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Proc. n.º 117/00 ACÓRDÃO Nº216/2000
1ª Secção Cons. Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
1. – F... veio reclamar para o Tribunal Constitucional do despacho proferido nos autos em que é recorrida 'E..., LDA' e que não lhe admitiu o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade que tinha interposto.
F... requereu a avaliação da fracção autónoma arrendada
à requerida E..., para efeito de aumento da respectiva renda. Contestado o pedido de avaliação, a requerida E... veio arguir, em requerimento autónomo dirigido ao Juiz de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de Pombal, a nulidade de todo o processado posterior à intervenção da Comissão de Avaliação por ela não ter integrado o perito que nomeara e insistindo na arguição de nulidade do parecer da Comissão face à omissão de pronúncia quanto às questões prévias que tinha suscitado na contestação (ilegitimidade da requerente e inadmissibilidade legal da avaliação).
Também a requerente da avaliação, F... interpôs recurso da decisão da Comissão de Avaliação, pedindo a fixação de uma renda mais elevada e próxima da que tinha referido no requerimento inicial.
2. – No Tribunal Judicial de Pombal veio a ser proferida uma decisão, com data de 9 de Fevereiro de 1999, que julgou procedente o recurso da requerida E..., tendo-se julgado inadmissível a avaliação fiscal requerida.
Não se conformando com o assim decidido, F... interpôs recurso de agravo para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por decisão do Ex.mo Desembargador Relator de 6 de Outubro de 1999, julgou procedente a questão prévia suscitada pela agravada e considerou que se verificava a irrecorribilidade da decisão impugnada, pelo que julgou findo o recurso, não tomando conhecimento do seu objecto.
Notificada desta decisão, F... veio então interpor recurso para o Tribunal Constitucional para apreciação da constitucionalidade do
§ único do artigo 15º do Decreto-Lei n.º 37.021, de 21 de Agosto de 1948.
O relator, face a tal requerimento de interposição do recurso, exarou o seguinte despacho:
'Salvo o devido respeito, resulta das disposições combinadas do artº 700º, n.ºs
2 e 3 e 2 e 3 do artº 70º da LOTC, que o recurso para o TC fundado no n.º1, alínea b), deste último preceito não cabe das decisões do relator que, como é o caso presente, são passíveis de reclamação para a conferência (a decisão em causa julgou findo o recurso de agravo, pelo não conhecimento do seu objecto, nos termos dos art.ºs 700º, n.º1, alínea e), e 701º, n.º1 do CPC). Pelo exposto, indefiro o requerimento de interposição de recurso para o TC apresentado a fls. 132 pela recorrente F...'
É contra este despacho que a recorrente deduz a presente reclamação.
3. – O Ministério Público teve vista dos presentes autos, tendo proferido relativamente à reclamação o seguinte parecer:
'A presente reclamação é manifestamente infundada, já que a ora reclamante pretendeu interpor recurso de fiscalização concreta do despacho do relator que decidira não conhecer do objecto do recurso, nos termos do artº
700º, nº 1, al. e) e 701º, nº 1 do CPC, sem previamente ter curado de impugnar tal despacho, nos termos consentidos pelo nº 3 do artº 700º do mesmo Código, provocando a prolação de um acórdão sobre a questão que alegadamente a prejudicava - e só naturalmente sendo lícito interpor recurso deste acórdão.
Não tendo, pois, esgotado os meios ordinários ou comuns de impugnação da decisão do relator e reportando o recurso de fiscalização concreta à impugnação, não de decisão da conferência, mas de simples despacho impugnável do relator, é manifesta a falta dos pressupostos de admissibilidade de tal recurso.'.
Corridos os vistos legais , cumpre apreciar e decidir.
4. – A questão que vem suscitada pela reclamante é a de saber se um despacho do relator que julga findo um recurso de agravo por deferimento de uma questão prévia suscitada, não tomando conhecimento do objecto do respectivo recurso, é susceptível de recurso de constitucionalidade, ou se, como entende o relator na Relação, a parte face a um tal despacho tem de reclamar para a conferência e só depois interpor recurso de constitucionalidade do acórdão proferido para o Tribunal Constitucional.
É manifesto que o despacho do relator que julga findo um recurso de agravo por considerar irrecorrível a decisão impugnada, não tomando conhecimento do objecto do recurso, não pode ser considerado um despacho de mero expediente: não se destina a prover ao andamento do processo, sem interferir com os interesses das partes.
Pelo contrário, põe fim ao processo ainda que sem tomar conhecimento do recurso.
Não se tratando de um despacho de mero expediente, não representa ele em princípio, e dentro do processo em que é proferido, uma decisão definitiva. Com efeito, nos termos do que se dispõe no n.º 3, do artº
700º do Código de Processo Civil, 'Salvo o disposto no artº 688º, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária.'.
Na verdade, de acordo com a lei processual em vigor, as decisões dos tribunais superiores que não sejam acórdãos são irrecorríveis: é o que resulta dos artigos 700º, n.ºs 3,4 e 5, 721º e 754º, todos do Código de Processo Civil (CPC).
A razão de ser deste entendimento legal assenta na natureza colectiva dos tribunais superiores. De facto, nestes tribunais, como se escreveu no Acórdão n.º 517/94 (in 'Diário da República', IIª Série, de 16 de Dezembro de 1994) 'em regra, as decisões definitivas são tomadas pelo próprio
órgão jurisdicional colectivo, e não singularmente pelos juizes que o compõem.'
Assim, os despachos do relator que não sejam de mero expediente podem sempre ser objecto de reclamação para a conferência, recaindo acórdão sobre a matéria objecto do despacho, reapreciando-o e podendo alterar o respectivo sentido. Tal reclamação visa a obtenção de um acórdão recorrível, como refere o n.º5 do artigo 700º do CPC., o que significa que o despacho do relator não é uma decisão definitiva, apenas reclamável e não recorrível.
Sendo assim possível a revisão pela conferência de um despacho do relator, fica confirmada a sua precariedade, com a consequente não recorribilidade de decisões dos tribunais superiores que não sejam acórdãos.
5. - No caso, a reclamante interpôs recurso de constitucionalidade logo do despacho do relator que, na Relação, julgou findo o recurso não tomando conhecimento do seu objecto. A parte prejudicada com um tal despacho – que, como se disse, não é de mero expediente - não pode impugná-lo mediante recurso, tendo antes de requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão e, só depois pode recorrer, se o acórdão confirmar o teor do despacho.
Nos autos, o despacho recorrido é uma decisão pela qual o relator põe termo ao processo julgando findo o recurso interposto por entender que a decisão impugnada não era recorrível. Ora, esta decisão era susceptível de ser ainda impugnada e mesmo revogada fazendo intervir o órgão jurisdicional colectivo – a conferência - , que é o único modo de garantir os direitos das partes litigantes pela concessão à parte que se considere prejudicada por tal despacho ou que dele discorde, o direito de reclamar para a conferência, provocando assim que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão, nos precisos termos do n.º 3, do artº 700º, do Código de processo Civil (CPC).
Porque este acórdão seria a decisão definitiva do tribunal «a quo», só ele poderia ser objecto de eventual recurso na respectiva ordem jurisdicional. Mas não só nesta. Também assim deverá ser, desde logo por exigências primárias de coerência do sistema, em sede de recurso de constitucionalidade. E, com efeito, nesta matéria, entendeu-se sempre, sem discrepâncias, que só é admissível recurso para o Tribunal Constitucional das decisões que já não sejam susceptíveis de reapreciação na ordem jurisdicional de que provêm, conforme se decidiu, entre outros, no Acórdão nº 316/85, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6º vol., pag. 642.
6. - Solução inspirada na mesma ordem de ideias se encontra hoje consagrada no artigo 70º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, na redacção da Lei nº
13-A/98, de 26 de Fevereiro ('São equiparadas a recursos ordinários as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores nos casos de não admissão ou retenção do recurso, bem como as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência').
Não tendo a reclamante requerido a intervenção da conferência para reapreciação do despacho proferido pelo relator, este despacho não constituiu uma decisão definitiva do tribunal recorrido, pelo que não era dele admissível recurso para o Tribunal Constitucional, uma vez que não estavam esgotados os meios impugnatórios possíveis. Assim, a presente reclamação tem de ser indeferida.
Nestes termos o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em
15 UC's.
Lisboa, 5 de Abril de 2000 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida