cidadania territorial», considerando que a Constituição procurou “estimular uma cidadania territorial indispensável à prossecução de tarefas do Estado referentes ao correto ordenamento do território e desenvolvimento harmonioso (arts. 9º/e e g e 82º/d, i, l e m) e à efetivação de direitos fundamentais (direito ao ambiente e à qualidade de vida, direito ao património cultural, direito à paisagem, direito ao desenvolvimento sustentável, direito das futuras gerações, direito à fruição cultural, direito à igualdade real entre portugueses). A cidadania territorial impõe-se ainda num domínio como o do planeamento urbanístico e territorial, onde o clientelismo, os «lobbies», os grupos de interesse, a corrupção, tendem a converter o território e a cidade num esquema de perequações económicas, não raro veiculado por redes informais de influência (Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, cit., anotação ao artigo 65.º, p. 840).
III - Fundamentação
29.º
Ora, de que forma o presente decreto se mostra desconforme com os valores e direitos fundamentais enunciados?
30.º
Vejamos, primeiramente, o enquadramento conferido pelo ordenamento jurídico português aos instrumentos de gestão territorial e respetivas vicissitudes, de modo a situar o decreto que determina suspender várias normas do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira.
31.º
Não obstante a caracterização a priori do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira como plano setorial, entende-se, a partir da análise das disposições do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2002/M, de 29 de agosto, revestir-se o mesmo de uma natureza híbrida, em face do quadro legal dos instrumentos de gestão territorial e da função cometida pelo ordenamento jurídico a cada uma das figuras de planeamento territorial.
32.º
Com efeito, os planos setoriais com incidência territorial não têm eficácia plurissubjectiva, vinculando apenas as entidades públicas, diferentemente dos planos municipais e especiais de ordenamento do território que também vinculam direta e imediatamente os particulares (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro).
33.º
Nessa sequência, o Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro, estabelece uma complexa relação entre os planos setoriais e os planos com eficácia plurissubjectiva (municipais e especiais), determinando que a programação e execução das políticas de desenvolvimento económico e social (estabelecidas nos planos setoriais) devem ser acauteladas pelos planos municipais de ordenamento do território e que os planos setoriais estabelecem as regras orientadoras a definir nos novos planos especiais de ordenamento do território, cabendo ainda aos planos setoriais indicar as formas de adaptação dos planos especiais e municipais preexistentes (artigos 23.º, n.º 2, 24.º, n.º 3 e 25.º, n.º 1. daquele diploma legal).
34.º
Isto, sem ignorar os mecanismos de «contracorrente» previstos no mesmo diploma nos seus artigos 25.º, n.º 2, 79.º, n.º 2 e 80, n.º 1, que habilitam, em determinadas circunstâncias e com especiais exigências procedimentais, a derrogação de normas de planos setoriais por planos municipais ou especiais de ordenamento do território.
35.º
Contudo, o artigo 19.º das normas de execução do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira, depois de estabelecer que este instrumento vincula as entidades públicas competentes para a elaboração e aprovação dos planos municipais de ordenamento do território, cabendo-lhes alterar (atualizar) os planos que não acautelem as opções consagradas no plano setorial em causa, vem dispor, no n.º 3, que “até à conclusão nos demais instrumentos de gestão territorial das normas de execução do presente Plano, estas aplicam-se diretamente na área setorial a que se reportam.
36.º
Deste modo, mesmo que a título transitório, é conferida direta aplicação (aos particulares) às normas de execução do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira, cominando-se com a sanção da nulidade “os atos de licenciamento ou autorização de projetos ou atividades que venham em desconformidade com o disposto no presente diploma (artigo 20.º)”.
37.º
Em face do que antecede, e sendo conferida aplicabilidade direta às normas de execução do Plano de Ordenamento Turístico sempre referido com interferência normativa na esfera jurídica de particulares, mais cautelas devem acompanhar os procedimentos de alteração, revisão e suspensão do instrumento em causa.
38.º
Dispõe o decreto agora submetido à sindicância do Tribunal Constitucional tratar-se da suspensão de algumas das normas de execução do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira (do anexo I do Decreto Legislativo Regional n.º l7/2002/M, de 29 de agosto).
39.º
Cumpre ter presente que a dinâmica dos instrumentos de gestão territorial tem por base a mutação das realidades bem como das opções que determinam a melhor prossecução dos interesses públicos, definidas as prioridades num quadro democrático, acautelados os valores a preservar e no respeito pelos direitos dos cidadãos. A discricionariedade de planeamento e de execução das políticas territoriais é inerente à respetiva natureza, cabendo essas escolhas e a inerente responsabilidade às entidades competentes nos termos da Constituição e da lei, sendo que até o próprio Plano de Ordenamento Turístico da Madeira contém cláusulas de flexibilidade na sua aplicação, como a constante do artigo 2.º das respetivas normas de execução.
40.º
O Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro, na sua redação atual) estabelece os requisitos a que devem obedecer as suspensões dos instrumentos de política setorial determinando, no seu artigo 99.º, que: “1 – A suspensão, total e parcial, de instrumentos de desenvolvimento territorial e de instrumentos de política setorial ocorre quando se verificam circunstâncias excecionais resultantes de alteração significativa das perspetivas de desenvolvimento económico-social incompatíveis com as concretizações estabelecidas no plano ouvidas as câmara municipais, a comissão de coordenação e desenvolvimento regional e a entidade pública responsável pela elaboração do plano setorial. 2 – A suspensão dos instrumentos de desenvolvimento territorial e de instrumentos de política setorial é determinado pelo mesmo tipo de ato que os haja aprovado. 3 – O ato que determina a suspensão, deve conter a fundamentação, o prazo e a incidência territorial da suspensão, bem como indicar expressamente as disposições suspensas.”,
41.º
A aplicabilidade do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro, à Região Autónoma da Madeira resulta inequivocamente do próprio ato legislativo regional que procede à respetiva adaptação (artigo 1.º, do Decreto Legislativo Regional n.º 8-A/2001/M, de 20 de abril).
42.º
No confronto do decreto remetido para assinatura com o regime agora citado, verifica-se que a pretendida suspensão não cumpre os requisitos legalmente estabelecidos, por duas razões: 1) Por não se mostrar devidamente fundamentada e justificada e 2) Por não ter um prazo certo estabelecido para sua vigência.
43.º
Com efeito, a leitura do preâmbulo, precioso elemento auxiliar de interpretação das normas jurídicas, não esclarece as razões determinantes da suspensão, revelando-se manifestamente insuficiente para o conhecimento de quais sejam as verificadas e concretas circunstâncias excecionais resultantes de alteração significativa das perspetivas de desenvolvimento económico-social incompatíveis com a concretização das opções estabelecidas no plano (artigo 99.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 380/99), ficando também por esclarecer de que forma a suspensão das normas identificadas permite fazer face a essa alteração excecional das circunstâncias e à consequente desadequação das opções tomadas em 2002.
44.º
A insuficiência da fundamentação exarada, ao limitar-se a reproduzir (textualmente ou com algum desenvolvimento) a formulação legal transcrita no ponto anterior, não permite sequer dar por verificados os pressupostos estabelecidos para a própria suspensão, em termos de justificação.
45.º
Ora, tratando-se da adoção de uma medida excecional, necessariamente contida e utilizada em situações devidamente justificadas, considera-se que a insuficiência e falta de clareza da justificação apresentada determinam o desrespeito quer pelo princípio da determinabilidade da lei, exigindo-se um conteúdo jurídico claro e determinável quanto, nomeadamente, aos pressupostos de fato, quer pelo princípio constitucional da proporcionalidade ou de proibição do excesso, ambos derivados do estruturante princípio do Estado de Direito democrático (artigo 2.º), CRP, informando o regime material dos direitos fundamentais na Constituição).
46.º
Em especial, o princípio da proporcionalidade, nas vertentes da adequação e necessidade, deixa de cumprir o seu papel de contenção do excesso na atuação dos poderes públicos. É que as assinaladas falhas e insuficiências de fundamentação não permitem avaliar as opções em causa através do crivo daquele princípio fundamental, mostrando-se, por um lado, impossibilitada a ponderação da idoneidade do meio usado para a prossecução dos objetivos a que se propõe e, por outro lado, prejudicada a formulação de qualquer juízo de eficiência quanto à opção pela suspensão das normas planificatórias atrás identificadas em detrimento de outras alternativas.
47.º
Determinante parece ainda ser a consequência trazida pela falta de fundamentação da suspensão relativamente ao exercício de direitos fundamentais pelos particulares. É que, daquela forma, são inviabilizados os direitos de informação e, logo, de participação esclarecida dos cidadãos e estruturas representativas nos procedimentos e no controlo (prévio ou sucessivo) das escolhas feitas pelos poderes públicos competentes no âmbito do planeamento com incidência territorial. Não são pois acautelados os direitos de participação dos interessados nos termos requeridos pelos artigos 65.º, n.º 5, 66.º, n.º 2, in fine e 267.º, números 1 e 5, da Constituição.
48.º
A ofensa de direitos associados ao estatuto de cidadania territorial, retomando-se a terminologia de Gomes Canotilho e Vital Moreira, tanto mais gravosa quanto, ao invés do comum nos planos setoriais, se assinalaram efeitos diretos da aplicação da disciplina contida no Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira na esfera jurídica dos particulares, não sendo, por isso, despicienda qualquer alteração àquela disciplina.
49.º
Já quanto ao prazo, este parece ser um elemento central da figura da suspensão, caracterizando a figura e distinguindo-a de outras vicissitudes que possam ocorrer com instrumentos de gestão territorial. Assim, a sua presença na definição de João Miranda: “A suspensão consiste numa paralisação, por um período de tempo certo, dos efeitos de todo o plano ou de parte dele” (A Dinâmica Jurídica do Planeamento Territorial [A Alteração, a Revisão e a Suspensão dos Planos, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, p. 231).
50.º
E por que não basta a menção, contida no artigo 2.º do decreto em apreciação, de a vigência da suspensão ser determinada pelo termo do processo de revisão do plano?
51.º
Várias ordens de razões. Desde logo, por não estar legalmente ou de fato estabelecida qualquer previsão quanto ao início e ao termo do suposto procedimento de alteração ou revisão do plano turístico em causa. Depois, o precedente criado pela anterior suspensão do plano, a que já nos referirmos, sendo também aí previsto que vigoraria até à revisão do plano, o que, cinco anos volvidos, não se verificou (Decreto Legislativo Regional n.º 12/2007/M, de 16 de abril).
52.º
A este propósito sublinhe-se que o legislador regional já considera que a suspensão operada pelo citado Decreto Legislativo Regional n.º 12/2007/M, de 16 de abril corresponde a uma verdadeira e própria alteração do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira, e assim a designa neste diploma.
53.º
O artigo 1.º (números 1 e 2) do decreto submetido a esse Tribunal refere-se ao Decreto Legislativo Regional n.º 17/2002/M, de 29 de agosto como alterado pelo decreto legislativo Regional n.º 12/2007/M, de 16 de abril.
54.º
Mas considerar definitiva uma alteração que se propunha provisória, como é da natureza dos atos jurídicos suspensivos, determina, neste caso, manifesto prejuízo para um correto ordenamento do território e para os direitos dos cidadãos, afastada a aplicação do regime legal a que a própria Constituição se refere e para o qua1 remete (artigo 65.º, números 4 e 5), sendo as garantias de participação associadas não apenas aos procedimentos de elaboração e aprovação, como também de alteração dos instrumentos de gestão territorial.
55.º
Permitir-se novamente a suspensão sem prazo certo é propiciar um verdadeiro desvio na escolha de procedimento, suspendendo quando se pretende alterar, o que, não apenas implica um vazio na ordem jurídica, propiciando a desregulação da atuação da Administração Pública regional e local num domínio sensível dos direitos dos particulares, com implicações económicas e patrimoniais não despiciendas, como subtrai o procedimento de alteração do plano das garantias de participação dos cidadãos, consentimento das populações e justa e adequada ponderação dos interesses em presença, especialmente os ambientais, cuja tutela constitucional é evidenciada no artigo 66.º CRP a que já nos referimos.
56.º
Nem se diga, quanto ao primeiro aspeto focado no ponto anterior, que o vazio de regulação resultará do próprio prazo de dez anos de vigência estabelecido nas normas de execução do Plano de Ordenamento Turístico (artigo 21.º), já que em primeiro lugar, a disposição em causa não deixa de associar a esse fato a possibilidade de reavaliação e revisão do Plano, o que indicia, por parte da Assembleia Legislativa, as mesmas preocupações que determinam a manutenção da vigência de planos municipais até à sua efetiva revisão, mesmo quando sujeitos a um prazo de caducidade (artigo 83.º, do Decreto-Lei n.º 380/99,de 22 de setembro); em segundo lugar, se tem por regra e por preferência a vigência temporalmente indeterminada dos instrumentos de gestão territorial; e em terceiro lugar, a ocorrer a 30 de agosto de 2012 a cessação de vigência do plano, não haveria qualquer justificação para o legislador suspender parte das suas disposições a dois meses de distância.
57.º
Este resultado ablativo de direitos dos cidadãos ao ambiente e a um correto ordenamento do território não é constitucionalmente adequado, desvirtuando o próprio sistema de planeamento territorial e os direitos e garantias que lhe estão associados e lhes são inerentes nos termos da própria Constituição.
58.º
Em especial, os direitos de participação são consagrados em preceito a que Jorge Miranda e Rui Medeiros reconhecem aplicação direta, sem necessidade de mediação do legislador. Trata-se do sempre citado n.º 5 do artigo 65.º, CRP. Na respetiva anotação ao artigo 65.º da Constituição, os autores defendem ainda tratar-se de um direito de participação em sentido amplo, defendendo que a teleologia do preceito abrange qualquer modificação substancial de instrumentos de planeamento urbanístico (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 678) e não apenas a fase da elaboração (o que não deixa de merecer concretização no artigo 96.º, n.º 1 do RJIGT).
59.º
Os instrumentos de gestão territorial e, bem assim, o próprio sistema legal que os enquadra, correspondem à concretização das normas constitucionais pertinentes, pelo que, naquilo em que aquele sistema legal se aproxima dos valores, direitos e garantias fundamentais, o desrespeito da lei acaba por consubstanciar o desrespeito da própria Constituição, como se considera caso vertente.
60.º
As desconformidades com a Lei Fundamental assinaladas determinam e justificam a iniciativa encetada junto do Tribunal Constitucional, de acordo com o princípio da constitucionalidade das leis e demais atos do Estado, das Regiões Autónomas, do poder local e de quaisquer outras entidades públicas, consagrado no artigo 3.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.
IV - Síntese conclusiva
Do que se vem a expor, poderá concluir-se que as normas constantes dos artigos 1.º e 2.º do decreto em apreço por ofensa das normas e princípios contidos nos artigos 2.º, 3.º, n.º 3, 9.º, alínea e), 65.º, números 4 e 5 e 66.º, números 1 e 2, todos da Constituição, se encontram feridas do vício de inconstitucionalidade material.»
2. Notificado para se pronunciar, nos termos do artigo 54.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), o Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira respondeu nos termos seguintes:
«Na sequência do pedido de fiscalização preventiva de constitucionalidade apresentado por Sua Excelência o Representante da República, referente ao Decreto Legislativo Regional que suspende parcialmente o artigo 1.º e determina a suspensão dos artigos 2.º, 8.º, 9.º, 11.º e 14.º do Anexo I do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2002/M, de 29 de agosto, que estabelece o Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira (POT), permita-nos referir o seguinte:
- Razões Invocadas -
A fundamentação do RRRAM, juiz conselheiro Ireneu Cabral Barreto, para requerer a apreciação preventiva da inconstitucionalidade do referido diploma regional, em nosso entender, assenta em 3 questões essenciais, nomeadamente:
1) Deficiente fundamentação, no preâmbulo, dos motivos que sustentam a suspensão parcial do plano sectorial do Turismo;
2) Não estabelecimento de um prazo certo para a vigência do diploma;
3) Não ter a administração pública desencadeado os mecanismos de consulta a entidades externas legalmente exigíveis.
1- Deficiente fundamentação, no preâmbulo, dos motivos que sustentam a suspensão parcial do plano sectorial do Turismo:
a) Linhas gerais em que assentou a redação do preâmbulo
• A Resolução do Conselho de Ministros n.º 29/2011, de 11 de julho, estabelece no seu anexo II, do artigo 3.º, do capítulo II, as regras de exposição de motivos dos atos normativos, do XVIII Governo Constitucional, ou seja, o n.º 2 do referido artigo prevê que “o preâmbulo deve ser redigido de modo a dar a conhecer aos destinatários das normas, de forma simples e concisa, as linhas orientadoras do diploma e a sua motivação, (...).“
• Por conseguinte e seguindo esta regra, tentou-se que o preâmbulo expusesse em poucas palavras, mas, precisas e exatas os motivos que justificavam a aprovação do diploma em causa.
• Todavia para o cabal esclarecimento das razões que sustentaram a decisão de suspender parcialmente o POT, necessariamente, teria o referido preâmbulo de ultrapassar a concisão que se pretendia no mesmo.
• Sem prejuízo de, já que nesta sede não estamos sujeitos à exigência de concisão, virmos esclarecer, um pouco melhor as motivações que justificam a suspensão parcial do POT.
• O DLR que estipula a suspensão parcial do POT, estabelece que:
[ Omitido ]
• Sobre o n.º 1 do artigo 1.º, acima descrito, importa reforçar que a suspensão só faz referência à capacidade de alojamento da ilha de Porto Santo (4.000), mantendo-se assim a bolsa de camas disponíveis para a Madeira (35.000);
• De facto, de uns anos a esta parte, tem sido política do Governo Regional da Madeira, apostar no desenvolvimento do Porto Santo como um destino “resort” de qualidade.
• Para um destino turístico desta natureza, e tendo em atenção a sazonalidade do mesmo, que, desde logo, constitui um entrave à apetência dos operadores turísticos, face à reduzida oferta de camas turísticas, torna-se premente que o Porto Santo ganhe massa crítica para efeitos de comercialização da ilha por operadores internacionais.
• A construção de novos empreendimentos, do tipo “resort” de qualidade (4 e 5 estrelas), com equipamentos diferenciados que permitam aos hóspedes um lazer baseado em experiências diversificadas, é essencial para combater a sazonalidade, pois, para um destino em que a sua principal atração (sol e mar), depende de um fator exógeno ao próprio, neste caso - o clima, é premente a criação desta complementaridade.
• No âmbito do projeto de Plano de Urbanização da Frente Mar Campo de Baixo/Ponta da Calheta (PUPC), foram desenvolvidos estudos detalhados, que fundamentam e sustentam, a imperiosidade do Porto Santo ganhar massa crítica, constituindo-se como uma “ilha resort”, com as condições necessárias para se afirmar positivamente na oferta concorrencial.
• A proposta de divisão espacial da região por unidades operativas, com base em valores quantitativos de alojamento, mostrou-se ineficiente, uma vez que a procura por espaço territorial, não se tem coadunado com a oferta disponível. A titulo de exemplo, constata-se que a capacidade máxima de alojamento para os concelhos de Santa Cruz e Machico já foi, há muito, atingida, enquanto que na costa norte (concelhos de Santana, São Vicente e Porto Moniz) continua, quase no final de vigência do POT, a possuir grande parte das camas estipuladas sem projetos de investimento.
• Finalmente, e no que respeita à referência ao Decreto Legislativo Regional n.º 12/2007/M, de 16 de abril, como diploma que altera o DLR 17/2002/M, constante no n.º 1 do artigo 1.º do DLR proposto, clarifica-se que se tratou de um lapso de escrita.
b) No que concerne ao n.º 2 do artigo 1.º, temos que:
• Da experiência de quase 10 anos de vigência do POT, que resultaram na elaboração de relatórios de acompanhamento sobre a aplicação e desenvolvimento das medidas constantes do mesmo, temos constatado que este plano sectorial não estava a responder cabalmente à sua génese, face a diversos fatores, como sejam, as alterações substanciais quer de legislação turística, quer de instrumentos de gestão territorial, e por último, mas não menos importante, a evolução/alteração “radical”, das condições económicas e sociais, que estiveram subjacentes à elaboração do POT e que fundamentaram as opções definidas no mesmo.
• O quadro legislativo que presidiu à elaboração do POT, nomeadamente a classificação das tipologias de alojamento foi alterado completamente, deixando de existir tipologias como por exemplo a de estalagem, o que condicionou inequivocamente a implantação de empreendimentos turísticos de raiz, em espaços agroflorestais. Daí que foi proposta a suspensão do artigo 9.º, a saber:
[ Omitido ]
• Ainda neste contexto, e no que respeita à suspensão do artigo 8.º do anexo I do POT
– “Artigo 8.º Nos espaços urbanos são admitidos estabelecimentos hoteleiros e aldeamentos turísticos com uma capacidade máxima, por unidade de exploração, de 80 camas e apartamentos/moradias turísticas com uma capacidade máxima de 60 camas”, a mesma resultou do facto de existirem projetos de pequenas unidades de turismo em espaço rural, que por natureza da própria definição (TER), resultam do aproveitamento e recuperação de imóveis antigos e que não têm sido viabilizados, resultando na deterioração dos mesmos.
• De facto, o artigo 4.º a Portaria 937/2008, de 20 de agosto, veio dar uma nova leitura à “definição” de espaço rural, que permitirá a integração desses pequenos projetos em espaço urbanos, a saber:
“Artigo 4.º
Espaço rural
1 – Para o efeito do disposto no presente diploma consideram-se como espaço rural as áreas com ligação tradicional e significativa à agricultura ou ambiente e paisagem de caráter vincadamente rural.
2 – A classificação como empreendimento de turismo no espaço rural atenderá ao enquadramento paisagístico, às amenidades rurais envolventes, à qualidade ambiental e à valorização de produtos e serviços produzidos na zona onde o empreendimento se localize.”
• Relativamente à suspensão do artigo 2.º, é referido pelo representante da República para a RAM que a existência do mesmo já é por si só, uma norma especial para propostas de investimento não conformes com o POT, a saber:
“Artigo 2.º
1– Os empreendimentos, obras ou ações neste âmbito sectorial, não totalmente conformes com o regime previsto no presente diploma e que pelas suas características ou dimensão sejam suscetíveis de induzir um significativo impacte social e económico, podem, fundamentada e excecionalmente, ser admitidos, assegurada a prossecução dos respetivos objetivos, através dos mecanismos de concertação de conflitos de interesse públicos representados pelos sujeitos da Administração Pública previstos na legislação aplicável.
2 – Para efeitos da concertação a que se refere o número anterior, deve a pretensão ser devidamente fundamentada e acompanhada dos inerentes estudos socioeconómicos e de avaliação de impacte ambiental, bem como das garantias do respetivo financiamento.”
• Na realidade, este mecanismo não é aplicável a pequenos projetos, que são neste momento os mais propostos aos serviços, que não conseguem ser abrangidos por esta norma de exceção.
• Relativamente à suspensão dos artigos 11.º e 14.º, a mesma resulta diretamente da suspensão dos artigos anteriormente referidos.
2 - Não estabelecimento de um prazo certo para a vigência do diploma:
• O sentido da norma constante no artigo 2.º do diploma em causa foi o de garantir um limite temporal aplicável à suspensão do mesmo, pois o POT vigorará até 29 de agosto de 2012, mantendo-se todavia os seus efeitos para além daquele prazo.
• Isto é, os procedimentos relativos à revisão do plano, forçosamente demorariam algum tempo, estimando-se, cerca de um a dois anos, pelo que os motivos que fundamentam a sua suspensão parcial, necessariamente se mantêm nesse período, ficando esvaziado de sentido, a partir do momento da sua revisão.
• Assim, necessariamente, a vigência do diploma em causa é limitado no tempo, independentemente de um prazo concreto.
3 - Não ter a administração pública desencadeado os mecanismos de consulta a entidades externas legalmente exigíveis:
• Relativamente a esta matéria há que referir que a consulta limitou-se a cumprir o estabelecido no n.º 1, do artigo 83.º, do Decreto Legislativo Regional n.º 43/2008/M, de 23 de dezembro, que aprova o Sistema Regional de Gestão Territorial da RAM.
• Todavia há que referir que a previsão do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro, quando refere que as consultas externas, num quadro de suspensão das disposições dos instrumentos de gestão territorial, serão efetuadas às Câmaras Municipais, à comissão de coordenação regional e à entidade pública responsável pela elaboração do plano sectorial, está destituída de sentido prático, na medida em que essa consulta, foi efetuada, embora nos termos do artigo 83.º do DLR/43/2008/M, de 23 de dezembro.
Conclusões:
• O teor preâmbulo derivou da necessidade de expor em poucas palavras, precisas e exatas os motivos que justificavam a aprovação do diploma em causa, facto que poderá ter limitado o seu alcance.
• A suspensão parcial do POT vigora até a sua revisão, cujo processo se prevê seja concluído no prazo máximo de dois anos.
• Relativamente a esta matéria há que referir que a consulta limitou-se a cumprir o estabelecido no n.º 1, do artigo 83.º, do Decreto Legislativo Regional n.º 43/2008/M, de 23 de dezembro, que aprova o Sistema Regional de Gestão Territorial da RAM.”
3. Discutido o memorando apresentado, cumpre formular a decisão em conformidade com o que fez vencimento.
II. Fundamentos
4. O Decreto cujas normas são objeto do presente pedido de fiscalização preventiva de constitucionalidade, tem o seguinte conteúdo:
«A estratégia de desenvolvimento do turismo na Região Autónoma da Madeira e o seu modelo territorial foi definida pelo Governo Regional, com vista a orientar os investimentos, garantindo o equilíbrio na distribuição territorial dos alojamentos e equipamentos turísticos, bem como um melhor aproveitamento e valorização dos recursos humanos, culturais e naturais.
O Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira, abreviadamente designado por POT, aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 17/2002/M, de 29 de agosto, foi o instrumento que consagrou essa visão.
Corporizado num conjunto de documentos que o integram, o POT, para além de prosseguir o propósito acima enunciado, estabeleceu limites e ritmos de crescimento do alojamento, bem como valores para a sua distribuição territorial, em ordem a orientar o crescimento no horizonte temporal e físico que abrange.
Daí a inclusão no POT de normas que, relativamente à Região Autónoma da Madeira, consubstanciassem um mecanismo de contenção, de modo a gerir eficientemente o número de camas da Região.
Sucede, porém, que as condições de referência que conduziram à incorporação desse mecanismo de contenção estão alteradas.
Nos últimos anos ocorreu uma mudança substancial dos paradigmas de ordem económica, social e financeira, definidos como base no cenário expectável para o desenvolvimento do setor turístico e que colocam entraves ao cumprimento das opções estabelecidas no plano.
As alterações legislativas referentes à instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, nomeadamente no que respeita à supressão de tipologias de alojamento, existentes à data da entrada em vigor deste plano sectorial, originaram constrangimentos inequívocos na compatibilização de propostas de investimento para com as tipologias definidas no POT.
A captação de investimento no setor turístico, que contribuirá para a inequívoca dinamização económica da Região Autónoma da Madeira e, de um modo muito especial, para a criação de emprego, tem sido condicionada pela manifesta desadequação de algumas disposições do POT, para com a atual realidade económica e legislativa.
Acresce que se verificam atualmente circunstâncias excecionais resultantes de alterações significativas das perspetivas que determinaram em 2002 a elaboração do POT, entendendo-se, por isso, em face do relevante interesse público em causa, decretar a suspensão das normas de execução nele contidas, designadamente, as que estabelecem os critérios de capacidade máxima e tipologias, bem como de outros artigos que, face a essas alterações, deixam de ter aplicabilidade.
Foi ouvida a Associação de Municípios da Região Autónoma da Madeira - AMRAM - em representação de todas as Câmaras Municipais.
Assim,
A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira decreta, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição da República Portuguesa, da alínea c) do n.º 1 do artigo 37.º e das alíneas i) e t) do artigo 40.º do Estatuto Político-administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de junho, revisto e alterado pelas Leis n.ºs 130/99, de 21 de agosto e 12/2000, de 21 de junho, o seguinte:
Artigo 1.º
1 – É suspensa a parte final do n.º 1 do artigo 1.º das normas de execução do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira, que constituem o anexo I do Decreto Legislativo Regional nº 17/2002/M, de 29 de agosto, alterado pelo Decreto Legislativo Regional nº 12/2007/M, de 16 de abril, no que se refere ao limite máximo de alojamento turístico na ilha de Porto Santo.
2 - São igualmente suspensos o n.º 2 do artigo 1.º e os artigos 2.º, 8.º, 9.º, 11.º e 14.º das normas de execução do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira, que constituem o anexo I do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2002/M, de 29 de agosto, alterado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 12/2007/M, de 16 de abril.
Artigo 2.º
A suspensão determinada pelo presente diploma vigora até à revisão do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira.
Artigo 3.º
O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.”
Por seu turno, as normas de execução do POT que a iniciativa legislativa posta sob exame de constitucionalidade pretende suspender são do seguinte teor:
“Artigo 1º
1 – Até ao ano de 2012, o limite máximo de alojamento turístico para a Região Autónoma da Madeira é fixado em 35 000 camas na ilha da Madeira e 4000 camas na ilha de Porto Santo.
2 – Estes limites distribuem-se da seguinte forma na ilha da Madeira:
a) Concelho do Funchal – 23 000 camas;
b) Área dos concelhos de Santa Cruz e de Machico – 5500 camas;
c) Área de concelhos de Câmara de Lobos, da Ribeira Brava, de Ponta do Sol e da Calheta – 4000 camas;
d) Área dos concelhos de Santana, de São Vicente e de Porto Moniz – 2500 camas.
Artigo 2.º
1 – Os empreendimentos, obras ou ações neste âmbito sectorial, não totalmente conformes com o regime previsto no presente diploma e que pelas suas características ou dimensão sejam suscetíveis de induzir um significativo impacte social e económico, podem, fundamentada e excecionalmente, ser admitidos, assegurada a prossecução dos respetivos objetivos, através dos mecanismos de concertação de conflitos de interesse públicos representados pelos sujeitos da Administração Pública previstos na legislação aplicável.
2 – Para efeitos da concertação a que se refere o número anterior, deve a pretensão ser devidamente fundamentada e acompanhada dos inerentes estudos socioeconómicos e de avaliação de impacte ambiental, bem como das garantias do respetivo financiamento.
(…)
Artigo 8.º
Nos espaços urbanos são admitidos estabelecimentos hoteleiros e aldeamentos turísticos com uma capacidade máxima, por unidade de exploração, de 80 camas e apartamentos/moradias turísticas com uma capacidade máxima de 60 camas.
Artigo 9.º
Nos espaços agroflorestais são admitidas as seguintes tipologias, com capacidade máxima, por unidade de exploração, de 80 camas:
a) Estalagens;
b) Pousadas;
c) Unidades de turismo em espaço rural;
d) Quintas madeirenses;
e) Moradias turísticas.
(…)
Artigo 11.º
Podem ser admitidos empreendimentos turísticos com capacidade superior às estabelecidas no presente Plano, nas seguintes condições:
a) Quando associados a equipamentos ou infraestruturas de interesse regional e de utilização coletiva ou pública, nomeadamente campos de golfe, portos de recreio, complexos desportivos, cujo investimento caiba aos promotores privados;
b) Quando se trate de empreendimentos turísticos de tipo resort que, pelas suas características funcionais, oferta complementar de equipamentos, disponibilização de espaços verdes envolventes e integração no local, constituam empreendimentos que qualifiquem e diversifiquem a oferta turística nas zonas onde se implantem.
(…)
Artigo 14.º
1 – Para efeitos do previsto no artigo 11.º, consideram-se estabelecimentos hoteleiros de tipo resort os constituídos por diversos edifícios que disponham entre eles espaços livres e espaços verdes para utilização dos utentes, bem como de equipamentos e serviços de recreio e lazer de uso comum, sujeitos a uma mesma exploração hoteleira.
2 – Na apreciação e licenciamento dos projetos de empreendimentos turísticos referidos no n.º 1, no âmbito da gestão da distribuição territorial, deverá ser dada preferência aos estabelecimentos hoteleiros de tipo resort que apresentem as seguintes condições:
a) Localização especialmente valorizada junto do mar ou dos centros urbanos e centralidades turísticas definidas no POT;
b) Maior área de espaço livre de uso comum em relação à superfície edificada, não podendo ser inferior a 3 m2 de espaço verde para 1m2 de espaço impermeabilizado;
c) Maior capacidade de estacionamento privativo, não podendo ser inferior a um lugar de estacionamento por cada oito camas;
d) Maior superfície de piscinas, não podendo esta ser inferior a 1 m2 por cama;
e) Disponibilização de equipamentos de recreio e lazer especialmente adaptados às zonas em que se localizam os empreendimentos, proporcionando uma oferta complementar diversificada e diferenciada da existente;
f) Solução arquitetónica e paisagística adaptada à zona em que se localiza, baseada, preferencialmente, em edificações de baixa altura (dois/três pisos no alçado de maior dimensão e com altura média de 3 m por piso).
(…).”
Em síntese, foram objecto de suspensão quatro tipos de normas. Normas que estabeleciam limites globais (ilha do Porto Santo) ou de distribuição pelo território (ilha da Madeira) da capacidade de alojamento turístico, expresso em número de camas. Normas que estabeleciam a capacidade máxima por unidade de exploração. Normas que fixavam as tipologias das unidades de empreendimento turístico em espaço agro-florestal. E, finalmente, normas que disciplinam excepções e que a remoção dos referidos limites ou condicionamentos tornou inoperantes.
Importa, ainda, notar que o Decreto Legislativo Regional n.º 12/2007/M, de 16 de abril, que o diploma em apreciação diz ter “alterado” o POT não introduziu, em sentido próprio, uma alteração ao referido Plano. Literalmente, apenas suspendeu, tal como o presente, algumas das suas normas. E suspendeu-as também “até à revisão do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira”. Revisão esta que, aliás, ainda não ocorreu nem, como se retira da resposta, está em curso.
5. Convém fazer preceder a análise das questões de constitucionalidade colocadas pelo Requerente de uma breve exposição do regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, na estrita medida que possa contribuir para a compreensão do efeito jurídico pretendido pelas normas submetidas a apreciação.
5.1. Na sequência da Lei n.º 48/98, de 11 de agosto, que estabeleceu as bases da política de ordenamento do território e de urbanismo (LBPOTU – alterada pela Lei n.º 54/2007, de 31 de agosto), o Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro, veio disciplinar o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial (RJIGT; o diploma sofreu as seguintes alterações: Decreto-Lei n.º 53/2000, de 7 de abril, Decreto-Lei n.º 310/2003, de 10 de fevereiro, Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro, Lei n.º 56/2007, de 31 de agosto, Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de setembro, Retificação n.º 104/2007, de 6 de novembro, Decreto-Lei n.º 46/2009, de 20 de fevereiro, Decreto-Lei n.º 181/2009, de 7 de agosto e Decreto-Lei n.º 2/2011, de 6 de janeiro).
O sistema de gestão territorial pode ser percebido pelo seguinte quadro sinóptico (adaptado do apresentado por Fernanda Paula Oliveira, Instrumentos de Participação Pública em Gestão Urbanística, pág. 14):
QUADRO DOS INSTRUMENTOS TIPIFICADOS NA LEI DE BASES
Instrumentos de desenvolvimento territorial
– Programa Nacional de Política de Ordenamento do Território
– Plano Regional de Ordenamento do Território
– Plano Intermunicipal de Ordenamento do Território
Instrumento de planeamento sectorial
– Planos sectoriais
Instrumento de planeamento especial
– Planos de Ordenamento de Áreas Protegidas
– Planos de Albufeiras de Águas Públicas
– Planos de Ordenamento da Orla Costeira
– Planos de Ordenamento dos Estuários
Instrumentos de planeamento territorial
– Plano Director Municipal
– Plano de Urbanização
– Plano de Pormenor
Este regime foi adaptado à Região Autónoma da Madeira pelo Decreto Legislativo Regional n.º 8-A/2001/M, de 20 de abril, que introduziu os ajustamentos, predominantemente de natureza orgânica e formal, considerados imprescindíveis à disciplina dos instrumentos de gestão territorial da Região. Após as alterações ao RJIGT aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de setembro, o legislador regional editou o Decreto Legislativo Regional n.º 43/2008/M, de 23 de dezembro, que estabeleceu o novo sistema regional de gestão territorial. Neste diploma, em que passa a centrar-se a atenção por ser o direito regional de referência da iniciativa legislativa sob censura de constitucionalidade, o legislador regional invocou, para o maior fôlego de regulamentação própria que ele apresenta relativamente ao Decreto Legislativo Regional n.º 8-A/2011/M, a inadequação das soluções operadas pelo Decreto-Lei n.º 316/2007 às especificidades regionais, nomeadamente, a necessidade de uma maior simplificação procedimental que atenda, por comparação com a realidade continental, ao menor número de centros de decisão, à estrutura administrativa menos complexa e à reduzida circunscrição territorial. Por outro lado, para criar um regime que enquadre o sistema regional de gestão territorial e regule as matérias substantivas e procedimentais com relevância específica na Região, o legislador regional escudou-se na possibilidade de desenvolvimento da Lei de Bases decorrente do alargamento dos poderes legislativos regionais pela revisão constitucional de 2004 [cfr. artigo 227.º, n.º 1, alínea c), da CRP].
Adoptando um modelo que, em larga medida, replica o RJIGT – o que, aliás, decorre do princípio da tipicidade dos instrumentos de planeamento do ordenamento do território e urbanismo (cfr. artigos 9.º e 34.º da LBPOTU) –, o sistema regional de gestão territorial organiza-se em dois âmbitos. O âmbito regional, integrado pelo plano regional de ordenamento do território e pelos planos sectoriais com incidência territorial. O âmbito municipal, concretizado pelos planos intermunicipais de ordenamento e os planos municipais de ordenamento do território, que compreendem os planos diretores municipais, os planos de urbanização e os planos de pormenor.
Como é sabido, não são lineares as relações entre os diversos instrumentos de gestão territorial e os modos de resolver conflitos, colisões ou antinomias entre as respectivas normas, desarmonia esta gerada pela sobreposição territorial de diversos tipos de planos, elaborados em contextos políticos, sociais e económicos diversos e da competência de distintas entidades planificadoras, tudo potenciado pela inexistência de uma relação de precedência necessária entre eles (cfr. Alves Correia, Manual de Direito do Urbanismo, Vol. I, 4.ª ed., págs. 496 e segs.). Limitando o horizonte problemático à matéria do objeto do presente processo, apenas importa reter que, conforme dispõe o artigo 11.º do Decreto Legislativo Regional n.º 43/2008/M, os planos municipais de ordenamento do território definem a política municipal de gestão territorial de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo plano regional de ordenamento do território, concretizando as políticas de desenvolvimento económico e social e de ambiente, com incidência espacial, promovidas pela Região Autónoma através de planos sectoriais com incidência territorial e de planos especiais de ordenamento do território. E que, quando contrariem o plano regional de ordenamento do território ou planos sectoriais com incidência territorial preexistentes, os planos diretores municipais indicam expressamente quais as normas e as peças gráficas daqueles que revogam ou alteram.
Interessa ainda notar, quanto ao âmbito de vinculatividade jurídica, de acordo com o regime regra (no direito regional, artigo 3.º do Decreto Legislativo Regional n.º 43/2008/M, na legislação de âmbito nacional, artigo 10.º da LBPOT e artigo 3.º do RJIGT), que os planos sectoriais com incidência territorial (à semelhança do plano regional de ordenamento do território e dos planos intermunicipais) vinculam as entidades públicas; os planos especiais de ordenamento do território e os planos municipais de ordenamento do território vinculam as entidades públicas e, ainda, direta e imediatamente os particulares (eficácia plurisubjectiva, cfr. artigo 11.º da LBPOT).
5.2. O instrumento regional de gestão territorial que é objecto da iniciativa legislativa em análise é, na tipologia legal, um plano sectorial: o Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira (POT), aprovado pelo Decreto Legislativo Regional nº 17/2002/M, de 29 de agosto. Os planos sectoriais são instrumentos que programam ou concretizam políticas públicas de desenvolvimento económico e social com incidência espacial, determinando o respetivo impacte territorial [cfr. artigo 8.º, alínea c), da LBPOTU e artigo 35.º do RJIGT]. Para efeito do sistema regional de gestão territorial, são considerados planos sectoriais (n.º 2 do artigo 22.º do Decreto Legislativo Regional n.º 43/2008/M; cfr. n.º 2 do artigo 35.º do RJIGT):
“Artigo 22.º
Noção
1 – (…)
2 – Para efeitos do presente diploma, são considerados planos sectoriais:
a) Os planos, programas e estratégias de desenvolvimento respeitantes aos diversos setores da administração regional, nomeadamente nos domínios dos transportes, das comunicações, da energia e dos recursos geológicos, da educação e da formação, da cultura, da saúde, da habitação, do turismo, da agricultura, do comércio, da indústria, das florestas e do ambiente;
b) Os planos de ordenamento sectoriais e os regimes territoriais regionais definidos ao abrigo de lei especial;
c) As decisões do Governo Regional sobre a localização e a realização de empreendimentos públicos estruturantes.
3 – (…).”
O POT, além do mais, estabeleceu limites e ritmos de crescimento do alojamento turístico (quantificado em número de camas) e tipologias de empreendimentos, bem como valores para a sua distribuição territorial, em ordem a orientar o crescimento da ocupação turística no arquipélago (rectius nas ilhas da Madeira e Porto Santo) no horizonte temporal e físico que abrange. Foi seu objectivo, afirma-o o preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2002/M, definir a estratégia de desenvolvimento do turismo na Região e o modelo territorial a adotar, com vista a orientar os investimentos tanto públicos como privados, garantindo o equilíbrio na distribuição territorial dos alojamentos e equipamentos turísticos, bem como um melhor aproveitamento e valorização dos recursos humanos, culturais e naturais. E constitui, ainda, objectivo do Plano que a distribuição e as características dos empreendimentos turísticos se adequem às realidades paisagísticas e históricas das diversas zonas da Região e que se insiram no meio social e cultural, contribuindo para o desenvolvimento local integral. É, indiscutivelmente, um plano sectorial que, a par dos programas e estratégias de desenvolvimento da oferta turística na Região e das suas vertentes económica e social, assume incidência no ordenamento territorial condicionando as opções de planeamento físico do território.
A regra é a de que, enquanto instrumentos de gestão do território, os planos sectoriais vinculem as entidades públicas, não tendo eficácia plurisubjectiva. Todavia – e o pedido salienta este aspeto, do qual, aliás retira consequências em termos de exigência acrescida de participação dos interessados – o POT não se destina a vincular, somente, as entidades públicas como, na pureza do modelo, corresponderia à sua categoria. O artigo 16.º, n.º 2, coloca as normas do POT em primeiro lugar na ordem de prioridade da apreciação com vista ao licenciamento dos empreendimentos turísticos pelas câmaras municipais. E, de acordo com o artigo 19.º, n.º 1, das normas de execução, o POT vincula as entidades públicas competentes para a elaboração e aprovação dos planos municipais de ordenamento do território, como é de regra segundo a sua natureza de plano sectorial com incidências territoriais. Mas, até à inclusão nos demais instrumentos de gestão territorial das normas de execução do Plano, estas aplicam-se diretamente na área sectorial a que se reportam. E, por força do disposto no artigo 20.º, são nulos os atos de licenciamento ou autorização de projetos ou atividades que venham em desconformidade com o disposto no diploma. Deve, contudo, notar-se que se trata de um desvio que terá actualmente menor alcance do que aquele que o pedido lhe atribui. Isto porque a aplicação direta das normas do Plano na área sectorial a que se reportam é de vigência transitória, até à compatibilização dos instrumentos de planeamento de eficácia plurisubjectiva com as normas do POT. Ora, não se dispõe de elementos para saber se todos os instrumentos de gestão territorial, designadamente os de âmbito municipal, foram compatibilizados com as normas de execução do Plano. Nem se justifica qualquer indagação com este objectivo, uma vez que não é essencial para a resposta às questões de constitucionalidade colocadas.
Posta esta breve síntese, entremos no confronto das normas em causa com os parâmetros constitucionais invocados pelo Requerente.
6. Embora com alguma dispersão argumentativa, é possível surpreender a razão determinante do pedido de fiscalização preventiva apresentado. Reside ela no facto de, na avaliação do Requerente, as normas em causa conduzirem a “um resultado ablativo dos direitos dos cidadãos ao ambiente e a um correto ordenamento do território [que] não é constitucionalmente adequado, desvirtuando o próprio sistema de planeamento territorial e os direitos e garantias que lhe estão inerentes nos termos da própria Constituição”. É perfeitamente compreensível que aí resida o núcleo da causa de pedir porque o Decreto enviado para assinatura versa sobre um instrumento de planeamento sectorial com incidência no ordenamento do território. Assim, é em conexão com este “bloco de constitucionalidade” constituído pelos artigos 65.º e 66.º da Constituição, que devem considerar-se convocados os demais parâmetros constitucionais a que o pedido faz referência, designadamente, o princípio da determinabilidade das leis e o princípio da proibição do excesso. A insuficiente explicitação dos motivos do legislador e o caracter desproporcionado das medidas quanto à sua duração, contrariando o que deve considerar-se inerente à ideia de suspensão dos instrumentos de gestão do território, implicaria o incumprimento das imposições constitucionais relativas ao correcto ordenamento do território e ao direito ao ambiente e qualidade de vida, designadamente o direito de participação dos cidadãos.
Efectivamente, ambiente, ordenamento do território e urbanismo, não sendo categorias constitucionais sobreponíveis, surgem, na Constituição, profundamente imbricadas, revelando a transversalidade da temática ambiental e a plurifuncionalidade (económica, social, ambiental) do ordenamento do território. Desde logo, a tutela constitucional do ambiente surge no elenco das tarefas fundamentais do Estado, em que se institui a obrigação de o Estado “defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território” [alínea e) do artigo 9.º da CRP]. Na concretização dessas incumbências “para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável” impõe-se ao Estado, por meio de organismos próprios e “com o envolvimento e participação dos cidadãos” a tarefa de “[o]rdenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-económico e a valorização da paisagem” [artigo 66.º, n.º 2, alínea b) da CRP] e “[p]romover a integração de objectivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial”. Trata-se de tarefa comunitária desempenhada aos vários níveis da organização politico-administrativa [estadual, regional e local; cfr. no Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma da Madeira artigo 40.º, alíneas. i), jj), oo) e pp].
A Constituição da República Portuguesa, diversamente do que sucede com a maior parte das congéneres, tutela o ambiente por duas formas (cfr. Gomes Canotilho, O Direito ao Ambiente como Direito Subjetivo, in A Tutela Jurídica do Meio Ambiente: Presente e Futuro, Studia Iurídica, 81, págs. 47 e segs.). Por um lado, consagra no capítulo dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais, o direito de todos a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender (artigo 66.º, n.º 1, da CRP). Por outro, a tutela do ambiente é incluída no elenco das tarefas fundamentais ou dos fins do Estado [cfr. artigos 9.º, alínea e), 66.º, n.º 2 e 81.º, m) da CRP].
Acompanhando a síntese de Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, Coimbra, 2007, pág. 846):
“ O n° 2 [ do art.º 66.º ], articulado com outros preceitos constitucionais (cfr. arts. 9º/e, 81º/a, j e 1, 90º e 93º-1/d), sugere os princípios fundamentais de uma política de ambiente, que são fundamentalmente os seguintes: (a) princípio da prevenção, segundo o qual os responsáveis por comportamentos (activos ou omissivos) susceptíveis de originar incidências ambientais devem evitar sobretudo a criação de poluições e perturbações na origem e não apenas combater posteriormente os seus efeitos, sendo melhor prevenir a degradação ambiental do que remediá-la a posteriori (cfr. nº 2/a, c e d); (b) princípio da participação colectiva, isto é, o direito de os indivíduos e diferentes grupos sociais intervirem na formulação e execução da política do ambiente (cfr. corpo do n° 2: «com o envolvimento e a participação dos cidadãos»); (c) princípio da cooperação, que aponta para a procura de soluções concertadas com outros países e organizações internacionais (cfr. art. 81º/l); (d) princípio do equilíbrio, que se traduz na criação de meios do ambiente adequados para assegurar a integração das políticas de desenvolvimento económico, social e cultural e de protecção da natureza (cfr. nº 2/b e d e arts. 81º/l e 90º: desenvolvimento harmónico, integrado e auto-sustentado); (e) princípio da informação como princípio geral assegurador da publicidade crítica em tomo das questões ambientais e possibilitador do exercício do direito e dever de participação de forma ciente e consciente.”
A leitura global destes preceitos permite afirmar não apenas a consagração de imposições constitucionais de uma política do ambiente, mas também a existência de um dever jurídico constitucional dos poderes públicos de protecção do ambiente. Porém, apesar de referir como violado o n.º 1 do artigo 66.º, o pedido não censura as opções do legislador por serem directamente lesivas de posições jurídicas subjectivas que possam traduzir-se em pretensões individuais, seja de prestações fácticas ou normativas, seja de defesa contra agressões do Estado ou de terceiros. O que, em último termo, o pedido aponta às normas em causa é a violação de garantias procedimentais no domínio do ordenamento do território (a participação informada na elaboração do planeamento), embora por virtude do incumprimento das exigências que à normação são impostas pelo princípio do Estado de direito (princípio da determinabilidade das leis e proibição do excesso).
Vejamos.
7. Sustenta o Requerente que as normas em causa – em verdade, o Decreto, uma vez que só não é questionada a norma respeitante à entrada em vigor – infringem o princípio da determinabilidade das leis por duas ordens de razões. Na medida em que o diploma não cumpre a exigência de fundamentação da suspensão das normas do POT sobre que visa agir – à semelhança da imposta pelo n.º 4 do artigo 83.º do Decreto Legislativo Regional n.º 43/2008/M; o Requerente refere o artigo 99.º do RJIGT, mas há norma regional de aplicação preferencial (cfr., artigo 228.º, n.º 2, da CRP), aliás de conteúdo idêntico ao do regime nacional –, não indicando com suficiente concretização as razões da opção legislativa, limitando-se o diploma a considerações genéricas que são mera reprodução das fórmulas legais. E também por não se indicar um prazo certo de vigência da suspensão, gerando uma situação de duração indeterminada, contrária à própria ideia de suspensão dos instrumentos de gestão do ordenamento do território e urbanismo.
Apesar de se reconhecer que o relevo dado, na argumentação do Requerente, a estes aspetos do regime jurídico infraconstitucional da dinâmica dos instrumentos de gestão territorial se subordina ao entendimento de que tal regime concretiza princípios constitucionais e não ao propósito de erigi-los em parâmetro de validade das normas em causa, afigura-se oportuno recordar que tais considerações somente interessam para contextualização das questões de constitucionalidade suscitadas. Não compete ao Tribunal Constitucional verificar a conformidade do ato sujeito a fiscalização preventiva a normas infraconstitucionais da “dinâmica dos Planos”, designadamente por falta de explicitação das concretas circunstâncias que constituem a alteração significativa das perspetivas de desenvolvimento económico-social incompatíveis com a concretização das opções de política do turismo na Região, com reflexos no planeamento físico do território, que haviam sido tomadas em 2002, como se de um ato administrativo se tratasse. Cabe-lhe, e só isso lhe cabe, dizer se, por ser o diploma deficitário nesse ponto – admitindo, num primeiro momento, que essa imputação proceda –, as normas em causa violam princípios constitucionais, designadamente o princípio da precisão ou determinabilidade das leis e o princípio da proporcionalidade.
Sobre o princípio da precisão ou determinabilidade das leis em geral (i.e., abstraindo de particulares exigências constitucionais em domínios normativos específicos, designadamente em matéria penal e tributária), vem o Tribunal entendendo que o mesmo, sob o ponto de vista intrínseco, se reconduz às seguintes ideias essenciais (Acórdão n.º 285/92, disponível, como os demais citados sem outra referência, in www.tribunalconstitucional.pt):
1) exigência de clareza das normas legais, pois de uma lei obscura ou contraditória pode não ser possível, através da interpretação, obter um sentido inequívoco, capaz de alicerçar uma solução jurídica para o problema concreto;
2) exigência de densidade suficiente na regulamentação legal, pois um ato legislativo que não contém uma disciplina suficientemente concreta (densa, determinada) não oferece uma medida jurídica capaz de:
– alicerçar posições juridicamente protegidas dos cidadãos;
– constituir uma norma de atuação para a administração;
– possibilitar, como norma de controlo, a fiscalização da legalidade e a defesa dos direitos e interesses dos cidadãos.
O Tribunal tem entendido que, embora não sendo constitucionalmente explícita, esta exigência de clareza razoável do conteúdo dos atos normativos se retira do artigo 2.º da Constituição, integrando o princípio constitucional estruturante que é o princípio do Estado de direito. Com efeito, as decisões estaduais que tiverem um conteúdo de tal ordem obscuro, impreciso ou contraditório que chegue a ser indeterminável para os seus destinatários não podem ser conformes à exigência de segurança que vai incluída na dimensão material do princípio do Estado de direito (cfr. Maria Lúcia Amaral, A Forma da República, Coimbra, 2005, págs. 179-180; Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Coimbra, Almedina, 2003, pág. 258).
Sucede que o ato do parlamento regional em que se inserem as normas em causa, diversamente da generalidade dos instrumentos que integram o sistema de gestão do ordenamento do território e urbanismo, tem natureza de ato legislativo (cfr. n.º 1, do artigo 112.º da CRP). Ora, a falta ou insuficiência de enunciação contextual dos pressupostos de facto considerados para a emissão de determinada providência legislativa, ou das prognoses que, com base nessa realidade, o legislador tenha efetuado, não afeta a clareza ou a densidade da norma em tais bases construída. De modo geral, relativamente a atos de natureza normativa, só o que possa redundar, no fim de um persistente esforço hermenêutico, numa situação de perplexidade inultrapassável quanto ao sentido da prescrição legislativa pode considerar-se como insuscetível de qualificar-se como ato válido do poder normativo público num Estado de direito. Numa perspetiva estrutural, tratar-se-á de vícios localizados na hipótese ou na estatuição da norma ou de colisão irremovível de sentido de várias normas. De modo geral, afigura-se dificilmente concebível que possa violar as exigências de determinabilidade das leis a falta ou insuficiente revelação das razões que tenham levado à adoção de determinada providência. Ao abrigo do referido princípio tem sentido exigir-se aos atos normativos do poder público que o texto seja inteligível quanto à conduta que permite, proíbe ou impõe ou ao efeito que visa produzir porque só assim a norma pode determinar condutas, alicerçar expectativas e ser objeto de aplicação pelos próprios órgãos administrativos ou judiciais. Não que o texto (o dispositivo e o preâmbulo) revele a razão dessa prescrição.
E, efetivamente, os n.ºs 1 e 2 do artigo 1.º do diploma em análise são, quer na respetiva hipótese normativa (as normas do POT sobre que visam agir), quer na sua estatuição (a suspensão dessas normas até à revisão do Plano), de sentido claro e inequívoco mesmo para um intérprete menos esforçado. Ainda que se entenda que a Administração, os particulares e os tribunais, perante o teor normativo dos preceitos em causa, possam não ficar a saber com exatidão que concretas representações da realidade económica, social e ambiental ou que instantes necessidades e que previsão de evolução levaram o legislador a optar pela suspensão parcial do Plano, o que eles não podem razoavelmente ignorar é quais as normas que se pretende que deixem “pro tempore” de vigorar, em termos de, consoante a sua posição, interesse ou poderes funcionais, poderem atuar na prossecução do interesse público (a Administração), determinar as suas opções de vida ou conduzir os seus negócios (particulares e empresas) ou dirimir os conflitos de interesses públicos e privados (o juiz) de acordo com a modificação que por esta via se pretende introduzir no ordenamento.
Do mesmo modo, a adoção de um termo incerto para a suspensão – até à revisão do Plano – não gera indeterminabilidade de sentido normativo. Poderá ser funcionalmente desconforme à figura da suspensão dos instrumentos de gestão territorial, mas tal regime não constitui parâmetro de constitucionalidade de atos formalmente legislativos.
Na verdade – e isto é uma conclusão que pode desde já adiantar-se e terá reflexos no exame de outras questões – a suspensão parcial de um plano até à sua revisão equivale, nos seus efeitos substantivos, à alteração desse instrumento de gestão do território nesse mesmo âmbito. Na prática, mantendo-se a suspensão até à revisão, tudo se passa como se o Plano deixasse já de vigorar na parte afetada. Mas isso, podendo contrariar regras da dinâmica dos instrumentos de ordenamento do território, não cria qualquer incerteza jurídica ou, pelo menos, uma incerteza constitucionalmente censurável. Perante tal norma não se justifica uma situação de dúvida razoável quanto à conclusão de que o Plano deixa de produzir efeitos, na parte objeto de suspensão, até ao evento que no artigo 2.º se refere, ou seja, até que o mesmo Plano seja revisto.
8. Acresce que a censura que o Requerente faz à justificação que o preâmbulo do diploma apresenta para a suspensão se afigura infundada, por pressupor um grau de exigência excessivo quanto à explicitação dos motivos de uma providência desta natureza para habilitar à participação informada dos interessados, pelo menos quando tomada sob forma legislativa como a regra de paralelismo de competência e forma no caso exigia (cfr. n.º 2, do artigo 99.º do RJIGT).
Na verdade, uma leitura conjugada do preâmbulo do diploma com as normas que são objeto de suspensão revela com suficiente concretização as razões determinantes da providência adotada. Está expresso com suficiente clareza que a Assembleia Legislativa, secundando proposta do Governo regional, entendeu que os limites estabelecidos no Plano, expressos em número de camas, quanto ao crescimento do alojamento turístico na Região para a ilha do Porto Santo (4.000 camas), bem como, a sua distribuição pelo território dos diversos municípios na ilha da Madeira (mantendo aí todavia, a mesma quantificação global: 35.000 camas) se revelaram inadequados ao cumprimento dos objetivos do POT e não se ajustam à mudança substancial das condições de ordem económica, social e financeira ocorridas nos últimos anos. E que, por outro lado, a tipificação legal do alojamento turístico que o POT tomara por referência havia sofrido modificação de modo que a sua utilização no POT vem constituindo entrave ao acolhimento de potenciais investimentos no setor do Turismo. Tal motivação, relativamente a um ato normativo de natureza legislativa como é o caso, é suficiente para que a opção pela suspensão das normas em causa possa ser criticada, aceite ou repudiada, pelos potenciais interessados ou pelos participantes no processo político, de acordo com as avaliações que eles próprios façam sobre as políticas públicas regionais relativas ao setor do turismo e as suas incidências espaciais. Podendo, obviamente, as premissas desse juízo ser mais concretizadas – o que, aliás, se ensaia na resposta ao pedido – quanto ao desvio de execução do plano e à inviabilidade de, com estas normas, o mesmo cumprir os seus objectivos no novo contexto económico e financeiro, não parece que, para uma participação informada, seja essencial a explicitação das condições macro-económicas que, podendo ser objecto de leitura divergente nas suas causas, extensão, consequências e remédios, em si mesmas, podem considerar-se do conhecimento comum do cidadão medianamente interessado nos assuntos da república. Coisa diversa é a exatidão dessa fundamentação ou a concordância com as opções de desenvolvimento do setor do turismo e de ordenamento do território que lhe presidem ou com as consequências que, nesse domínio, se prevejam como decorrendo do novo regime.
9. Ancorado, sempre, na insuficiente concretização das razões da medida adoptada, o pedido argumenta que o princípio constitucional da proporcionalidade deixa de cumprir o seu papel de contenção do excesso na atuação dos poderes públicos. As assinaladas falhas e insuficiências de fundamentação não permitiriam avaliar as opções em causa através do crivo daquele princípio fundamental, mostrando-se, por um lado, impossibilitada a ponderação da idoneidade do meio usado para a prossecução dos objetivos a que se propõe e, por outro lado, prejudicada a formulação de qualquer juízo de eficiência quanto à opção pela suspensão das normas planificatórias atrás identificadas em detrimento de outras alternativas.
Também por este ângulo não tem razão.
9.1. Sem prejuízo do que se dirá quando se apreciar a violação da garantia procedimental do n.º 5 do artigo 65.º da Constituição, não parece poder afirmar-se que procedam as imputações de inconstitucionalidade a este propósito deduzidas pelo Requerente, desde logo porque o pedido assenta num juízo sobre a insuficiência de explicitação do “pressuposto de facto” da opção tomada que, pelas razões já referidas, não se acompanha.
É certo que as decisões que o Estado (lato sensu) toma têm de ter uma certa finalidade ou uma certa razão de ser, não podendo ser ilimitadas nem arbitrárias e que esta finalidade deve ser algo de detetável e compreensível para os seus destinatários. O princípio da proibição de excesso postula que entre o conteúdo da decisão do poder público e o fim por ela prosseguido haja sempre um equilíbrio, uma ponderação e uma “justa medida” e encontra sede no artigo 2.º da Constituição. O Estado de direito não pode deixar de ser um “Estado proporcional”.
Sucede que as finalidades prosseguidas pelo diploma em apreço são cognoscíveis para os destinatários e para a comunidade jurídica, proporcionando elementos suficientes para o controlo judicial da necessidade, adequação e justa medida, nos limites em que ele seria concebível relativamente a opções de planos sectoriais, como o plano de ordenamento regional do turismo. Trata-se de instrumento de políticas públicas, de conteúdo não determinável a nível da Constituição, cuja incidência espacial há de ser mediada por outros instrumentos de gestão territorial, designadamente por planos especiais e pelos planos municipais de ordenamento do território e urbanismo, pelo que só de modo indirecto as opções desse Plano, ou dos atos que lhe modifiquem (temporária ou definitivamente) o conteúdo, podem contender com posições subjetivas dos cidadãos.
Assim, quanto à norma do artigo 1.º do Decreto sujeito a fiscalização preventiva não procede a imputação de violação das normas constitucionais de tutela constitucional do ambiente e ordenamento do território e da proibição do excesso.
9.2. Embora no mesmo quadro de fundo, o confronto do artigo 2.º do Decreto com os referidos parâmetros pode exigir algum afinamento.
Está em destaque a circunstância de a dita suspensão ser estabelecida até à revisão do Plano através, segundo o Requerente, “de um verdadeiro desvio na escolha de procedimento, suspendendo quando se pretende alterar, o que, não apenas implica um vazio na ordem jurídica, propiciando a desregulação da atuação da Administração Pública regional e local num domínio sensível dos direitos dos particulares, com implicações económicas e patrimoniais não despiciendas, como subtrai o procedimento de alteração do plano das garantias de participação dos cidadãos, consentimento das populações e justa e adequada ponderação dos interesses em presença, especialmente os ambientais”.
Num aspecto tem o Requerente razão. A suspensão parcial do Plano por um período indeterminado afigura-se contrária à ideia de suspensão dos instrumentos de gestão territorial que “consiste na paralisação por um período de tempo certo dos efeitos de todo o plano ou de parte dele, quer em termos espaciais, quer materiais” (João Miranda, A Dinâmica Jurídica do Planeamento Territorial, pág. 267).
É certo que, se for entendido que o Plano caducaria pelo decurso do prazo máximo de vigência estipulado no artigo 21.º das Normas de Execução (10 anos a partir da sua entrada em vigor, ou seja, no próximo dia 30 de agosto de 2012) poderia sustentar-se que o limite temporal da suspensão fica automaticamente estabelecido. Não parece, manifestamente, esta a representação do legislador regional, ao actuar por este modo relativamente a normas que iriam cessar vigência a tão breve prazo e com as razões invocadas, que de modo algum correspondem a uma situação de urgência ou de alteração súbita da realidade a que o Plano se aplica ou pretende orientar. Pressuposto que, aliás, é assumido na resposta. De todo o modo, ainda que o POT não beneficie do regime de sobrevigência que é próprio dos planos de elaboração obrigatória (cfr. artigo 83.º do RJIGT), é sustentável a interpretação de que a suspensão até à revisão teria implícita a vontade de que, no mais, as regras de execução do Plano continuem a aplicar-se até à revisão e, por essa via, a prorrogação de vigência do Plano até esse mesmo evento.
Não pode, todavia, dizer-se que, por virtude da paralisação praticamente definitiva de eficácia das normas identificadas no artigo 1.º do Decreto, relativamente a um plano desta natureza, fique criado, por todo o tempo que durar a suspensão, um vazio jurídico suscetível de atentar contra o direito fundamental estabelecido no n.º 1 do artigo 66.º ou de constituir incumprimento das tarefas que à Região incumbem, para o território regional, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 66.º da Constituição.
Em primeiro lugar, não é exato que se crie uma situação de vazio jurídico. O que passa a existir é uma disciplina jurídica diversa, porque o Plano subsiste no mais, apenas sem as vinculações decorrentes das normas suspensas e a Administração e os particulares continuam sujeitos aos demais instrumentos de gestão do território.
É certo que a suspensão incide sobre aspectos relevantes da planificação territorial do turismo, como são os que respeitam à ocupação global permitida, à sua distribuição no território, à capacidade máxima das unidades turísticas, à tipologia dos empreendimentos. Mas não pode extrair-se dos referidos preceitos constitucionais, em especial da alínea b) e f) do n.º 2 do artigo 66.º, um dever de conservar as opções, o grau de vinculação ou a pormenorização de regulação anteriormente atingida.
E avulta a circunstância de não estarmos perante um instrumento de gestão do território cuja elaboração possa considerar-se imposta pelo n.º 4 do artigo 65.º da Constituição – não tem por objectivo imediato a definição das regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos – e que constitua a última barreira na cascata do planeamento urbanístico e ordenamento do território, mas perante um instrumento de promoção de políticas públicas em matéria de turismo cuja elaboração não pode considerar-se que a Constituição imponha à Região como forma necessária de promover o ordenamento do território. Importa notar que a protecção do ambiente e o correcto ordenamento do território e do urbanismo se obtém, em primeira linha e de modo directo, através de outros instrumentos, designadamente os planos municipais e os planos especiais de ordenamento do território, bem como por outros instrumentos vinculativos de utilização do solo ou de protecção a bens ou valores ambientais específicos, designadamente, os regimes jurídicos da reserva ecológica e da reserva agrícola nacional e das áreas florestais, a disciplina jurídica da rede nacional de áreas protegidas, o regime jurídico da “Rede Natura 2000”, o regime jurídico de ocupação, uso e transformação do solo na faixa costeira e regimes vinculativos de semelhante natureza.
9.3. Resta encarar uma última questão sugerida pela afirmação do pedido de que a actuação legislativa em causa consubstancia “um verdadeiro desvio na escolha de procedimento, suspendendo quando se pretende alterar”.
Como já se reconheceu, dificilmente pode contestar-se que, ficando o POT parcialmente suspenso com a extensão pretendida e sem prazo certo, o Decreto introduz no ordenamento regional, na prática, efeitos semelhantes aos que resultariam da imediata alteração do Plano. Nem se objecte que a suspensão vigorará pelo prazo máximo de “cerca de um a dois anos”, tempo que se estima necessário para a revisão do Plano. Tal afirmação não tem base fáctica ou normativa, nem sequer podendo inferir-se de qualquer procedimento de revisão em curso.
É certo que as normas se mantêm formalmente num estado de vigência latente. Mas, segundo o programa legislativo, sem expectativa de retomarem eficácia. Sendo este o seu efeito substancial, não é desrazoável afirmar que a previdência legislativa tem a finalidade objectiva de alcançar uma alteração do regime sob a forma de suspensão parcial.
Porém, a disfunção que se descortina é entre a solução adotada e o regime infraconstitucional de dinâmica dos instrumentos de planeamento. Não uma profunda incongruência da lei consigo mesma ou entre o uso do poder legislativo e os fins ou escopos especialmente fixados pela Constituição, o que arreda qualquer perspetiva de consideração da questão pelo ângulo, de muita duvidosa aceitação no controlo de constitucionalidade, do “desvio de poder legislativo”. Deste modo, podendo o legislador regional proceder à alteração do Plano de Ordenamento Turístico, não se afigura que a adoção de uma providência que alcança o mesmo resultado material, embora pela via da suspensão parcial, deva ser qualificada, só por essa desarmonia, como excessiva ou arbitrária.
Forçoso é, porém, que o seu confronto com as exigências da Constituição, designadamente quanto à observância das garantias procedimentais, se analise em conformidade com o alcance efetivo da medida e não com a sua aparência. É ao que seguidamente se procede.
10. No n.º 5 do artigo 65.º, introduzido pela revisão constitucional de 1997, a Constituição passou a garantir a participação dos interessados “na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território”. Trata-se de um direito também inscrito na Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e do Urbanismo [artigo 5.º, alínea f), e artigo 21.º] e regulado no Decreto-Lei n.º 380/99 a propósito dos vários instrumentos de gestão territorial (cfr. o artigo 40.º, quanto aos planos sectoriais de incidência territorial, que é o que aqui interessa considerar). O “envolvimento e participação dos cidadãos” está também previsto no n.º 2 do artigo 66.º, designadamente quando se trate [alínea b)] de “ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-económico e a valorização da paisagem”.
Trata-se de uma concretização, em sede de ordenamento do território, do princípio da democracia participativa proclamado no artigo 2.º da Constituição. Como diz Alves Correia (Manual de Direito do Urbanismo, Vol. I, 4ª ed., 2008), em considerações referidas aos atos de planeamento urbanístico, mas igualmente pertinentes quanto à justificação da exigência de participação noutros instrumentos de ordenamento ou de incidência no planeamento físico do território:
“(…)Se a participação dos interessados no procedimento de elaboração dos planos urbanísticos não pode deixar de encontrar também a sua justificação no apontado fundamento geral da participação dos cidadãos na organização e atividade da Administração Pública, o certo é que existe um fundamento específico que reclama a existência de formas adequadas de participação dos interessados nos procedimentos de planificação territorial: consiste ele na necessidade de compensar a amplitude do poder discricionário que caracteriza a atividade de planificação com uma exigente e aprofundada participação dos interessados.
[ ......]
A principal característica dos procedimentos de planificação urbanística consiste, como já tivemos a oportunidade de observar, na vastidão e na complexidade do cenário dos interesses neles coenvolvidos. Isto comporta o exercício de um poder discricionário, cujo grau e espessura são diretamente proporcionais à variedade das alternativas que se apresentam ao planificador, tanto na seleção dos interesses, como na composição sucessiva dos mesmos no processo de determinação das escolhas. A esta extensão da discricionariedade da planificação urbanística deve corresponder uma disciplina rigorosa do procedimento administrativo. A este propósito, escreve M. S. GIANNINI que, “quanto mais a rede dos interesses for complexa, tanto mais o legislador deverá cuidar em urdir as fases do procedimento, de modo a permitir uma avaliação consciente dos interesses abrangidos”. Por seu lado, SCHMITT GLAESER refere que, “quanto mais aumenta a variedade das alternativas de escolha, em presença das circunstâncias complexas, e quantas mais são as interdependências, tanto menos é admissível uma composição dos conflitos através de soluções intuitivas imediatas”.
O pedido apresenta a violação deste direito através de uma argumentação segundo a qual a falta de explicitação das verificações de facto, ponderações e prognoses em que assentou o ato em análise impossibilitaria o exercício deste direito qualificado de participação procedimental. Entende o Requerente, que pela falta de fundamentação da suspensão, “são inviabilizados os direitos de informação e, logo, de participação esclarecida dos cidadãos e estruturas representativas nos procedimentos e no controlo (prévio ou sucessivo) das escolhas feitas pelos poderes públicos competentes no âmbito do planeamento com incidência territorial. Não são pois acautelados os direitos de participação dos interessados nos termos requeridos pelos artigos 65.º, n.º 5, 66.º, n.º 2, in fine e 267.º, números 1 e 5, da Constituição”.
O que se adiantou quanto à improcedência dessa argumentação relativamente à “falta de fundamentação” retira base à consideração da questão por esta perspetiva (refira-se que a invocação dos n.ºs 1 e 5 do artigo 267.º estaria deslocada, face à natureza do ato).
11. Todavia, a questão da violação do referido parâmetro constitucional não deixa de colocar-se e de dever ser analisada pelo Tribunal, embora pelo ângulo estrito de vício do procedimento legislativo. Com efeito, como resulta da resposta da Assembleia Legislativa, houve consulta de entidades externas (artigo 83.º do Decreto Legislativo Regional n.º 43/2008/M), mas não se abriu o procedimento legislativo à participação dos cidadãos mediante uma fase de participação pública dos interessados.
Ora, como dizem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, pg. 840, em anotação a este preceito “a Constituição visou alicerçar a democracia participativa no âmbito do planeamento territorial procurando estimular uma cidadania territorial indispensável à prossecução das tarefas do Estado referentes ao correto ordenamento do território e desenvolvimento harmonioso [arts 9º/e e g e 82º/d, i, l e m)] e à efetivação de direitos fundamentais (direito ao ambiente e qualidade de vida, direito ao património cultural, direito à paisagem, direito ao desenvolvimento sustentado, direito das futuras gerações, direito á fruição cultural, direito á igualdade real entre portugueses). A cidadania territorial impõe-se ainda num domínio como o do planeamento urbanístico e territorial, onde o clientelismo, os «lobbies», os grupos de interesse, a corrupção, tendem a converter o território e a cidade num esquema de perequações económicas, não raro veiculadas por redes informais de influência. O direito de participação incide sobre a elaboração (e sobre a revisão) de todos os instrumentos de planeamento urbanístico e de planeamento físico do território e tem por beneficiários todos os cidadãos e organizações residentes ou sedeadas nas áreas correspondentes. Dado o âmbito dos interessados, o mecanismo de participação deve contemplar procedimentos adequados (debates públicos, audiências públicas, etc.) a uma eficaz participação”.
Sendo esta a teleologia e a matriz do preceito constitucional, duas questões podem concretamente levantar-se na interpretação do n.º 5 do artigo 65.º da Constituição com repercussão no sentido da decisão. A primeira consiste em saber se os planos sectoriais de incidência territorial estão também abrangidos por esta garantia de participação ou se ela se restringe aos instrumentos de planeamento a que se refere o n.º 4 do mesmo artigo 65.º. A segunda consiste em saber se o direito de participação, referindo-se o texto constitucional à “elaboração” dos instrumentos de gestão territorial, se estende a outros momentos ou figuras da dinâmica do planeamento.
Quanto à primeira questão, a resposta não pode deixar de ser positiva. A participação dos interessados está constitucionalmente garantida em quaisquer instrumentos de planeamento físico do território, dimensão que os planos sectoriais do turismo, ainda que para serem refletidos em instrumentos urbanísticos e mesmo que vinculem somente as entidades públicas, necessariamente comportam. As opções neles tomadas preordenam, ou pelo menos condicionam, os instrumentos de gestão territorial que com tais planos sectoriais devam conformar-se ou compatibilizar-se. Por isso, há lugar a participação dos interessados desde que se tenha optado pela sua elaboração, mesmo que não se trate de um instrumento de gestão territorial cuja existência deva considerar-se constitucionalmente imposta. Além de ser o entendimento mais conforme ao texto da Constituição (“… e de quaisquer instrumentos de planeamento físico do território”), verificam-se relativamente a eles as razões que presidem à consagração da garantia constitucional. Por outro lado, como adverte Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª ed. pág. 1337) ao contrário do que sucede noutros preceitos constitucionais, o n.º 5 do artigo 65.º não contém qualquer remissão para a lei, sendo antes diretamente aplicável, sem prejuízo da liberdade de conformação do legislador na concretização do modo como tal participação se formaliza.
Quanto à segunda interrogação, a determinação do âmbito da participação dos interessados exige uma leitura do conceito de “elaboração” dos instrumentos de planeamento territorial adequada à teleologia do preceito constitucional, que não se identifica com o sentido do termo no regime infraconstitucional. É um direito de participação em sentido amplo, seja quanto à legitimidade dos interessados e ao motivo da participação, seja quanto ao objeto, abrangendo qualquer modificação substancial dos instrumentos de gestão do território a que se aplica (cfr. Rui Medeiros, loc. cit., pg. 1337; Fernando Alves Correia, Manual de Direito do Urbanismo, I, Coimbra, 2008, págs. 147 e 445).
Este entendimento de que a garantia é mais extensa, relativamente aos atos da dinâmica dos instrumentos de gestão territorial, do que resultaria da identificação do conceito constitucionalmente relevante com o sentido infraconstitucional, só na aparência contraria o que se decidiu no Acórdão n.º 394/2004 (cfr. tb. Acórdão n.º 436/2004). Na verdade, o que estava em causa nessa jurisprudência eram normas ou dimensões normativas que se limitavam a repor em vigência instrumentos de ordenamento do território já caducados. Não se tratava de uma nova opção quanto ao ordenamento do território, mas de manter opções anteriores, presumivelmente já sujeitas à participação dos cidadãos.
Ora, a providência legislativa agora em análise não pode deixar de ser considerada uma modificação substancial do Plano de Ordenamento do Turismo da Região Autónoma da Madeira, sendo esse critério material e não o da tipologia dos atos, o que corresponde à teleologia do preceito constitucional.
É uma modificação substancial da regulamentação existente pelos seus efeitos jurídicos, isto é, pelo conteúdo das normas que suspende e pelo inerente resultado na conformação do ordenamento. O artigo 1.º do Decreto desvincula de qualquer limite quanto ao número de camas (a “unidade de medida” do peso da ocupação turística) na ilha do Porto Santo, o que é uma modificação de particular significado para o “desenvolvimento sustentável” relativamente a uma ilha de dimensão relativamente reduzida. Quanto à ilha da Madeira, embora mantendo o número global de camas turísticas previstas, abandona a sua repartição pelos diversos municípios, permitindo opções pela concentração em locais com maior procura, com o consequente aumento da pressão urbanística e sobrecarga de infraestruturas sobre essas partes da ilha e os inerentes riscos ambientais. E liberta da tipologia de empreendimentos turísticos prevista no Plano, que condicionava a ocupação e exploração admissível em parte do território, permitindo com caráter genérico o que com as normas “suspensas” só seria consentido a título excecional e com especial justificação.
E é também uma modificação substancial se considerarmos, como tem de ser considerada, a real natureza da medida, apesar do nomen com que se apresenta. Como já se deixou dito, sob a veste formal de suspensão parcial depara-se, na realidade das coisas e por força da duração da medida estabelecida no artigo 2.º do Decreto, uma verdadeira alteração do POT. A conformação do ordenamento do turismo no território da Região, se o Decreto entrar em vigor, passará a ser aquela que o Decreto lhe introduz até que o POT seja revisto. Introduz-se o mesmo efeito que resultaria da alteração do Plano quanto às normas suspensas. É certo que tais normas de execução do POT ficam num estado de vigência latente, porque não são imediatamente revogadas, mas segundo o programa legislativo resultante do artigo 2.º do Decreto, só retomarão vigência quando o Plano for revisto se não forem nessa revisão objeto de modificação. Mas, então, o Plano será já outro.
Assim sendo, relativamente a uma ação de tão largo espectro, intensidade e duração relativamente ao Plano existente como aquela que o Decreto promove, não podem deixar de estar presentes as exigências de democracia participativa que levaram a inscrever no n.º 5 do artigo 65.º da Constituição a garantia de participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento físico do território. O que não foi observado no procedimento legislativo de que o Decreto emergiu, apenas tendo sido promovida a consulta a entidades administrativas externas, como a resposta reconhece.
E a esta leitura do alcance do preceito constitucional não obsta a preocupação com a eficácia do planeamento e com a necessidade de encontrar respostas atempadas para situações excecionais. Como se decidiu no Acórdão n.º 163/2007, a garantia de participação não é absoluta, cedendo, verificadas as exigências da proporcionalidade, perante outros valores constitucionalmente atendíveis, designadamente a necessidade de prover a situações de urgência. Razões estas que não foram invocadas e que, tendo presente o efeito que se pretende obter com a suspensão e as razões que a justificam, parece manifesto não ocorrerem.
III. Decisão
Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide pronunciar-se pela inconstitucionalidade, por violação do disposto no n.º 5 do artigo 65.º da Constituição, das normas contidas nos artigos 1.º e 2.º do “decreto que determina a suspensão parcial do artigo 1.º e a suspensão dos artigos 2.º, 8.º, 9.º, 11.º e 14.º das normas de execução do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira”, aprovado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira em sessão plenária de 20 de junho.
Lisboa, 25/07/2012 Vítor Gomes – Fernando Vaz Ventura – Maria Lúcia Amaral – José da Cunha Barbosa – Carlos Fernandes Cadilha – Maria José Rangel de Mesquita – Maria de Fátima Mata-Mouros – João Cura Mariano – Ana Maria Guerra Martins – Catarina Sarmento e Castro – Joaquim de Sousa Ribeiro – Maria João Antunes (vencida nos termos da declaração que se anexa) – Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencida por entender que a garantia constitucional de participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de gestão territorial não abrange a suspensão destes instrumentos. É certo que, para o entendimento que fez vencimento, a suspensão em causa, “sob a veste formal de uma suspensão parcial”, acaba por ser uma “verdadeira alteração do POT”. Mas se, por um lado, é questionável que o Tribunal Constitucional possa fazer esta qualificação, por tal o poder conduzir afinal à questão de saber se as normas em apreciação respeitam o Decreto Legislativo Regional n.º 43/2008/M, de 23 de dezembro, por outro, tenho para mim que o artigo 2.º do Decreto em apreciação estabelece um prazo para a suspensão que, na dinâmica dos instrumentos de gestão territorial, tem como horizonte natural a revisão do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira, sem que daí resulte uma alteração, em sentido próprio, deste Plano.
Ao consagrar o direito de participação na elaboração dos instrumentos de gestão territorial, o artigo 65.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa garante que os interessados participem em atos de planeamento. Embora concorde que uma leitura desta disposição constitucional que se adeque à sua teleologia não faz coincidir o conceito de “elaboração” com o sentido do termo no direito infraconstitucional, entendo que o que se garante é a participação na elaboração propriamente dita, na revisão e na alteração daqueles instrumentos, por nestes últimos casos haver uma modificação substancial dos mesmos. A participação dos interessados não é constitucionalmente garantida quando ocorra a suspensão dos instrumentos de gestão territorial, ainda que este ato – que não é de planeamento – se repercuta no planeamento. Ainda que se traduza numa “modificação substancial da regulamentação existente pelos seus efeitos jurídicos”.
Embora os trabalhos preparatórios da revisão constitucional de 1997, no âmbito da qual foi aditado ao artigo 65.º o atual n.º 5, não sejam particularmente esclarecedores, deles parece resultar que o que se teve em vista foi a participação na formação/aprovação dos planos territoriais, tendo sido rejeitada a redação originariamente proposta, a qual abrangia também a execução de tais planos (cf. Diário da Assembleia da República, II Série, de 17 de maio de 1997, n.º 92, p. 2639 e ss. Refere-se expressamente ao “direito de participar no procedimento de formação dos planos territoriais”, Alves Correia, Manual de Direito do Urbanismo, Almedina, 2008, p. 445.).
De resto, é a própria dinâmica dos instrumentos de gestão territorial (entre a estabilidade e a mudança) que justifica a não participação dos interessados na suspensão (total ou parcial) destes instrumentos, já que é ditada por circunstâncias excecionais, em que não se perde de vista a alteração ou a revisão de tais instrumentos, atos de planeamento relativamente aos quais está garantida aquela participação. Segundo o artigo 75.º, n.º 4, do Decreto Legislativo Regional n.º 43/2008/M, “a suspensão dos instrumentos de gestão territorial pode decorrer da verificação de circunstâncias excecionais que se repercutam no ordenamento do território pondo em causa a prossecução de interesses públicos relevantes” (e no mesmo sentido vai o artigo 93.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro); de acordo com o artigo 83.º, n.º 1, do mesmo diploma “a suspensão, total e parcial, do plano regional de ordenamento do território, dos planos especiais e dos planos sectoriais ocorrem quando se verifiquem circunstâncias excecionais resultantes de alteração significativa das perspetivas de desenvolvimento económico-social ou da realidade ambiental que determinou a sua elaboração, incompatíveis com a concretização das opções estabelecidas no plano” (e no mesmo sentido vai o artigo 99.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 380/99).
Maria João Antunes